quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

A estante, o comunista e os morangos

ábado à tarde: frio e chuva fina. O clima estava convidativo para um cochilo após o almoço. Ao invés de uma preguiçosa sesta, resolvo sair para comprar uma estante.
Desço do carro – arrependido e com saudades da cama – e entro na primeira loja que cruza em minha frente. Olhei a estante escura, mas não foi do meu agrado. O vendedor falou que tinha na cor branca.
Negócio fechado com a cor branca, sem muito lero-lero e nhenhenhém.
O atendente gostava de prosear e o assunto enveredou, claro, para os livros e literatura. Para responder a pergunta sobre o tipo de leitura que gostava eu fui bem sucinto: ficção e política.
– Esquerda ou direita? – perguntou de supetão. 
– Mais à esquerda – respondi sem muita convicção diante do inesperado da pergunta.
Fez uma cara de espanto. Como se estivesse em sua frente uma espécie em extinção. A impressão que imaginei ter causado foi desfeita quando falou que fora militante comunista em São Gabriel. Agora foi a minha vez de fazer cara de espanto. Vamos combinar que ser comunista na Terra dos Marechais há vinte ou trinta anos não era uma tarefa das mais fáceis. Deveria ter muito maragato por lá, mas o que coincidia era só o vermelho da cor do lenço. O resto, nada. Aqui na cidade era, apenas, um trabalhador. Mas tínhamos alguns conhecidos em comum. Comunistas, claro. E mais alguns que perderam a convicção nesses anos todos.
Trocamos algumas ideias sobre a esquerda ou o que sobrou dela, divergimos, lógico, o cara ainda tinha resquícios de um passado pré-muro de Berlim. Afinal, era um velho comunista. Mas foi uma agradável conversa.
Saio da loja e me deparo com um vendedor ambulante na calçada. Várias caixinhas com morangos. Morangos vermelhos, tão vermelho quanto o lenço dos maragatos e a bandeira do Partido Comunista.
– São morangos do nordeste? – perguntei, e comecei assobiar a música. 
– São de Agudo – respondeu secamente.
Levei três caixas.
Cheguei em casa e fui saciar a minha vontade de comer morangos de Agudo. Mas em todas as caixas havia morangos mofados. Um salve ao Caio.
Restou, para mim, curtir uma soneca de final de tarde. Friozinho e chuvinha fina lá fora.


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