sábado, 26 de setembro de 2020

Gre-Nal 427 – o da Libertadores

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Coudet não pensou o Gre-Nal. Não planejou uma estratégia. Não soube ler o que estava acontecendo em campo. Escalou mal e mexeu tardiamente para corrigir a equipe.

Este é o resumo do Gre-Nal 427.  [Um horror!]

Mas esse clássico merece mais reflexões.

A envergadura de uma das maiores rivalidades futebolísticas do mundo tem que ser planejada com afinco e dedicação. O fiasco em um Gre-Nal pode mudar o rumo do time para os demais jogos do ano. A gangorra inverte e aí é um Deus-nos-acuda para reverter.

Um Gre-Nal na Libertadores tem a importância elevada na enésima potência. A camisa do Inter tem o peso de mais de um século. O Beira-Rio é um gigante que assiste, diariamente, um dos mais belos pôr do sol do mundo. Um patrimônio arquitetônico sem igual. A história do Inter é inigualável e o valor da marca é incomensurável.

Então, o Internacional não pode entrar em campo, no seu próprio estádio, apequenado. Sempre, sempre no Beira-Rio a postura do Inter tem que ser agressiva. A iniciativa do jogo tem que ser do colorado. Ali nós somos os donos e desejamos aos visitantes o “Bem-vindos ao inferno”.

E não foi o que aconteceu no Gre-Nal 427.

O Inter foi medíocre.

A Inter não agrediu.

O Inter foi ineficaz.

E essa conta cai toda no treinador. O Inter precisa ter uma postura mais aguerrida se quiser ser protagonista nos campeonatos em que disputa.

Não acho que deve rolar a cabeça do Coudet. Mas no próximo Gre-Nal – que é logo ali – a postura deve ser outra. É vencer ou vencer. Não existe outra possibilidade se El Chaco Coudet entender o que é o cargo de treinador do Inter. Porque aqui na gloriosa província de São Pedro, treinador nenhum se sustenta sem ganhar do rival.

Um Gre-Nal que poderia consolidar a classificação antecipada a próxima fase da Libertadores e colocar o coirmão acuado na tabela, serviu para mascarar a crise que se avizinha na Azenha, digo, na Arena. E fomentar a arrogância do Renato Portaluppi.

Coudet, o recado está dado. Tudo contigo, hermano.

E continuamos lutando... só com o cabo da adaga. Mas, tenho certeza, dias melhores virão. 2020 está sendo um ano atípico.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Um tal Ovídio Ministerial [*]

Ovídio da Silva Santos era funcionário de carreira do ministério. O primeiro que chegava e o último que saía. Com tanta dedicação, ficou conhecido como Ovídio Ministerial.

Ele não se incomodava com essa alcunha. Era mesmo um funcionário exemplar. Trabalhava igual um burro de carga. Carregava o ministério nas costas e nada mais justo que fosse chamado de Ovídio Ministerial.

Ovídio era um cara superdiscreto. Pouco ou quase nada de vida social. Tipo nome que condiciona destino: Ovídio era um homem de gênio pacífico. Uma ovelha. Seguia os superiores de olhos vendados.

Ovídio Ministerial não circulava nas rodinhas do ministério. Mas era presença assídua nos conchavos. Ovídio gostava de reuniões secretas. Adorava uma teoria da conspiração. Mas sempre muito na dele. Ministério acima de tudo, chefinho acima de todos. Este o lema de Ovídio. 

Seus colegas de departamento desconfiavam que Ovídio Ministerial escondia um passado sombrio. Por óbvio, um presente também. Mas Ovídio sempre na maior discrição. Quietão.

Os amigos pediam para que ele contasse algo de sua vida: namoradas, espoa, amantes, filhos, onde havia nascido. Ovídio respondia com monossílabos e trocava de assunto.

Certo dia foi anunciado que um novo colega assumiria a sessão que Ovídio trabalhava e o novo chefe se chamava Celso Marmello.

Um alvoroço na repartição. Marmello era conhecido como rei do cacete. 

Ovídio Ministerial mudou totalmente seu comportamento. Andava de um lado para outro sem saber onde se meter. Estava muito nervoso com a chegada do doutor Celso. E o cara era muito truculento. Era brilhante na arte de amedrontar.

E logo se espalhou a notícia de que Celso Marmello não ia com a cara de Ovídio Ministerial. E o que se imaginou foi confirmado.

