Athos
Ronaldo Miralha da Cunha
Quando
aguardamos na sala de embarque do aeroporto sempre nos desejamos uma boa
viagem. E quando somos chamados por aquela vozinha – na maioria das vezes metálica
e, aos meus ouvidos, sinistra – para nos dirigirmos ao portão de embarque a
ansiedade e o friozinho na barriga são legítimos e indesejados. Afinal,
acidentes acontecem e a gente gosta de estar com os pés no chão. Dizem que todo
ateu reza um Pai Nosso durante uma turbulência mais prolongada. Mas isso só
pode ser intriga do Feliciano.
O
avião taxiava preparando para a decolagem. Nas duas poltronas em minha frente
viajavam uma vovozinha de uns oitenta e poucos anos e um netinho com uns oito e
muitos meses.
A
velhota deveria ser “marinheira” de primeira viagem, pois debulhava um terço.
Só se ouvia o psiupsiupsiupsiupsiupsiu... dos lábios. O guri estava fascinado
pela portinhola e noticiou que a hélice ainda não estava funcionando. A anciã suspirou
e continuou mais devotamente no seu psiupsiupsiupsiupsiupsiu. Mas a inocência do
netinho não tinha limites. Aí o guri pergunta à vó.
–
Vovó! Titanic era avião ou navio?
Quase
que a velha teve um troço. Abriu a revista da companhia tentando disfarçar o
nervosismo. E falou um “fecha essa matraca” ouvido por todos ao redor.
Passados
os momentos iniciais de “tripulação preparem-se para decolagem” e do “máscaras
de oxigênio cairão automaticamente” comecei a contemplação das luzinhas das
cidades e povoados sobrevoados pela aeronave. O lanche foi servido: suco de pêssego
sem adição de açúcar e com baixa caloria e um pacotinho com meia dúzia de
biscoitos integrais.
Nas
viagens que fiz de avião sempre tive a curiosidade de saber por onde estava
sobrevoando. Lá de cima é meio difícil identificar localidades, salvo por um
detalhe geográfico bem definido pela natureza ou alguma obra de arte feita
pelos humanos. Mas naquele voo noturno o comandante resolveu narrar a breve
viagem de Navegantes a Porto Alegre.
“Os
passageiros que estão à esquerda poderão ver as luzes de Torres”. Mais alguns
minutos, novamente, o comandante fala “os passageiros que estão a direita da
aeronave poderão ver as luzes de Caxias do Sul”. E mais alguns instantes,
anunciou outras luzes do amado Rio Grande e se despediu. Logo vislumbrei uma
série de luzes vermelhas e fiquei imaginado o que seria. Claro, o comandante
entrou e falou que a direita da aeronave os passageiros poderiam ver as luzes
vermelhas do belo e novíssimo Beira-Rio, estádio sede de jogos da Copa do
Mundo. O comandante é colorado, imaginei. Mais alguns segundos – continuou o
piloto – e veremos a Arena do Grêmio que, na minha opinião, é o mais lindo estádio
do mundo. E deu um boa noite azul.
No
corredor do avião aguardando o desembarque a velhota continuava com o seu psiupsiupsiupsiupsiupsiu
do terço e o guri se lamentando porque não havia visto a ponte do Guaíba.
Realmente,
existem mais coisas entre o céu e a Terra do que sonha nossa vã filosofia. Mas Shakespeare
não contava com um avião da Azul com comandante gremista.