sábado, 31 de agosto de 2013

Sal



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Existe duas versões para a origem da palavra Montevideo. E ambas remontam – lógico – a um espanhol antigo. A primeira: Montevideo seria a contração de “eu vi o monte”. A segunda: seria o monte VI (romano) de leste a oeste, ou seja o sexto monte de leste a oeste. Cá entre nós, ambas são convincentes.
Então, chegamos ao SAL – romance de Leticia Wierzchowski – que tem como ambientação um povoado “La Duiva” próximo a um farol. E, possivelmente, seja o VI monte de leste a oeste.
Sal é um doce romance, uma doce leitura. Como tenho o hábito de ler dois livros ao mesmo tempo o romance da Leticia fez com que abandonasse a leitura do outro livro – não vou revelar para não melindrar o octogenário autor, mas prometo retomar a leitura – e me dediquei exclusivamente ao Sal.
O capítulo de Tibérius ao encalço de seu irmão Orfeu é uma pérola. O encontro sob o Arco dell’Annunziata na Itália é de uma sensibilidade a toda prova. Uma deliciosa viagem dos personagens e um agradável passeio literário. Momentos de profunda inspiração.
E, assim, perpassa a saga da família Godoy nas mãos de Cecilia num interminável tricotear sob o farol da ilha La Duiva. Uma narrativa que arrebata e nos prende. Muita poesia e sentimento nas mais singelas ações do nosso cotidiano no relato da vida de marcantes personagens. Tudo colocado no seu devido tempo. Tudo descrito nos seus pormenores. Tudo muito introspectivo. Tudo. Tudo. Tudo.
Uma prazerosa leitura, mesmo que você seja hipertenso, esse Sal proporcionará a tranquilidade necessária em momentos de reflexão. Vá sem pressa, um sal que faz bem à saúde.
Ah! Montevideo não é citado em nenhum momento no livro, mas é uma constante nas páginas e nas idas e vindas dos filhos de Cecília.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A classe trabalhadora é internacional



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

A primeira vez que ouvi a frase acima foi num congresso da CUT – já faz algum tempo – quando a CUT era a Central Única dos Trabalhadores. Numa disputa de palavras de ordem alguém gritou “a classe trabalhadora é internacional” e todos acompanharam em coro e proliferaram bandeiras vermelhas no plenário.
Podemos dizer que a frase “A classe trabalhadora é internacional” equivale ao aforisma de Marx “Trabalhadores do mundo, uni-vos”. Partindo desse pressuposto, qualquer indivíduo com um mínimo discernimento político, solidário e classista no campo dos trabalhadores entende e aceita a vinda de médicos estrangeiros – principalmente os cubanos –, vale o princípio do velho Karl. Sendo assim, sejam bem-vindos trabalhadores de outras paragens. Os trabalhadores mais necessitados os recebem de braços abertos.
Mas essa importação de trabalhadores – principalmente os cubanos – envolvem questões muito caras a própria classe trabalhadora. E, afinal, tem historiadores que acham que se Marx vivesse hoje ele não seria marxista. Mas isso é outro papo.
O movimento sindical brasileiro luta, há muito tempo, contra a terceirização, esse método de contratação de trabalhadores foi implementado pelos governos neoliberais pós-ditadura e continua sendo até hoje. É uma luta histórica. E o que acontece com os médicos cubanos é uma terceirização e uma discriminação. Terceirização porque o governo brasileiro fará um repasse a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) que repassará ao governo de Cuba que pagará entre 10 a 20% do valor os médicos trabalhadores no Brasil. Discriminação porque os médicos de outras nacionalidades receberão um valor maior pelo mesmo serviço praticado. Como trabalhador não consigo aprovar essa discriminação, essa terceirização e o possível silêncio e omissão do majoritário sindicalismo brasileiro.
Ponto para Marx quando dissertou sobre mais-valia. E ambos os governantes, de Cuba e do Brasil, sabem muito bem o significado da tese marxista.
Já li vários argumentos contrários a vinda dos médicos do exterior, e argumentos a gente respeita. Discorda, mas respeita. O que não podemos admitir é a abominável atitude de uma parte da categoria insultar a chegada dos médicos cubanos no aeroporto. O contraponto é feito com argumentos. Fora disso é raiva, insensatez e truculência. Melhorem os argumentos doutores.
Uma comunidade num fundo de um rincão do Brasil agradece essa ajuda humanitária. Talvez a compressão dos médicos cubanos sobre humanismo e solidariedade de classe esteja acima da nossa, visto que por essas bandas não se discute mais isso. Para nós, brasileiros, luta de classe só nos livros amarelados de outras décadas. Mas em alguns momentos ela é tão evidente. E alguns governos, ditos populares, custam a contrariar interesses dos poderosos. O Brasil precisa avançar para uma sociedade mais justa e igualitária. Mesmo que as nossas atenções estejam voltadas para o índice Bovespa.

