quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

A última tarde de agosto [*]


Sinto saudades do último agosto.
O agosto que deixou de ser vivido. A tarde foi derradeira e a foto fixou o último instantâneo. A última luminosidade do lugar. O derradeiro reflexo na tela escura do computador.
Hoje senti os pingos de uma chuva numa manhã que parecia primavera, e quis molhar meus pés na sarjeta de uma ruela ou nas correntezas de outras vertentes. Queria sentar numa pinguela e contemplar o amanhecer distante naquele agosto nem tão distante. Sinto 501 saudades de todos os agostos vividos de forma intensa. E jamais esquecidos.
Mas eu desejo um agosto inteiro com dias finitos para vê-los, tê-los, acariciá-los, todos os dias e noites quando outros agostos vierem. Aquele agosto ruiu e sorriu pra mim. E me desejou boa sorte.
Nunca mais desejei as águas de março e nem os sóis de maio. Também não vislumbro o “carná de feverê”. Sonho com as tardes de agosto. Ou a última tarde de agosto que foi para sempre. Mas com a ciência do não retorno.
Aquele agosto não voltará. E o dia 14 foi o último dia de agosto daquele ano.
Outro dia caminhei pela relva em trilhas que nunca havia cruzado. Encontrei terras que jamais pisei e vislumbrei cascatas que vieram de agosto. Num outro dia chovia torrencialmente numa manhã de outubro, virei para o lado e dormi todas as manhãs daquele mês numa única manhã, coisa que em agosto não conseguiria. Mas me faz falta essas manhãs de agosto para enfrentar a tempestade.
Não encaro meu último agosto com desgosto e nem de agourento. Sinto saudades de meu agosto derradeiro. O meu último agosto foi simples. Dedicado. Rotineiro. Sorridente. Coloquial. Cândido, tenro e bondoso. Afetuoso, muito afetuoso.
Deixei naquele agosto uma folhagem no balcão. E, às vezes, me vejo regando nas minhas noites mal dormidas.
Sinto saudades dos sóis de agosto. E do gosto do chá sem açúcar e da barrinha de cereal light.
Hoje acordei com vontade de dar bom dia.
Bom dia!
Bom dia!
Bom dia!
Agosto adentro. Mas esse agosto terminou sem mim. E eu fico no reflexo dos sorrisos eternos e na eternidade dos dias que estarão sempre disponíveis para cruzá-los livres, mas sempre com a lembrança daquele meu último agosto.
Ah! Naquele meu último agosto tive muitos abraços, uma garrafa de vinho tinto e uma caneta que rubrico as minhas saudades presentes e futuras.

[*] Prêmio incentivo local no XLI Concurso literário Felippe D´Oliveira 2018 na modalidade crônica.

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