Athos Ronaldo Miralha da
Cunha
Pedrinho é um gurizote
criado no fundo do rincão. Adora brincar com as coisas simples que a vida
proporciona: tropa de ossos, bilboquê, soltar pandorgas, bodoques – para fazer
tiro ao alvo em latinhas de azeite –, jogar bolitas de gude, subir nas árvores
e correr com uma varinha empurrando um velho pneu de uma antiga bicicleta.
Pedrinho também é um conhecedor das lides campeiras, um genuíno gaúcho.
Gauchito da cepa. Uma das atividades mais prazerosas para o guri é andar à
cavalo – o petiço Valente é o alazão – nas tardes campeiras. As cavalgadas com
o petiço acabavam tomando o rumo da sanga Pinguela Quebrada. Mas Pedrinho era
bom mesmo no tiro de laço e boleadeiras.
Saía num galope no Valente, rodava
as boleadeiras gritando “Te peguei” e voltava satisfeito no lombo do petiço. O
pai de Pedrinho – o peão Gumercindo – era todo orgulhoso pelas destrezas do
filho com o laço. Imaginava o guri em algum rodeio domando baguais ou recebendo
prêmios pelos pealos de cucharra. A mãe, Manuelita, queria ver o filho doutor. Sonhava
ver o guri doutor advogado. Por isso Pedrinho tinha que frequentar a escola. E
o peãozinho estudava, mas nas tardes do rincão laçava sonhos e pirilampos. E os
sonhos de Pedrinho e os pirilampos que laçava tinham um só destino.
Foi num dia de sol no final
de uma tarde florida de primavera, Pedrinho estava sentado olhando o correr da sanga
Pinguela Quebrada, apenas, molhando os pés. De repente, uma voz do outro lado
da margem o chama.
– Pedrinho! Pedrinho!
Era voz de uma guria. De uma
menina com a mesma idade de Pedrinho. Ela estava vestida toda de branco, usava
uma tiara rosa e carregava um pequeno livro em uma das mãos. Pedrinho ficou
encantado com a beleza da guriazinha e interessado no livro, conseguiu ler
apenas “A bela” na capa do livreto. O peãozinho não compreendia o que ela estava
pedindo. Insistia para que ele laçasse sonhos e pirilampos, porque ela
precisava de luz e sonhos para sobreviver.
– Quem tu és? Como é o teu nome?
De onde veio?
– Meu nome é Amanda. Eu
venho da escuridão. Me ajude Pedrinho... – e sumiu por detrás de uma touceira.
Pedrinho prometeu que lançaria
pirilampos para iluminar o caminho de Amanda. E foi assim que o gurizote fez. Tornou-se
o maior laçador de pirilampos do rincão... e de sonhos.
Gumercindo sorria, a mãe achava
graça vendo o guri laçando os bichinhos. Só não entendia porque Pedrinho laçava
sonhos.
À noite, o guri imaginava os
pontinhos azuis a piscar no teto de seu quarto. E sorria, pois passava em sua
mente o sorriso e a beleza da guriazinha da sanga Pinguela Quebrada. A bela
Amanda. Pedrinho estudava no 5º ano do ensino fundamental na escola do vilarejo
e continuava laçando sonhos e pirilampos e divagava que um dia Amanda viria ao
seu encontro pelo caminho que estava iluminando.
Numa noite de lua crescente e
de procissão no povoado, os pais, Gumercindo e Manuelita, levaram o guri
laçador de sonhos e pirilampos para uma procissão em homenagem a santa do lugar.
Todos vinham com velas nas mãos e cantavam músicas sacras. Ao longe Pedrinho
viu que as luzes das velas pareciam um monte de pirilampos. Pirilampos
iluminavam o caminho dos peregrinos. Teve um momento de tristeza, pois se
tivesse com o laço estaria laçando pirilampos para a Amanda. Mas quando chegou
perto Pedrinho viu o que já vira na sanga da Pinguela Quebrada. Uma menina toda
de branco e com uma tiara rosa. O gurizote foi ao encontro da guria da
procissão – que era a mesma dos seus sonhos e de suas laçadas – gritando seu
nome.
– Amanda! Amanda! Amanda!
Amanda sorriu e seu sorriso
iluminou a noite e os sonhos de Pedrinho. E foi nesse instante que a guria dos seus
sonhos levou a mão em uma sacola que carregava à tiracolo e pegou um livro.
– Eu sabia que ia te
encontrar e trouxe um presente para ti. Continue laçando pirilampos, pois eu
preciso de luz e, talvez, de um beijo – e alcançou livro para o Pedrinho.
O guri que laçava sonhos viu
as mesmas palavras que já vira antes “A bela”.
– Não esqueça Pedrinho... eu
preciso dos pirilampos para iluminar meu caminho. Te espero com par de alianças
que herdei de minha vó – Pedrinho não entendeu bem e ficou acariciando o livro.
“A bela adormecida”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário