quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Estação Santa Maria no dia dos pais

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

A minha infância foi à beira de uma estrada de ferro lá em Santiago do Boqueirão. Brinquei no depósito da viação: fui maquinista, guarda-freio e chefe do depósito. Montava e desmontava uma Maria-Fumaça.

Eu sou filho e neto de ferroviários. E nesse dia dos pais nada mais justo que uma saudação à memória do velho seja através de uma crônica versando sobre ferroviários, ferrovias e a estação.

É claro que ter pai ferroviário é motivo de exaltação. Ter um pai é motivo de orgulho. Porque sobram pais ausentes num país em que se normaliza a falcatrua e, diariamente, tem um bobalhão esfregando uma carteira com o brasão da pátria em alguém supostamente inferior.  Sinto-me honrado ter um pai que foi trabalhador – no sentido mais nobre da palavra – e foi uma pessoa dedicada e honesta que constituiu família e criou quatro filhos. E como ele mesmo dizia “nunca pedi penico pra ninguém”. Foi uma pessoa que não teve oportunidade de avançar nos estudos, mas era um sábio. Costumava dizer que “diploma não encurta as orelhas”. E nesse Brasil atual percebemos que o velho estava correto.

Então, quando sou acometido por sentimentos de saudade e nostalgia recorro às imagens de minha infância e sinto presente o apito da Maria-Fumaça. E quando minhas saudades são recentes e minhas nostalgias são de poucas distâncias, pego minha máquina fotográfica e vou para a estação Santa Maria. Lá pratico o que batizei de “terapia dos trilhos” não ajuda bosta nenhuma, mas revigora – embora aos frangalhos e pedaços de ruínas – meu passado de filho de ferroviário.

A estação Santa Maria é o local que mais fotografei aqui na cidade. E o sentimento de tristeza dispara quando comparamos as fotografias com o passar dos anos.

Aí lembro de Heráclito e o rio. E devo dizer que não visitamos duas vezes a mesma estação Santa Maria. Nós não seremos mais os mesmos, mas muito mais evidente é que a estação também não será mais a mesma. A velha estação definha... a cada visita um adeus. A cada visita temos menos estação.

A estação Santa Maria pede socorro!

Então, eu percebo que muitos pais ferroviários já não estão mais conosco e nós não estamos percebendo este chamamento. Um ferroviário da plataforma da estação, do vagão, da máquina ou do chão do depósito não aguentaria tamanho descaso com o seu passado.

Resta para os sobreviventes um banco na praça Saldanha Marinho. E lá folheia o seu álbum da vida.

Aos pais, um fraterno abraço.

 

Nenhum comentário: