domingo, 16 de novembro de 2014

A batata da Dilma



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Domingo pela manhã e sem compromissos oficiais, Dilma acorda radiante. Sentia uma sensação de leveza quando estava distante das ocupações do cargo. Inacreditável que teria um tempo para desfrutar a companhia da filha e do neto. O Palácio da Alvorada estava uma tranquilidade quase pampiana, só faltava um horizonte verde encontrando o céu e uma brisa num cinamomo. A presidenta preparou um chimarrão e sentou-se diante da televisão para assistir ao vídeo tape do Gre-Nal.
Dera folga paras os cozinheiros, pois outro dia, numa vistoria no subsolo do palácio, havia descoberto dois jet-skis e liberados os dois chefs para passearem no lago Paranoá. Se conseguissem fazer funcionar aquelas duas geringonças que há mais de vinte anos estavam jogados e esquecidos num canto da garagem. Os dois chefs ficaram esfuziantes com a possibilidade de diversão num domingo de sol pilotando os jet-skis que outrora outro presidente pilotara.
Naquele dia o almoço estava ao encargo da presidenta. As fotos dela na cozinha – nos jornais há algumas semanas – mostravam a Dilma como uma pessoa comum, que sabia cozinhar, lidar com as coisas simples da vida. Então, ela faria o almoço daquele domingo já que seria, apenas, para a filha e o neto.
O cardápio que planejara teria costela de gado bovino vindo de uma estância de Bagé e batatas inglesas ao forno, arroz branco e saladas de verduras e legumes temperadas com azeite de oliva, barbecue e mostarda com mel. Sobremesa: abacaxi em calda com canela.
Dilma tomou uma térmica de chimarrão com erva-cidreira e desistiu de assistir o restante do jogo após o terceiro gol do GFPA. “Em 2018 eu saio da presidência da República e vou para a presidência do Inter. Em um ano coloco esse time campeão do Brasil” pensou, sorriu e roncou o último mate na cuia com um baita distintivo do Internacional.
Então, a presidenta salgou a costela, recheou as batatas e colocou para assar num fogo brando e em alguns minutos passaria para 220 graus centígrados, temperatura ideal para uma costela. Logo, descascou um abacaxi e dois pepinos grandes.
Nesse instante toca o celular “Ex chamando”. Toda vez que aparecia “Ex chamando” Dilma lembrava que havia programado o celular para dois “Ex” e havia esquecido de mudar, assim, ela nunca sabia quem estava do outro lado da linha: o ex-marido ou o ex-presidente. Atendeu com um sim bem neutro.
– Olá companhêra Dilma... – aquela voz rouca era inconfundível.
Por alguns segundos a presidenta pensou em desligar o celular, mas seria muita deselegância com o ex-presidente. Naquela manhã ela estava num aprazível encontro familiar e não queria discutir política com ninguém. Então, como por encanto, lembrou que tinha umas abobrinhas na geladeira e poderia acrescentar abobrinhas ao cardápio. Mas atendeu ao celular.
– Como está meu grande líder e guru. Tudo bem com a Marisa? – Dilma sempre perguntava pela ex-primeira-dama.
– Dilma minha cara... tua batata está assando...
– Como! Capaz, tchê. Minhas batatas...
Dilma corre até o forno e, realmente, constata que a batata estava assando, mas ainda não havia passado do ponto. Tirou a costela e as batatas recheadas e colocou sobre uma bancada. Antes de servir a mesa, ainda tomaria mais uma térmica de amargo com erva-mate lá de Erechim.
– Está em Brasília? O mate está cevado. É só chegar.
A ligação caiu.

