domingo, 30 de março de 2008

Obrigado, Pelé!

A Lei Pelé provoca acaloradas discussões e proporciona muita controvérsia. Os cronistas desportivos enchem colunas dissecando os malefícios causados no futebol e nos clubes brasileiros.
Hoje, a lei está transformada e foram amenizados os transtornos e retrocessos do projeto inicial. Mas tem muito para ser modificada, principalmente, se levarmos em conta o futebol como espetáculo e analisarmos a mediocridade dos últimos campeonatos nacionais.
A evidente constatação é a de que nossos craques estão, cada vez mais jovens, indo jogar nos gramados exteriores. Quando um menino desponta em alguma categoria de base, os olhos dos dirigentes e empresários faíscam com cifrões e piscam como máquinas registradoras. Há alguns casos que os garotos nem chegam jogar nos clubes do Brasil, são profissionalizados no Velho Mundo. E isso é alarmante para um incauto e apaixonado torcedor.
Os gaúchos contam os inúmeros craques que poderiam, ainda, estar jogando no Olímpico ou no Beira-Rio. Se os craques que deixaram a dupla nos últimos seis ou sete anos retornassem aos campos do sul, Grêmio e Internacional teriam excelentes e competitivos times. E isso se traduziria em galera feliz, estádios lotados e ingressos mais acessíveis. Mas quem se importa com a paixão do torcedor?
Dentre os vários casos de atletas que despontaram na dupla Gre-Nal, dois exemplos são revoltantes. O primeiro foi o Ronaldinho Gaúcho que deixou o Grêmio sem a devida contrapartida financeira, para não dizer que foi uma doação involuntária protagonizada pelo time da Azenha. Ironicamente, no instante em que o presidente havia colocado a frase não vendemos craques no alto do estádio. O segundo, que revolta os corações vermelhos, foi a prematura saída do garoto Alexandre Pato. O Pato jogou meia dúzia de partidas pelo Internacional e foi “exportado” para o Milan. Ganhou o Inter, ganhou o jogador, ganhou muitíssimo o atravessador e perdeu o futebol gaúcho.
Em 1982, na Copa da Espanha, aquele memorável e inesquecível eclipse de astros montado pelo Telê Santana, apenas o Falcão jogava no exterior. Atualmente, essa proporção inverteu-se assustadoramente e tenho dúvidas se em 2010 haverá algum jogador titular atuando nos campos do Brasil.
Então, como um fanático torcedor do Internacional – e um pacato torcedor do Gandense – toda vez que o Alexandre Pato faz um golaço no Milan eu faço um especial agradecimento: Obrigado, Pelé!

domingo, 9 de março de 2008

As flores

Há um agradável perfume no ar. Um estranho cheiro de terra, de relva e de mar. São flores que desabrocham nos mais diversos lugares. São girassóis, margaridas e camomilas ao sol. São rosas nos pomares. São pétalas esparramadas aos cuidados dos nevoeiros das primeiras horas.
Há uma essência de flores na cidade. Múltiplos aromas que exalam cheiros de todas as idades. É um cheiro de crianças que imploram trocados nos cruzamentos. É um cheiro de mulheres que rogam por seus rebentos.
Nesses dias que antecedem o inverno, temos aromas de antigos amores nos catres vazios. Esses dias preenchem os sonhos com perfumes ausentes. E proliferam cheiros de jovens amantes. É alguma coisa delirante. Imprudente. É um cheiro de atrevimento e contestação.
A cidade está impregnada pela essência de trabalhadores que assentam ilusões. Que contam segredos e fogem dos medos quando o sol se põe. É um perfume de mulheres feridas em seus corações. De mulheres que enfrentam a vida batendo tábuas, varrendo o chão e catando gravetos. Há um aroma de sanga, de poeira e de crepitar de lenhas no fogão. É um cheiro dos errantes, dos que chegaram antes e dos que chegaram depois, esse cheiro é de nós dois.
É um cheiro novo, mas é conhecido, é a essência do povo.
E essas flores são imensas, densas e acabadas. São pétalas molhadas pelas chuvas do outono. São pétalas sem dono. Nesse jardim só há nomes de mulheres. São todas fêmeas, belas e apaixonadas. São descaradas. Anita, Isabel, Olga e Rosa. E tantas mais, mas todas mulheres, e, “das Flores”. E as flores desse quintal são imprescindíveis.
Mas há uma fragrância de democracia. Uma mescla de paixão e rebeldia. De liberdade e utopia. É um cheiro de ira contra as injustiças, que fala, grita e que faz. E que gira.
Essas flores têm perfume de gente.