A tarde caía fria naquele princípio do último inverno da década de 70. O acampamento dos estudantes silenciava lentamente em frente ao prédio da Interamericana.
Em uma das
barracas um grupo de universitários estava reunido numa roda de chimarrão. O
movimento estudantil pedia o fim da censura, mais verbas para a educação e
eleições diretas para reitor e presidente.
Deslocava-me à
parada de ônibus quando encontro um amigo com aquela velha estampa de
contestador. O estilo de quem tinha a opinião formada sobre tudo: longas
melenas, boina preta, bolsa à tiracolo e uma surrada jaqueta do NPOR.
– Tchê, te
cuida que os “milico” estão aqui no campus – sorriu debochado e seguiu seu
trajeto.
Despediu-se,
deixando-me proseando com um colega da Medicina, que havia chegado nesse
ínterim. Ainda comentou que iria dar uma espairecida, respirar um pouco o ar da
noite que se avizinhava.
– Quero dar uma
aliviada nas tensões – e caminhou, vagarosamente, em direção ao prédio do
Centro de Tecnologia.
Não demorou
dois minutos, volta todo esbaforido ao nosso encontro. Alvorotando os demais
que estavam no roda de chimarrão.
– De quem é o
fusca vermelho no estacionamento da engenharia?
– Fusca
vermelho? – retorquiu um rosto assustado saindo do interior da barraca.
– Não sei, mas
me parece muito estranho. Já está anoitecendo – não escondendo o nervosismo
completou com uma frase que desconcertou os colegas de acampamento. – e tem dois sujeitos dentro.
Ouvi o diálogo
dos dois líderes estudantis, mas não dei muita importância, disse que iria ver
minha nota de Física I, no prédio em frente, e me retirei. Após verificar que
minha nota não era nem parecida com a que imaginava, também resolvi caminhar
pelo campus. Uma caminhada sem compromisso para colocar os pensamentos em
ordem, mas, extremamente preocupado com a segunda prova de Física.
Entro pelos
fundos do Centro de Ciências Naturais e Exatas, passo pelo corredor principal e
chego ao hall do prédio. Anoitecera. Naquela hora o Centro estava completamente
vazio. Quando estou saindo, na escadaria, deparo-me com um vizinho, morador do
mesmo prédio, conhecido apenas por ser sargento e síndico do condomínio.
– Oliveira!
Sargento, o que o senhor faz por aqui?
Olhou-me com
espanto e sorriu amarelo.
Oliveira estava
a paisano. Não me dá ouvidos e se vai, a passos largos, em direção ao fusca
vermelho que o aguardava no estacionamento da engenharia.
– Vocês não vão
acreditar, os militares estavam aqui nas nossas barbas, do nosso lado, um deles
é um sargento que é meu vizinho, moramos no mesmo prédio – afirmei.
Estava
visivelmente apavorado, preocupado com um provável envolvimento com as Forças
Armadas, pois naqueles tempos de exceção, era de tirar o sono de um simples
universitário latino-americano sem
parentes importantes.
Depois daquele
emocionante entardecer no campus não encontrei mais o sargento, síndico do
condomínio. Um outro vizinho, algumas semanas depois, comentou que não entendia
o porquê de o sargento Oliveira ter sido, repentinamente, transferido para Manaus.
E eu, no
próximo semestre, iria repetir a disciplina de Física I.
[*] 3º Lugar no 6º Concuros de Crônicas da UFSM 2012 - Categoria egressos.
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