Athos Ronaldo Miralha da Cunha
Numa carpeta nas proximidades do
cemitério Jardim da Paz em São Borja, Zé Alcides – chimango e trabalhista dos
quatro costados – perdeu todos os trocados que tinha, bebeu todas que podia, xingou
Deus e todo mundo e saiu devendo até os cornos para o bolicheiro e, trocando as
patas, enveredou no rumo do campo santo pelo meio da rua. Noite alta e lua
clara.
Não era lá muito cristão, mas resolveu
que daria uma passadinha no cemitério para rezar um Pai Nosso para Jango e para
o Brizola. E, de lambuja, uma Ave Maria para o Rillo. Sabia que o cemitério estaria
fechado, mas iria rezar pelo lado de fora, pois os túmulos de Jango, Brizola e
Rillo eram próximos ao muro. E pela grade tinha uma boa visualização.
Balbuciava a música “Recuerdos da 28”.
“Entro na sala no meio da confusão, fico
meio atarantado que nem cusco em procissão...”
– Meu Deus do céu o que está havendo no
cemitério? – falou ao ver uma intensa movimentação de gente, luzes, holofotes, microfones
e carros na rua.
Um intenso movimento no interior do
cemitério. Deu uma espiada pela grade do muro e viu o túmulo do Jango todo
encoberto por uma lona.
– Ala pucha! O que fazem esse mundaréu de
gente aqui a essa hora da madrugada. De onde vieram esses astronautas? Bah! Isso
é uma heresia com um cristão que está descansando em paz – comentou o incrédulo
borracho.
Zé Alcides nunca havia presenciado uma exumação,
aliás, São Borja e todas as Missões nunca haviam presenciado uma exumação. E nem
sabiam o que era, mas a turma dos curiosos e palpiteiros era grande.
– Exuma... o quê? – foi a pergunta que
Zé Alcides fez a um conhecido um pouco menos enxaguado, que também estava junto a
gradil do muro.
– Eles vão levar o corpo do Jango, ou o
que sobrou dele, para Brasília. Não fala pra ninguém, mas eu acho que eles se
enganaram e estão levando o corpo do Brizola.
– Bem capaz!
Bueno, o fato é que Zé Alcides não entedia
bem o porquê de tudo aquilo após tanto tempo depois da morte. E também não fazia
muita questão de entender, seu estado alcoólico atrapalhava o raciocínio. Mas ficou
por ali, nas proximidades da entrada do cemitério aguçando a curiosidade.
Logo em seguida sai o esquife de Jango coberto
com a bandeira do Brasil. Zé Alcides emocionado vai às lágrimas e empina o que
havia sobrado de cachaça numa garrafa de plástico. Em poucos minutos todo o burburinho
se desfaz. E volta a reinar a paz no Jardim da Paz. Todos descansam em
silêncio. Zé Alcides fica escorado num poste de luz. Um cachorro se aproxima. E
como todo bêbado guasca puxa assunto com qualquer ser vivo, Zé Alcides começou a
prosear com o cusco.
– Tu não vai imaginar o sonho que
tive... levaram o Jango daqui. Voltou para Brasília. Tinha até uns caras de
outro mundo... Que sonho esquisito, preciso parar de beber...
O cãozinho deu uns latidos por conta de
outros latidos vindos da redondeza e Zé Alcides espiou mais uma vez para o
interior do cemitério. Se convencendo de que estava tudo em paz, fez um sinal
da cruz diante do túmulo de Silva Rillo e se foi trocando as patas noite adentro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário