quarta-feira, 25 de novembro de 2020

A mulher do Avon

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Eu não sabia quem era o Seu Avon, mas a mulher dele, seguidamente, aparecia lá em casa para uma longa prosa com minha mãe.

Eram amigas, acho que eram amigas desde a infância, minha mãe oferecia chá com bolachas Maria ou um mate doce. Teve uma tarde que elas detonaram uma jarra de Q-suco de morango com bolachas de água e sal. Naqueles tempos não havia o temor da balança e do diabetes. A mulher do Avon era muito querida, trazia revistas que minha mãe folheava, atentamente, e em outras vezes trazia presentes.

Nos dias de visita – muita das vezes na hora do almoço – a mãe comentava que tinha que preparar algo para esperar a mulher do Avon. O pai não gostava dela, achava uma mala sem alça, decerto tinha lá os motivos dele.

Nos meus dez anos o que importava eram os jogos de futebol no campinho próximo da minha casa, andar na Monareta e assistir Bonanza nos finais de tarde. As amigas da mãe eram, apenas, amigas da mãe.

Mas me intrigava o oculto do Seu Avon. Deveria ser uma pessoa importante, tão importante que a mulher dele não tinha nome, era simplesmente a mulher do Avon.

Certo dia a mãe falou que a mulher do Avon estava doente e foi visitá-la no hospital. No dia seguinte a mulher do Avon falecera. Foi um dia muito triste lá em casa, aliás, em toda a vizinhança.

Quando meus pais voltaram do velório perguntei como estava o Seu Avon – aquela pessoa importante que nunca tinha visto –, afinal, eram amigos da nossa família e eu tinha que mostrar um interesse no acontecido.

– Que seu Avon, guri? – minha mãe devolveu a pergunta.

– A mulher dele não morreu? Ele está bem?

Com um semblante ainda triste, minha mãe sorriu e não disse nada.

E eu nunca fiquei sabendo quem era aquele tal de Avon.


 

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Alice no país das maravilhas

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Onde será que fica esse país das maravilhas? E em que rancho habita a Alice?

O país das maravilhas está nos nossos sonhos e nos gestos de solidariedade. No abraço apertado e no amigo que caminha lado a lado. Vem de longe essa gana de construir um país socialmente justo. E amplamente democrático. Um país que seja maravilhoso para todos os seus habitantes.

Por vezes avançamos. Por vezes nos perdemos e o país das maravilhas fica um pouco mais distante.

Mas retomamos a caminhada afetiva e guerreira. Porque não podemos perder a ternura. E vamos levando no tranco que o destino dá.

O caminho dos sonhos fraternos nunca foi fácil. E sempre fomos resolutos quando seguimos com os olhos no sol poente. Aquela luz que ilumina a gente e o sul dos nossos propósitos mais ingênuos. Da nossa vontade mais utópica. Do nosso jeito mais criança de ser.

E tudo é aprendizado. Nós evoluímos e mudamos... e desaprendemos. Avançamos sem olhar para trás. Porque o país das maravilhas sempre é logo ali. Este percurso é multicolorido e multifacetado e somos tantos... Mil, dois mil, três mil, quiçá seremos muitos milhares nesta jornada incandescente.

São muitos olhares e gestos carinhosos nesta trajetória pela vida que renasce a cada dia. Que amadurece e ensina.

Mas as “Alices” neste país das maravilhas são determinadas. Frágeis por fora e guerreiras nas atitudes. Fortes no andejar.

Logo adiante teremos um país das maravilhas no melhor e pacato jeito que desejamos e nele haverá uma Alice para espalhar sua luz e energia de bondade e democracia. De sol e liberdade.

Não há dúvidas neste sentido. Haverá uma Alice protagonista neste país das maravilhas. E essa Alice tem muitos sobrenomes: Silva, Oliveira, Cunha, Pereira... Carvalho e uma dezena de centenas de iguais.

Aguardemos e sigamos serenos como os acordes de um violoncelo, porque a vida pede perseverança e alegria.

 

sábado, 14 de novembro de 2020

Cordeiro com pele de lobo

Athos Ronaldo Miralha da Cunha


Por esses dias recebi um presente de uma amiga que sabe que sou apreciador periférico de vinhos. O tinto em questão era um “Cordero con piel de lobo”, malbec argentino. Para os meus parcos conhecimentos: excelente. Gosto das uvas malbec e tannat.

