terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Há 50 anos

Athos Ronaldo Miralha da Cunha


19 de janeiro de 1971.

Data importante na trajetória de um piazito vindo de uma pacata cidade do interior. Eu tinha, apenas, 10 anos e enfrentava significativa mudança de vida. Assim, numa terça-feira muito quente e ensolarada, nos mudamos para Santa Maria em busca conhecimento.

Nasci em Santiago do Boqueirão num outubro perdido no calendário. A minha infância foi à beira de uma estrada de ferro, tomando banhos de sanga e jogando bolinhas de gude. Nas noites estreladas acompanhávamos o Apolo 8 cruzando a imensidão da Via Láctea como um minúsculo pontinho luminoso.

Meu pai era ferroviário e trabalhava no depósito da Viação Férrea. Dizia ele que montava e desmontava a Maria-Fumaça. Minha mãe era dona de casa e eu sempre afirmava que ela fazia o melhor doce de batata doce de Santiago... hoje tenho certeza que era o melhor doce de batata doce da Via Láctea.

Meus pais não avançaram nos estudos, ambos estudaram até a quinta série do ensino primário. Mas os filhos teriam que ir mais além. Deveriam cursar ensino superior. E por esse motivo, um casal e quatro filhos veio de mala e cuia para o coração do Rio Grande do Sul. Um cachorro também fazia parte da família, mas o Banzé não quis vir e pulou do caminhão nas perigosas curvas do Ernesto Alves e nunca mais o vimos.

Nossa primeira morada em Santa Maria foi na rua Felippe D´Oliveira que, naquela época, era um beco com riachinho no final. Percebi que me desvinculava de Santiago e da minha infância em definitivo quando não havia mais uma sanga para tomar banho e, pasmem, quando no dia seguinte minha mãe trouxe para casa um litro de leite ensacado. Lá na minha cidade o leiteiro, todos os dias, nos entregava o leite numa garrafa de vidro. Santa Maria era outro mundo.

O agradecimento nunca será suficiente a este chão ferroviário, aos amigos que aqui conquistei, a formação acadêmica e aos vínculos afetivos. Me apraz caminhar por estas ruas da Boca do Monte e fotografar seus prédios, monumentos e sua gente. Dois lugares são mágicos e são os que mais fotografei: a estação da Viação Férrea e o planetário da UFSM. O primeiro simboliza a minha origem proletária e o passado. O segundo retrata o futuro dos que aqui chegaram para adquirir conhecimento e formação cidadã.

Hoje, distante 50 anos daquele 19 de janeiro de 1971, tenho muito a agradecer a esta Terra de Imembuy. A história está escrita e Santa Maria e a UFSM sempre estarão em nossos corações.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

2020 – Um ano redondinho

Athos Ronaldo Miralha da Cunha 


Ao reduzirmos nossos medos no período convencionado de um ano e esse ano for o 2020, a conclusão é horripilante e causa calafrios. Queremos esquecer esse tempo de reclusão e perdas.

A pandemia começou no final de 2019 e, provavelmente, terá seu auge catastrófico em 2021, mas o 2020 fica carimbado com um péssimo ano para a humanidade.

O ano que mais sentimos medo, também foi o ano em que, dialeticamente, foi o mais e o menos solidário das últimas décadas. [Muita gente está em ajuda humanitária e prestando serviços comunitários, mas também muita gente não está nem aí para a crise sanitária].

Nesse começo de 2021 queremos renovar nossas esperanças. E desejamos dias melhores e menos trágicos. Mais afeto e menos distância. Desejamos, serenamente, uma vacina que nos liberte desta clausura. E, se possível, um espumante apara brindar a vitória da ciência.

Mas os noticiários nos mostram que uma parcela da população ainda não entendeu o significado de “distanciamento social” e do “fique em casa se puder”. A palavra solidariedade é, totalmente, desconhecida. Nas comemorações da virada o que vimos foi uma turma ligando o “foda-se”. Os insensíveis foram sujar as praias.   

O grande lance do corona é que ele não tem pressa. Ele não age, ele aproveita as oportunidades. Ele não te pega com a boca na botija. Ele dá um tempinho. Espera você esvaziar a botija e depois dá o ar da graça. Ele entra em ação quando você está despreocupado, achando que está livre e fora de perigo. O corona come pelas beiradas. A sopa do corona é fria. Quando todos estão lembrando da festa da virada como doce lembrança de um baita pileque, dos beijos de um encontro fortuito, o corona vem e diz: oi, tio!

E aí começa o drama.

E de quem é a culpa?

Os xingamentos desaguam no ano 2020.

2020 é o vilão da pandemia.

Por que culpar um ano tão redondinho como o 2020? Porque é a maneira mais fácil e cômoda de transferir nossa responsabilidade.

Nesse início de 2021 desejo a todos uma feliz autocrítica. Fica a dica.

Nós, que aqui estamos, devemos agradecer por estarmos vivos. Aí talvez o ano 2020 não seja assim tão demonizado.