domingo, 2 de novembro de 2014

Acachapante derrota de Tarso



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Em 2010 Tarso Genro venceu as eleições para o governo do estado no primeiro turno. Uma vitória com quase 55% dos votos, consolidada num candidato sério, estrategista, conciliador e competente. Com esses atributos absorveu os votos das camadas mais conservadoras e chegou ao Palácio Piratini. Após quatro anos a coisa virou do avesso.
O que ocorreu em 2014? Será que prevaleceu a máxima de que os gaúchos, pura e simplesmente, não reelegem governador? Tarso foi acometido pelo antipetismo? Não foi só por isso.
Algumas ações da coordenação da campanha de Tarso podem e devem ser recuperadas para não cair no esquecimento e servir de reflexão para futuros pleitos. É importante ter em mente o que foi feito e deixou a desejar. Como analisar uma derrota acachapante de um governo bem avaliado pela população na parte administrativa e sem escândalos que comprometessem a sua credibilidade? Um candidato com uma larga experiência política, intelectual conceituado e um pensador da nossa modernidade?
São inúmeros os deslizes que comprometeram uma campanha que tinha tudo para ser vitoriosa e quebrar o paradigma da derrota numa reeleição. Onde o PT pecou?
A coordenação de Tarso não conseguiu fazer um contraponto a um candidato que vinha com um olhar simples para o Rio Grande. Sartori apresentou-se com alguns slogans que foram facilmente assimilados pelos eleitores sem a devida contrapartida. Ou seja: Sartorão da massa; gringo da colônia; meu partido é o Rio Grande e o cara que não promete e faz.
Qual era o slogan de Tarso?
Sartori foi mais povo nessa eleição. Desceu do pedestal de candidato e “abraçou” os gaúchos. Era um candidato, como se diz lá no galpão, “sem lado para chegar”. Sartori fazia a campanha sorrindo e caminhando. E Tarso? Muito sério... parado. A eloquência de Tarso é muito superior a de Sartori, mas não foi suficiente, faltou o algo mais. Sartori fez uma campanha com humor e emoção – que, na minha opinião, são fundamentais no horário político. Tarso não conseguiu com o mesmo afinco e efeito. Quando fez a emotiva “carta aos gaúchos” já era tarde demais.
A coordenação de campanha de Tarso tentou rebater o “meu partido é o Rio Grande” colocando na tela que o partido de Sartori era o PMDB de Brito etc... etc... e outros adjetivos desqualificadores. Mas parece que a coordenação esqueceu que o PMDB é o vice da Dilma. Como é que o eleitor assimilaria a desqualificação de Sartori por ser ele do PMDB e votar em Tarso que vota na Dilma tendo o vice do PMDB? Nossa! Que imbróglio! Uma salada, e prevaleceu o “meu partido é o Rio Grande” açambarcado pelo descredito geral dos políticos.
A campanha de Tarso bateu severamente e impiedosamente nas candidaturas de Ana Amélia e Lasier Martins. O ápice dessa desconstrução de candidaturas foi trazer para o presente a participação de Lasier na Arena Jovem na década de 60. Cá entre nós: tiro no pé. Como se em 50 anos uma pessoa não pudesse mudar de opinião ou avançar na sua cidadania, e como se no próprio PT não tivesse alguns históricos militantes e quadros partidários que foram da Arena. Como sabemos, a desconstrução da candidatura de Ana Amélia surtiu efeito. Mas então surgiu um grande problema: como negociar apoios para o segundo turno? Se em 2010 as camadas mais conservadoras apoiaram Tarso, em 2014 a própria candidatura de Tarso deixou escapulir por entre seus dedos esses apoios, claramente identificados com a candidata do PP. E Ana Amélia deu o troco com a maior simplicidade. Ana Amélia recebeu 1.342.000 votos no primeiro turno. Enquanto Tarso recebeu 440.000 votos a mais no segundo turno, Sartori recebeu 1.370.000 votos a mais. Os números são incontestáveis. Sartori: 61,21% dos votos. Tarso: 38,79% dos votos. Houve uma visível transferência. Aí faltou uma visão estratégica no primeiro turno e uma visão política no segundo, que merece ser avaliada no centro da coordenação. Um pouco de humildade, às vezes, ajuda muito. Talvez seja esse o grande mérito de Sartori. Um discurso amparado na modéstia e sem ranço ideológico e nem “teu passado te condena”.
Por fim, o que mais me causou estupefação foi o vídeo que Tarso fez dentro de um carro e que teve milhares de visualizações. Eu não consigo entender como uma pessoa do calibre intelectual de Tarso deixou-se contaminar por um amontoado de asneiras dirigidas à militância. Os adeptos da Teoria da Conspiração saltitaram de alegria. Será que o candidato foi centralizado pela coordenação de campanha?
Até entendo que se fosse, apenas, para a militância acordar de sua letargia poderia dar certo, mas o vídeo estava na rede. A impressão que tenho é que o candidato retrocedeu uns trinta anos e se colocou numa reunião do PRC. Pensei: Tarso releu “Quatro ensaios marxistas”. [rsrs]. Um alarmismo inconsequente e fora da casinha. Apenas esse comentário. Mesmo assim ainda acho que não será suficiente para macular sua trajetória de pensador e elaborador de conteúdos políticos pertinentes. Continuarei sendo um leitor de seus livros. Tarso ainda tem muito a contribuir com a boa política no Brasil.
Ah! Faltou falar sobe o piso. O piso ou a falta dele não afetou nenhuma candidatura, mesmo que ambos tivessem pisado em falso em vários momentos desse pleito.
Enfim, o texto acima são, apenas, reflexões de um autodeclarado atento eleitor sem a pretensão de fazer julgamentos pessoais ou de estratégia política, mas que erros e acertos devem ser analisados para serem aprimorados ou evitados. smj.