Então, na noite do debate entre os prefeitáveis de Santa Maria, eu abri o tal vinho castelhano.

A impressão que eu tinha era de que ao saborear o “Cordero con piel de lobo” se materializava na telinha, entre os debatedores, cordeiros com peles de lobos. Ou o avesso.

Tudo bem, nem todos. Há que diferenciarmos. E aqui entra a construção do voto. A identidade entre eleitor e candidato. Entendo que tem que haver, no mínimo, uma sincronia ideológica.

Nos debates, todos têm soluções para tudo. São incisivos. São convincentes. Outros são descolados e arrogantes. Mas todos cheios de certezas.

Do lado de cá, temos que interpretar quais as melhores e viáveis propostas que batem com os nossos anseios. As propostas que se coadunam com a nossa visão de mundo. Com o cotidiano e com a nossa origem de classe.

Assim, temos que investigar o histórico da chapa – prefeito e vice, claro – e ver como se comportaram os pretendentes ao paço municipal durante ocasiões cruciais da nossa conturbada política. No meu entendimento, vale analisar o histórico do candidato tanto quanto o programa de governo.

Os debates com temas são descomplicados. Infraestrutura, educação, saúde, etc... são, relativamente, fáceis debater. Por isso, inclusive, penso que os debates deveriam ser sobre a vida. Visões de mundo. Questões do dia-a-dia. Posições políticas. As suas contradições. E suas omissões. Um debate amplo e democrático.  

Abro colchetes.

[No caso do debate de Porto Alegre em que a Manuela sofreu uma agressão de um candidato machista e, apenas, Fernanda Melchionna foi solidária, é ilustrativo. Me diz muito mais o silêncio dos demais candidatos do que suas viáveis e inigualáveis propostas para a educação.]

Devemos conhecer a fundo a trajetória do candidato para não sermos, logo ali adiante, um arrependido... ou desacreditado com tantos desmandos que a política oferece.

Enfim, o importante em última instância é votar conscientemente. Porque depois do voto incerto, ainda resta os tintos para aplacar os erros e aí cabe um “Mosquita muerta” que também é um vinho argentino e não um candidato derrotado. Eles – os candidatos – sempre renascem, quando não caem para cima.

Ah! Se alguém quiser me dar presentes, é fácil. Você pode errar no voto, mas não erre na uva: malbec ou tannat.

 

terça-feira, 3 de novembro de 2020

O candidato centroavante

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Eu me considero um “horariopoliticófilo” ou “horáriopoliticomaníaco”. Assisto a todos os programas e algumas vezes, inclusive, as repetições. Transito entre as propagandas de Santa Maria e Porto Alegre. Sou do tempo em que os barbudos e carrancudos eram de esquerda e os caras limpa e sorridentes eram de direita. Mas essa assertiva não vale mais. Está tudo mudado.

Em algumas situações eu vejo dramas e em outras, programas humorísticos. Dramalhões também circulam naqueles obrigatórios dez minutos. Mas tudo suportável para quem assiste mateando.

Em Santa Maria tem um candidato a prefeito que, por duas ou três vezes, se arvorou como bom de bola.

Então, tá.

Na primeira vez imaginei o craque fazendo um golaço de canhota... melhor, de direita. Um chutaço lá da extrema direita.

Em outra oportunidade disse que era centroavante. E que fazia muitos gols e pediu a confirmação de quem o viu jogar.

Sei...

Só que tem um detalhe nisso tudo. Eu joguei de “beque central” no Maneco e no Riograndense. E não lembro de nenhum centroavante fora de série lá na minha juventude. Aliás, devo dizer que nenhum centroavante passou por mim, tanto nos jogos do Maneco como nos Eucaliptos.

Certa feita apareceu um tal de Tadeu, que jogava no colégio Santa Maria, mas não deu nem para o gasto. Não viu a bola durante o jogo. Entrou em campo de salto alto e saiu de chinelo de dedos.

Naqueles tempos eu era uma espécie de “Figueroazinho” lá do Periquito. Certa feita o treinador me chamou de Nenazinho... Alguém aí já ouviu falar em Parada 18? Pesquisa no Google.

Quem me viu jogar, por gentileza, pode confirma aí.

E prometo não me candidatar a prefeito.

A propósito.

Está valendo a máxima de que depois de velho todo mundo vira craque.