Athos
Ronaldo Miralha da Cunha
Santa
Maria – cidade universitária – vive momentos de profunda tristeza. Naquela madrugada
de domingo, 27 de janeiro, quem tentou roubar um beijo de uma paquera foi
punido com a vida. Quem brindava a aprovação numa disciplina da Agronomia
deixou de viver. Quem sorria de felicidade teve o sorriso e a felicidade
interrompidos.
Era
para ser, apenas, mais uma festa como tantas outras, mas o vento não soprou na
madrugada e não tínhamos uma Ana Terra para dizer “Sempre que me acontece
alguma coisa importante, está ventando”. E sinto em casa o que Bibiana
resmungava lembrando sua avó. “Noite de vento, noite dos mortos”. Mas não havia
vento nessa noite, eram sirenes na noite dos mortos... “Nada. Ninguém. Só o
silêncio do casarão, o vento nas vidraças e o tempo passando...”. Era o tempo
nas vidraças e as sirenes passando...
E
nesse meio tempo os celulares das Anas, Rodrigos e Bibianas tocavam dez, vinte,
cinquenta... 104 vezes.
Lamentamos
a perda de jovens nessa tragédia. A dor é tamanha que a dimensão foge ao nosso
alcance. Não temos e nunca teremos uma escala Richter para o sofrimento. É um
abalo incomensurável. O sofrimento é uma projeção geométrica da dor que
acumulamos a cada notícia... a cada triste notícia de um jovem que,
desesperadamente, tentava escapar da clausura de fumaça. Do brete da diversão.
Da armadilha iluminada. Do casulo da Kiss.
Essa
geometria extrapola nossa capacidade de mensuração e, assim, somos acometidos
por um excesso sobre o limite da possibilidade de contermos nossa emoção.
Estamos em frangalhos. Hoje somos errantes carregando ataúdes e buscando
confortos virtuais. Só um chimarrão solitário nos acalma e um chá de boldo nos
anima.
Estamos
transbordando de tristeza e isso nos deixa com os pés sobre um piso falso e as
mãos sem um cajado para apoiar. Nessa hora somos todos um imenso vazio. Um
universo de melancolia. Um caldeirão de silêncios.
Não
há explicação para o desumano, para a negligência e para a omissão. Todos
morremos um pouco nessa tragédia da boate Kiss. Alguns pais morreram por
completo diante do esquife dos filhos. Naquela segunda-feira desolada, Santa
Maria amanheceu quieta, pessoas tristonhas pelas ruas. Olhares vítreos nas
avenidas e passos incertos no calçadão.
Deixo
um beijo a todos aqueles que choram. Pois eu imagino que na festa da Kiss
muitos jovens foram sonhando com um beijo. Um singelo e simples beijo que ficou
na contramão da história. Na inversão da lógica da vida.
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