Athos
Ronaldo Miralha da Cunha
Numa
das inúmeras manifestações que ocorreram no Fórum Social Mundial em Porto
Alegre naquele ano de 2002, em uma delas eu caminhava pela avenida Borges de
Medeiros procurando os melhores ângulos para as fotos. O Fórum Social tinha essa
grande capacidade de congregar diferentes culturas e as mais variadas
expressões humanas. Uma coisa de outro mundo... mas possível. Diversidade era a
característica do Fórum Social.
Logo
encontrei um grupo que portava uma enorme faixa da Liga Bolchevique
Internacional, pouquíssimos integrantes, talvez o número suficiente para
carregar a faixa. Eles eram revolucionários e queriam uma revolução
internacional... acho que era isso. Vamos dizer que era o que de mais radical
poderia existir naquele fórum. Pelo menos do que pude constatar depois de
tantos anos. E, fora aquela faixa na passeata, nada mais vi ou li sobre a LBI.
E a LBI não foi a síntese do FSM.
Por
que citei esse grupo de revolucionários?
Porque
o Fórum Social Mundial – fórum das esquerdas – contemplava um leque muito amplo
do que convencionou-se chamar de esquerda. E numa manifestação os radicais são
os que mais aparecem, são os que se destacam porque são ativistas. São os mais
exaltados.
Então,
chegamos nas manifestações desse 15 de março de 2015. Evidente que houve gente
de todos os matizes que praticaram seu ódio e seu reacionarismo. Não estenderia
o ódio de alguns ao conjunto da passeata da mesma forma que não estendo o ódio
da filósofa Chauí à classe média ao conjunto dos petistas.
Numa manifestação
que envolve milhões de pessoas pelo Brasil afora, não destacaria alguém que faz
o pedido da volta dos militares, golpe na democracia, a suástica, grosserias
com a Dilma e preconceitos e racismos desmedidos. Esses aparecem, mas não são a
síntese do protesto. Inclusive, esses protestos de 15 de março tiveram um
caráter apartidário. Vejo o dia 15 de março como um descontentamento geral com
o que está posto: corrupção e impunidade. Esse é o cerne da questão.
Reduzir
o dia 15 a golpe e elite branca é adiar uma avaliação mais madura depois de
outros dias 15 que virão.
A
avaliação política desse grito das ruas – que imagino, o governo fará – deve
contemplar o verdadeiro recado. Traduzir o porquê milhares de pessoas saíram de
casa para protestar. Será que basta um pacote para inibir a corrupção ou é algo
mais profundo? Será que temos um milhão de golpistas no Brasil? Se temos,
Bolsonaro vem em 2018. Se em junho de 2013 alguns baderneiros deturparam o que
era pacífico, nesse 15 de março alguns da extrema direita reacionária
aproveitou para também dar o ar da graça. E é bom que a direita se manifeste. E
como eu gosto de ver a direita se manifestar, porque nos últimos anos a gente
não sabe por onde a direita anda. Nos últimos anos a direita participa dos
processos eleitorais, mas não encaminha o comprovante de residência. Eu quero
saber quem é a direita nesse país. Dizem que tem até ministros no governo
Dilma.
Esses
raivosos de araque e de ocasião não são o âmago desse protesto de fim de verão.
No meu entendimento os protestos tiveram um caráter pacífico de
descontentamento com o que está dado. Uma política que se encaminha em
desacordo com o que foi prometido na campanha. O mundo era maravilhoso em
outubro, após quatro meses virou um caos. Um descontrole. E sobrou para a
Dilma, embora não seja ela a única a prestar contas à população.
Renan
Calheiros e Eduardo Cunha pensam que passaram incólumes pelo dia 15, mas acho
que não. Não passarão.
O recado foi dado ao governo. Caberá aos
analistas políticos da Dilma fazer a tradução desse dia e encaminhar uma
resposta a esse clamor. Se a análise ficar resumida em golpismo, terceiro turno
e fascismo, não será completa, e a Dilma não saberá interpretar o que queriam
esses milhões nas avenidas. Será ludibriada pelos seus princípios ideológicos
de classe e pelos seus oráculos com o mesmo engessamento. A Dilma deve ouvir um
leque amplo de interlocutores e captar o que sobrou desse domingo. O governo
saiu chamuscado desse episódio. E é bom que tenha ciência disso.
Ou a
presidente Dilma toma as rédeas desse processo e interprete o dia 15 de março
com clareza e humildade – e talvez ela saia desse enrosco – ou, caso contrário,
terá que ter umas aulas de funâmbulo.
ps
A
palavra impeachment não foi usada propositalmente.
2 comentários:
Um registro do momento histórico. Pasmem! um paradoxo: tanto ódio transbordado: tanta corrupção e impunidade como bem observou o amigo, mas é pelo direito de liberdade e de livre expressão sufocado pelos porões de uma ditadura de 21 anos. Um clamor diferente, como jamais visto em outro país e analisado como pacífico e bem colocado com muita precisão e tato por você. Gostei. Muito vai se trabalhar sobre esse tema. Outros países e os pósteros terão para si muito material elucidativo. Parabéns amigo, muito enriquecedor.
Agradeço sua leitura e comentário.
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