quarta-feira, 28 de abril de 2021

O meu bilhete premiado

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Encontrei um vendedor de bilhetes da loteria federal, bem ali na esquina da rua do Acampamento com a avenida Medianeira. Era sábado de aleluia.

Aleluia! A sorte me encontrou.

Era o último pedacinho que tinha. O preço de face estava em quatro reais. Ele pedia seis e paguei com uma nota de cinco e uma de dois. Ficou por sete, pois ele não tinha troco. Claro, fiz a conta mentalmente e deu um ágio de 75%. Um bom negócio... para o vendedor. Mas estava concorrendo a 50 mil. Para me consolar, calculei que tinha feito um ótimo negócio. Coloquei o “coelhinho de páscoa” no bolso e segui minha caminhada.  

Só na segunda-feira eu lembrei de conferir o tal bilhete de páscoa. Acertei a centena 530. O prêmio seria de R$ 42,00. Estou rico!

Acometido por um sentimento fraterno resolvi doar o meu bilhete premiado. Iria repassar para alguém que precisasse mais do que eu dos 42 pilas. Rumei para o centro da cidade.

Chegando na praça Saldanha Marinho abordei três pessoas que pediam “uma ajuda por favor” e que poderiam fazer um bom uso convertendo os reais do bilhete. Quem sabe um lanche na confeitaria Copacabana. Um cacetinho com mortadela na Kipão. Sei lá!

Dizia que estava doando um bilhete premiado. Bastava ir na lotérica e trocar por reais ou comprar outro bilhete se quisesse apostar na sorte.

Para meu espanto ninguém quis o meu bilhete premiado. Eu achei muito estranho.

“Esse povo está pedindo uns trocadinhos e recusam um bilhete premiado” pensei. Eram quarenta e dois reais, afinal de contas.

Antes de tentar pela quarta vez, fui abordado por dois policiais. Justamente o Pedro e o Paulo. E eles não estavam sorridentes e foram bem objetivos:

– Então, é o senhor que está oferecendo um bilhete premiado aqui na praça? E para as pessoas humildes? O senhor não tem vergonha na cara?

Me caiu os butiá do bolso!

Levou um tempinho até que eu explicasse que estava doando um bilhete com prêmio de 42 pilas. Entrei no saite da Caixa e mostrei para as autoridades que o bilhete era, realmente, premiado. Eu não estava vendendo. Era, apenas, um ato de caridade.

Naquela segunda-feira, cinco de abril, eu era o golpista do bilhete premiado na praça Saldanha Marinho. Desde aquele dia não cruzei mais pelo centro da cidade. Só irei ao centro para ostentar uma tornozeleira eletrônica, ora.

E o bilhete?

[Essa parte da crônica é para lembrar do “E a china?” do Jaime Caetano Braun, pois quase entrei num bochincho].

O bilhete eu joguei na primeira lixeira que encontrei no Calçadão. Talvez algum sortudo ache e resolva conferir.

 

 

ps

Como se trata de obra de ficção, não usei a palavra máscara no texto.

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