Doutor Celso chegou no departamento do ministério e enquadrou o Ovídio. Em alto e bom som e, na medida que falava, os colegas exclamavam estupefatos.

Esse Ovídio é um baita sem-vergonha, larápio e vigarista – falou o doutor Celso.

– Esse Ovídio é um merda! – comentaram os demais. 

Ele é corrupto e desviou dinheiro do ministério.

– Ovídio, tu é um bosta!

Ele cometeu um crime ambiental e cortou uma goiabeira.

– Ovídio, filha da puta!

Ovídio roubou um banco e queria vender. Imagina meus amigos: roubar um banco de uma pracinha de brinquedos.

– Puta que pariu, Ovídio!

Ele queria trocar o gerente do restaurante porque não gostou do PF servido lá. Tudo por conta de um bife malpassado num prato feito.

– Pô! Ovídio, tá querendo nossas hemorroidas! 

E, para finalizar, Ovídio falou mal de todos vocês e dos parentes até segundo grau. 

– Porra, Ovídio! Quer foder a nossa família?

Ele é louco de atar.

– Mas que putaria hein, Ovídio.

E foi assim, por conta do doutor Celso, que Ovídio Ministerial caiu na boca do povo.

Coitado do Ovídio!

 

 

[*] Crônica classificada para a coletânea "Rindo de nervoso". Edição 2020.

 

 

sábado, 12 de setembro de 2020

Minhas alpargatas

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

 

Eu tive o privilégio de participar dos primórdios da Tertúlia Nativista de Santa Maria. Estava na plateia quando foi anunciada a música vencedora da 2º Tertúlia: Tropeiro Cantor na voz de João de Almeida Neto.

Também frequentei as noitadas na Estância do Minuano. O palco livre e tertúlias noite adentro no acampamento. Muita cantoria e galanteios. Esclareço que nunca me atrevi a ser cantor. Mas tudo, claro, em nome da mais genuína e nativista das músicas gaúchas.

Lembro que numa noite de borracheira faltaram cobres para a volta. E encaramos “a pezito no más” o retorno lá do Minuano. Eu morava nas proximidades do que virou BIG muito tempo depois. Mas como era longe a “Distância do Minuano”. E calçando alpargatas... foi cruel. Naquela manhã eu descobri o verdadeiro significado da palavra esgualepado. Depois, como sabemos, o Olívio introduziu no nosso vocabulário e espraiou para todo o estado.

Na carona das Califórnias de Uruguaiana, a Tertúlia e uma tropilha de festivais tiveram seu auge nos anos 80. E como todo o movimento nativista, os festivais também sofreram mudanças e se moldaram com o passar dos anos. Alguns não sobreviveram. Outros entraram em recesso e retornaram numa nova formatação e assim está resistindo a Tertúlia de Santa Maria. Mas, certamente, com o mesmo encanto de antigamente.

Então, chegamos na 27ª Tertúlia Musical Nativista. Não estava no meu horizonte utópico ser um dos compositores de uma música no palco da Tertúlia. Mas os planetas estavam alinhados e Adão Latorre sorridente na tumba. Devo dizer que foi uma experiência significativa, mesmo com todas as restrições impostas em meio a pandemia. Houve congraçamento e troca de experiências. Qual seria a minha participação? Como autor da letra de “Retalhos” a minha participação era de ilustre assistente.

Eu iria colocar minha melhor bombacha – comprada em Bagé, bem entendido? –, um par de alpargatas. Ostentaria um baita lenço vermelho e me acomodaria no mezanino do Theatro Treze e de Maio. Essa a minha intenção. Um pilchado e ilustre torcedor. 

Mas durante os ensaios, um dos amigos comentou que tinha bombacha, mas faltava um par de alpargatas.

– Eu tenho e posso emprestar – falei.

– Eu também preciso de umas alpargatas – falou outro, justamente um dos intérpretes.

– Eu tenho dois pares. Posso emprestar.

Foi assim que abortei minhas pilchas para assistir à apresentação da música no palco da 27ª Tertúlia. Assistiria “despilchado” porque os meus dois pares de alpargatas estariam me representando no palco.

Mas não havia público e nem aglomeração e passei despercebido. Ilustre desconhecido.

Eu não posso afirmar com exatidão. Mas eu acho que na história da Tertúlia ninguém jamais colocou dois pares de alpargatas no palco.

É ou não é um registro histórico?

Eu merecia um prêmio!