sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Cavalo encilhado

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Quando o Inter engrenou aquela série de vitórias que nos encheu de sonhos e esperança, eu lembrei do Brizola: era o cavalo passando encilhado.

O Colorado bateu o recorde de vitórias consecutivas em campeonatos com pontos corridos. E com esse ânimo chegamos nesta semana que antecede a decisão do brasileirão. Um jogo em que os dois protagonistas estão na briga pelo título. Mas a vitória consagra o Inter tetracampeão.

Não somos mais um cavalo paraguaio [sic] e já somos, há um bom tempo, o feliz cavalinho do Fantástico e agora estamos como um “potro sem dono” em disparada.

Há um Flamengo no meio do caminho. O todo poderoso time carioca, multimilionário e com a maior torcida do Brasil. Com uma imponderável influência extracampo. Essas artimanhas que a gente não comenta, mas sente. “Há algo no ar além dos aviões de carreira” diria o Barão de Itararé. Mas os poderosos também se ajoelham.

Tenho convicção que, com exceção dos torcedores do Flamengo e os tricolores do coirmão, as demais torcidas estão com o Inter. É simples: torcemos sempre para o mais fraco. Torcemos para quem desafia os soberanos. A mídia esportiva já declarou o Flamengo campeão, mas o Clube do Povo do Sul do Brasil tem história, legado e uma legião memorável de craques. Essa camisa vermelha tem o peso de um século. Representa a garra, a paixão e o sorriso de uma criança. É leve como um casal que dança chamamé e vibrante como o grito de liberdade na praça. Essa camiseta é abençoada pelo sol-poente do Guaíba. O mesmo sol que iluminou o gol de Figueroa. E as extraordinárias defesas de Manga.

Domingo teremos a valentia farrapa e a gana missioneira em campo no Maracanã. Seremos um pouco Honório Lemes, Zeca Netto e Gumercindo Saraiva. Confesso: seremos um pouco Adão Latorre para degolar nossas amarras e nossos medos.

Domingo seremos todos maragatos em luta pela vitória.

Certa feita, uma gauchada invocada invadiu a Cidade Maravilhosa e amarrou os cavalos no obelisco. E isso foi uma façanha que colocou Getúlio Vargas no poder.

Agora, um cavalo encilhado passa em nossa frente. Temos que montá-lo e nos dirigirmos ao Maracanã. O obelisco de 2021 é o Mario Filho.

O cavalo do Brizola era a presidência e o velho caudilho não conseguiu montar. O cavalo encilhado do Inter é uma vitória de um a zero. Apenas uma vitória de um a zero com o gol de um piá de 19 anos. Esse é o meu desejo.

Esse é o meu direito de sonhar.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Ó de Almeida

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

 

Sou da opinião que para melhor conhecer uma cidade devemos caminhar. Caminhando pelas ruas sentimos o cotidiano e alma do lugar e dos cidadãos. Belém do Pará – nós, gaúchos e colorados, sempre lembramos do Claudiomiro* – é uma cidade acolhedora, belas paisagens e prédios históricos de uma época mais glamorosa. São muitos, mas o teatro da Paz é imponente e o cais do porto totalmente revitalizado. Em Belém do Pará as gurias são charmosas quando dançam o carimbó. Tanto quanto as gaúchas num bailado de uma vanera ou uma castelhana dançando um chamamé. Nessa semana andei muito pelas ruas e ruelas e conheci a cidade, já me considero um pseudobelemense.

Outro dia, ao cruzar em frente ao prédio da OAB-PA, estava lá uma longa faixa com letras garrafais de um tema que nós, gaúchos – e a maioria dos brasileiros –, desconhecem. Uma faixa impactante em caixa alta “ATÉ QUANDO OS ADVOGADOS SERÃO ASSASSINADOS POR PISTOLEIROS NO PARÁ”. Tive que bater duas fotos para compor a faixa completa. Isso ainda existe num Brasil que está distante do STF e dos demais poderes constituídos. Uma luta silenciosa e inglória nessas longínquas florestas.

Numa manhã dessas estava descendo a avenida Assis de Vasconcelos em direção ao rio, onde rumaria para o mercado Ver o Peso, cruzei por uma rua chamada Ó de Almeida. Pombas! Ó de Almeida? Fiquei pensando, alguma coisa estava errada na rua. Ô Almeida! Que história é essa de Ó de Almeida. Se é Ó teria que ser de Olmeida ou seria A de Almeida. Mas também não fiquei divagando muito por conta desse provável erro. Isso era um problema do Almeida e seu Ó. Continuei minha caminhada. Num poste de luz poucos metros da outra esquina, um cartaz anunciava o concurso público do Tribunal Regional Eleitoral do Pará. TRE-PA. Mas esses belemenses estão de brincadeira... seria um convite ou uma denúncia?

Antes de chegar na esquina da rua senador Manoel Barata, uma senhora atravessa e pede uma informação. Nesses brevíssimos instantes imaginei que tipo de informação seria: onde fica a catedral diocesana de Santa Maria, quem sabe a vila Belga ou a rua do Acampamento ou o ônibus para a UFSM. Viagem minha, lógico, uma senhora em Belém jamais pediria tais informações. Então eu disse, pois não!

– O senhor saberia me dizer onde fica a rua Ó de Almeida.

São essas incríveis ironias que me deixam sestroso. A única informação que eu poderia prestar era justamente essa: onde fica a rua Ó de Almeida. Se ela perguntasse o hotel onde estava hospedado eu teria dificuldade em responder, mas a rua Ó de Almeida, essa estava encravada na minha mente. Naquela esquina conversei um pouco com a dona Maria Quitéria... ela era o maior barato.

Segui minha caminhada como um escoteiro que prestou a boa ação do dia.

Chegando no mercado público presenciei um larápio furtar um colar de uma outra senhora. Tudo instantâneo e muito rápido. Um grito, correrias e tudo volta ao normal em segundos.

E eu fui ver Ver o Peso e não achei nenhuma balança para ver o peso. Coisa de paraense.

* Claudiomiro, para quem não sabe, foi craque do Internacional no início dos anos 70 e falou, certa feita, antes de um jogo contra o Paissandu, que se sentia muito feliz em jogar na terra que Jesus nasceu.