Se as pessoas que pagam plano de saúde reclamam da precariedade dos serviços, imaginem quem depende do SUS. O fato é que a saúde pública no Brasil está um caos. Aliás, tirando a saúde do Sírio-Libanes, qual a saúde que funciona no Brasil? O programa “mais médicos” deve ser apenas o começo de uma grande transformação, assim, esperamos que as condições de trabalho sejam dignas e atendimento humanizado para os brasileiros. Os médicos vindos do exterior são, apenas, uma parte dessa engrenagem que envolve hospitais, ambulatórios, emergências, ambulâncias e até a falta de uma simples seringa. Se o programa ficar só no “mais médicos”, infelizmente, não teremos mais saúde. Apenas um paliativo com prazo de validade.
Bueno, mal ou bem, temos os médicos cubanos para atender essa demanda excluída que os médicos brasileiros não ousaram assistir. Já é um começo. É um clichê, mas temos uma luz no fim do túnel.
Agora peço licença que vou ali no Sírio-Libanes fazer uma consulta.
Doctor! Tengo un cotovel dolor. Es curable?

domingo, 25 de agosto de 2013

Escapadinha da Dilma



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

A solidão do cargo é uma das queixas dos presidentes da república. Chega um momento do dia que ele fica só. Sem com quem trocar umas palavras soltas, uma conversa descompromissada. E pouco adianta as comodidades do palácio e a presteza dos funcionários.
Sem possibilidade de frequentar um cinema, um restaurante ou passear numa praça sob um sol de primavera. Impossível sair sem envolver um séquito de seguranças, assessores e puxa-saco de todos os naipes.
Assim, num domingo numa Brasília seca e árida, o presidente fica no Palácio da Alvorada assistindo ao jogo do Corinthians e saboreando um Cohiba, presente do amigo Fidel. Isso fazia o Lula.
E a Dilma? Embora colorada, não tem grandes simpatias pelo futebol. Charuto do Fidel, nem pensar. Reler Marx, não é uma leitura para relaxar. Paulo Coelho? Nem pensar também. O Groucho ao invés do Karl até poderia ser uma boa escolha.
Mas a Dilma gosta de motocicleta. Dilma é aventureira e arrojada. Adora uma Harley-Davidson. Aqui a revelação: há uma delas no palácio.
Aquela máquina no subsolo aguardando alguém que saiba pilotar. Uma pessoa especial que faça roncar o motor daquela potência. Uma companhia que não vai abrir o bico, discreta. Barulhenta apenas quando em velocidade nas estradas. Uma cúmplice aguardando um segredinho da mais alta mandatária do país. Assim, a presidente colocou o seu abrigo Adidas – presente do amigo Fidel – “um capacete listrado e saiu por aí”. Livre nas avenidas da capital. “A sede de liberdade rebenta a soga do potro” cantarolou uma música do folclore gaúcho e saiu mordendo o vento na cara. Um cavalinho de pau em frente ao Congresso. Uma pequena vingançazinha cantando pneus. E uma tentativa de subir a rampa do palácio. Mas o guardinha lá em cima da rampa já apita fazendo sinal para vazar. Gritando que ali não é lugar de motoqueiro. Área de segurança, o loco. – Circulando!
Dilma sussurra um “babaca” e se vai a toda velocidade em direção à ponte JK sobre o lago Paranoá.  
Uma das fotografias mais marcantes do passado de um presidente é a foto da Dilma nos seus vinte e poucos anos diante de um interrogatório. Na imagem a estampa de uma jovem e altiva revolucionária e ao fundo os valentões de farda escondem o rosto. Uma foto enigmática, para múltiplas interpretações. Mas eu daria tudo para ver uma foto da presidente voando as tranças pelas avenidas de Brasília. Seria a foto do mandato.
Essa escapadinha da Dilma – ou seria uma escapadilma da Dinha – tem seu lado arteiro, desobediente, mas perfeitamente aceitável, a presidente, como todos nós, é uma pessoa que precisa de um momento só dela. Um pouco de aventura, relax, para tocar a máquina Brasil, bem mais potente que uma Harley-Davidson.
Agora, imagina se ela para no sinal e dá de cara com o Serra fazendo malabarismos com bolinhas de papel? Nem é bom imaginar...

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Chicana



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Quando os ministros do Supremo bateram boca por conta dos escândalos do mensalão, mais uma vez o vocabulário do povo – tal qual o urânio em alguns países – sai enriquecido. Chicana foi a impiedosa acusação de Joaquim Barbosa que levou o Lewandowski à ira.
Lógico, fui ao amansa burro virtual.
Chicana: argúcia judicial.  Trapaçaria, enredos, cavilação.
Assim, a sociedade assiste, estarrecida, o culto e profícuo bate-boca soberano do supremo. A távola com seus membros capas-pretas descem à planície dos reles mortais.
Corrupto atrás das grades que é o anseio da população até agora nada. Circula na web um meme que diz “é fácil prender manifestante, difícil é prender corrupto”. E  forçosamente somos compelidos a acreditar que sim.
Subterfúgios e protelações são usados a exaustão e os delinquentes continuam faceiros, fagueiros e lépidos. Zombando dos nossos protestos. Rindo das nossas passeatas.
Mas ainda é importante acreditarmos na justiça.
Ainda veremos a expressão de um bandido do colarinho branco ao receber uma ordem judicial de prisão.
– Chiiiiiii... cana!