quinta-feira, 12 de março de 2020

A prostituta e os pés de meu pai


A história é muito antiga. Sobre um relacionamento que talvez tenha acontecido lá na década de 40 do século passado. O relato interessante, pois não é todo dia que uma prostituta comenta sobre os bonitos pés do cliente. No caso, meu pai.
Importante salientar que as minhas tias também tinham a mesma opinião da prostituta – os pés do velho eram bonitos –, mas nos encontros familiares nada se comentava. Isso, eu soube muito tempo depois.
Consta, também, que a mulherada do povoado tinha interesse e curiosidade sobre se realmente os pés do meu pai eram lindos. Elas enchiam as arquibancadas nos jogos de futebol de domingo. O velho jogava de atacante do primeiro quadro e de goleiro no segundo. Todas interessadas nos belos pés do craque. Tudo isso por conta do singelo e despretensioso comentário de uma prostituta. O desapontamento era geral: no campo de jogo nunca ninguém viu os pés do velho sem chuteiras e meias.
A bem da verdade eu não sei como surgiu essa história. Como saber, depois de longas décadas, se uma prostituta havia comentado sobre os pés de um cliente? Somente se o cliente contar para alguém e essa pessoa repassar para os demais amigos, familiares e fofoqueiros em geral.  Dúvida que jamais será esclarecida.
Se, realmente, uma prostituta elogiou os pés de meu pai, deve ter sido no aconchego de uma tarde no catre e ele comentou com amigos, em tom de brincadeira. E o assunto chegou nas rodas de pingas nos botecos e nas rodas de mate-doce das tias – neste caso, tias mesmo –, irmãs do meu pai. Devo confessar que nunca observei os pés do velho com a intenção de avaliar sua belezura.
Se os pés de meu pai era tudo aquilo que contam, por uma questão de DNA ou hereditariedade, os meus também devem ser bonitos. Mas... essa história promete...
Vou dar um espaço para separar o relato em duas partes.

Bom, até agora essa crônica é aparentemente ficcional, fiquem tranquilos parentes. Tudo fruto de pensamentos borbulhantes de quem não tem o que fazer. E precisa preencher as horas.
A bem da verdade, bonitos são os meus pés. Eles foram elogiados e admirados uma única vez há muito tempo. Prostituta? Segredo de estado.
Há quarenta anos, num veraneio no Passo do Angico ali para as bandas de São Pedro do Sul, uma guria achou os meus pés bonitos. Lindos... lindos... lindos de morrer. Fazer o quê, né? Gosto é gosto e as opiniões devem ser respeitadas. E, naquela época, eu tinha um corpo atlético e era faixa azul em Taekwondo. A guria era uma loiraça esbelta de abrir caminhos nas águas do rio Toropi. 
Enfim, eu não poderia escrever uma crônica “A guria e os meus pés bonitos” ficaria sonsa, sem a mínima graça. E eu não preciso ficar me autoelogiando num texto.
Então, se os meus pés são bonitos os do meu pai também eram. Inseri o velho na história. E lá pelos anos 30 ou 40 do século passado não seria uma namoradinha de portão que iria atentar nos pés do pretendente.  Assim, coloquei o velho na zona do meretrício e uma personagem prostituta para apimentar a história da família. E aí surgiu esse belo título “A prostituta e os pés de meu pai”. A crônica ficou mais tensa, mais densa e bem-humorada. E os meus pés, depois de tantos anos, novamente bonitos.

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