quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A Mancha Verde ou simplesmente Marina

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com@athosronaldo


Existe uma mancha verde no país!
É grandiosa, nobre e provocadora. Invoca sentimentos solidários e emoções transformadoras. E é avassaladora porque nos completa e nos encanta com sua bondade e lucidez.
Não é uma macha verde que destrói, não reproduz a violência e não fomenta a algazarra. Essa mancha verde não dói e não manipula jovens e adolescentes. E não utiliza a força como instrumento de poder. Pelo contrário, essa mancha propõe a paz. Tem ojeriza à guerra. É humanitária e deseja viver a vida intensamente na plenitude que encerra. Essa mancha verde é simples, como são simples as vidas das pessoas simples do Brasil. Ela é eloquente, mas no seu silêncio é envolvente e prazerosa.
Com essa mancha verde cataremos recursos nas vias públicas, cataremos sustento nas calçadas e reciclaremos nossas vidas, pois não somos matérias descartáveis. Essa mancha quer salvar a Terra e não erra quando recolhe cacos de saudades nos sublimes recantos dos sonhos. Nos carrinhos que calejam as mãos transportaremos o pão que saciará nossa fome. Nos caminhos que machucam nossos pés trilharemos como se fossem alamedas verdejantes orvalhadas pela manhã.
Enxergamos no verde a esperança. Exageramos na tonalidade porque essa mancha sendo forte iluminará as veredas alegres e rastos fartos de solidariedade. E veremos nessa mancha que se alastra em nossos corações e invade nossos peitos o desejo dos sonhos que moldam a utopia em realidade.
Essa mancha verde é como a primavera, é recheada de flores com perfume de gente. Está presente e sente o clamor novo desse povo que teima em ser feliz. Essa mancha representa a felicidade porque estamos felizes e a tristeza porque somos humanos e humanos ficam tristes. É um choro de uma criança em um humilde berço porque esse grito representa a vida pedindo para ser vivida. Ela é branca, parda, negra e mulata. Ela é um banho numa cascata numa tarde de verão. Essa mancha é coração! Mas também é um chimarrão na bomba de prata.
Essa mancha verde complementa a lúdica brincadeira das crianças, a energia dos adolescentes, o carinho dos enamorados, a responsabilidade dos adultos e a sapiência dos anciãos. Ela está nas nossas mãos e é rude e requintada; é discreta e alvorotada e simboliza as atitudes honradas dos homens e das mulheres.
Essa mancha verde representa mais uma camiseta que colocamos para celebrar os desafios que a vida nos proporciona. É o sangue dos jovens que, por serem audaciosos, tombaram nos anos de chumbo. É a vitória dos companheiros que já não estão entre nós.
Enfim, essa mancha verde pode até ser escandalosa, mas é escandalosamente humanitária e simplesmente Marina.

Jogão

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com@athosronaldo

Qual colorado imaginaria que entre o Bi da Libertadores e o mundial interclubes em Abu Dhabi ainda haveria espaços para fortes emoções?
Internacional e Corinthians fazem um dos clássicos mais emocionantes dos últimos cinco anos. Uma rivalidade que se acentuou a partir do Brasileirão de 2005 em que a nossa estrela fora roubada, por conta de um árbitro safado e do canetaço de um juiz do STJD.
É lugar-comum dizer que é bonito de ver o Beira-Rio lotado. Mas a vida é cheia de lugares-comuns. Então, é bonito de se ver o Beira-Rio lotado. Nossos olhos passeiam inquietos pelas arquibancadas e se acomodam na bandeira do Rio Grande do Sul ou no rosto de Che Guevara. Sempre há um sorriso meigo de uma criança ou uma graciosa colorada para desviar nosso olhar caliente.
Estou na arquibancada superior no memorável jogo pelo brasileirão de 2010 em que o colorado venceu o “curintia” nos últimos e derradeiros minutos. Ao meu lado um senhor, com uma camiseta do tempo em que a Coca-Cola era o patrocinador oficial, me confidencia que estava assistindo um jogo no Gigante pela primeira vez. Nada demais se meu parceiro de geral não tivesse 65 anos. Na turma da excursão um casal – com algumas horas de voos nos anos – comentava que a última vez que estiveram no estádio fora em 1979, há 31 anos. O ano do Tri-campeonato invicto.
Cada um dos 38 mil torcedores presentes, naquela tarde de sol no Gigante, tem uma história de paixão para contar. Uma aventura que explicasse a devoção pelo Clube do Povo. Um motivo para ostentar com orgulho a camisa colorada. Mas para o casal que retornava às arquibancadas após três décadas e o cidadão que via o Beira-Rio pela primeira vez foi um jogo especial. Talvez, em homenagem a eles tenha sido tão eletrizante.
Ao final da partida todos estavam felizes e ovacionavam os craques, noto que uma lágrima indecisa percorre a face do colorado ao meu lado. Disfarço e o deixo só com sua emoção. É, o Inter mexe com nossa paixão e, por vezes, no presenteia com uma contagiante taquicardia.
Quando Nei provocou o pênalti com aquela bela defesa, eu pensei em Marx, “a história acontece como tragédia e se repete como farsa”. E me lembrei da Copa da África no lance do Uruguai... o Renan vai pegar. Mas o futebol não está nem aí para barbudão comunista. E Bruno César acaba com a farsa e converte o pênalti para o Corinthians.
No entanto, o destino nos prega mais uma peça e Andrezinho está prestes a bater uma falta aos 48 minutos e pode dar a vitória por 3 a 2. Novamente, me reporto a Marx, pois na década de 70, numa partida contra o Cruzeiro, o Inter virou o jogo nos últimos minutos com mesmo resultado de 3 a 2. Mas dessa vez a tragédia se repetiu – para o adversário, é claro – e comemoramos um dos jogos mais emocionantes dos últimos tempos. O aforismo de Marx estava salvo e o velho colorado ao meu lado não conseguia conter as lágrimas.