segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A trepada de Catarina


Athos Ronaldo Miralha da Cunha

A virgem de 20 aninhos de Santa Catarina – Ingrid Migliorini – poderia ter um namorado surfista e a primeira transa ter sido nas areias da praia do Rosa numa segunda-feira deslocada do burburinho. Quem sabe a primeira vez de Ingrid poderia ser com o namorado, um tenista em ascensão, e acabar na plateia no aberto de tênis do Avenida Tênis Clube de Santa Maria. Ainda, poderia ser a garota de um jovem craque de bola do rebaixado Figueirense e fazer coraçõezinhos com as mãos para seu primeiro e único amado atacante nas arquibancadas do Orlando Scarpelli. Não! Ingrid achava que valia mais. E teve alguém que achava que ela mais valia ainda. (Um trocadilho com Marx nesse texto faz o comunista se revirar na tumba).
Por que Ingrid daria de graça? Nem injeção na testa, diria sua mãe.
A linda, angelical, formosa e negociante Ingrid trocou o nome para Catarina e fez o cadastro no site Austrália Virgins Wanted. E colocou em leilão a sua primeira transa.
O japonês Natsu vai romper o hímen da brasileira pagando a quantia de R$ 1,6 milhões, sem beijo na boca, sem fetiches e com camisinha, ou seja, uma defloração sem sal e sem açúcar.
Eu não me surpreendo com esse leilão e nem com as cifras da trepada. É a lei da oferta e da procura. A “mercadoria” tem um preço e tem alguém disposto a pagar.
Recentemente, no Brasil, tivemos dois exemplos de cifras abusivas para objetos de pouco valor agregado se o cidadão fosse “um rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso”. A vovó dos baixinhos cobrou dois milhões de reais para pintar o cabelo de preto. Ela pediu e levou. Business is business. O ex-craque da bola e boca grande Ronaldo Gorducho embolsou do Fantástico – correu a boca pequena nas redes sociais – a quantia de seis milhões para suar as pitangas nas noites de domingo. Isso não é fantástico? Então, por que a manezinha não pode cobrar por uma trepadinha para entregar uma minúscula parte de seu corpo?
A Ingrid vai ganhar 1,6 milhões para abrir as pernas pela primeira vez a bordo de um avião rumo a Nova Iorque. Pacificamente transando sobre o Oceano Pacífico. Que inveja do japonesinho... eu, realmente, não sei se foi sorte ou azar da Catarina. Imagina se o vencedor fosse um afro-descendente atleta da NBA ou um velocista jamaicano.
1,6 milhões eu não tenho para participar do leilão. Mas eu seria fragorosamente derrotado pelo japa, pois meu lance não ultrapassaria a quantia de R$ 80,00 que é o preço médio desse negócio.
Enfim, eu também vou fazer um leilão: quem dá mais pelo meu fusquinha 69 com alcinhas? Lance inicial R$ 1,6 milhões.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

O laçador de pirilampos - conto infantil




Menção Honrosa no II Concurso de Literatura Infantil Ignez Sofia Vargas.

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Pedrinho é um gurizote criado no fundo do rincão. Adora brincar com as coisas simples que a vida proporciona: tropa de ossos, bilboquê, soltar pandorgas, bodoques – para fazer tiro ao alvo em latinhas de azeite –, jogar bolitas de gude, subir nas árvores e correr com uma varinha empurrando um velho pneu de uma antiga bicicleta. Pedrinho também é um conhecedor das lides campeiras, um genuíno gaúcho. Gauchito da cepa. Uma das atividades mais prazerosas para o guri é andar à cavalo – o petiço Valente é o alazão – nas tardes campeiras. As cavalgadas com o petiço acabavam tomando o rumo da sanga Pinguela Quebrada. Mas Pedrinho era bom mesmo no tiro de laço e boleadeiras.
Saía num galope no Valente, rodava as boleadeiras gritando “Te peguei” e voltava satisfeito no lombo do petiço. O pai de Pedrinho – o peão Gumercindo – era todo orgulhoso pelas destrezas do filho com o laço. Imaginava o guri em algum rodeio domando baguais ou recebendo prêmios pelos pealos de cucharra. A mãe, Manuelita, queria ver o filho doutor. Sonhava ver o guri doutor advogado. Por isso Pedrinho tinha que frequentar a escola. E o peãozinho estudava, mas nas tardes do rincão laçava sonhos e pirilampos. E os sonhos de Pedrinho e os pirilampos que laçava tinham um só destino.
Foi num dia de sol no final de uma tarde florida de primavera, Pedrinho estava sentado olhando o correr da sanga Pinguela Quebrada, apenas, molhando os pés. De repente, uma voz do outro lado da margem o chama.
– Pedrinho! Pedrinho!
Era voz de uma guria. De uma menina com a mesma idade de Pedrinho. Ela estava vestida toda de branco, usava uma tiara rosa e carregava um pequeno livro em uma das mãos. Pedrinho ficou encantado com a beleza da guriazinha e interessado no livro, conseguiu ler apenas “A bela” na capa do livreto. O peãozinho não compreendia o que ela estava pedindo. Insistia para que ele laçasse sonhos e pirilampos, porque ela precisava de luz e sonhos para sobreviver.
– Quem tu és? Como é o teu nome? De onde veio?
– Meu nome é Amanda. Eu venho da escuridão. Me ajude Pedrinho... – e sumiu por detrás de uma touceira.  
Pedrinho prometeu que lançaria pirilampos para iluminar o caminho de Amanda. E foi assim que o gurizote fez. Tornou-se o maior laçador de pirilampos do rincão... e de sonhos.
Gumercindo sorria, a mãe achava graça vendo o guri laçando os bichinhos. Só não entendia porque Pedrinho laçava sonhos.
À noite, o guri imaginava os pontinhos azuis a piscar no teto de seu quarto. E sorria, pois passava em sua mente o sorriso e a beleza da guriazinha da sanga Pinguela Quebrada. A bela Amanda. Pedrinho estudava no 5º ano do ensino fundamental na escola do vilarejo e continuava laçando sonhos e pirilampos e divagava que um dia Amanda viria ao seu encontro pelo caminho que estava iluminando.
Numa noite de lua crescente e de procissão no povoado, os pais, Gumercindo e Manuelita, levaram o guri laçador de sonhos e pirilampos para uma procissão em homenagem a santa do lugar. Todos vinham com velas nas mãos e cantavam músicas sacras. Ao longe Pedrinho viu que as luzes das velas pareciam um monte de pirilampos. Pirilampos iluminavam o caminho dos peregrinos. Teve um momento de tristeza, pois se tivesse com o laço estaria laçando pirilampos para a Amanda. Mas quando chegou perto Pedrinho viu o que já vira na sanga da Pinguela Quebrada. Uma menina toda de branco e com uma tiara rosa. O gurizote foi ao encontro da guria da procissão – que era a mesma dos seus sonhos e de suas laçadas – gritando seu nome.
– Amanda! Amanda! Amanda!
Amanda sorriu e seu sorriso iluminou a noite e os sonhos de Pedrinho. E foi nesse instante que a guria dos seus sonhos levou a mão em uma sacola que carregava à tiracolo e pegou um livro.
– Eu sabia que ia te encontrar e trouxe um presente para ti. Continue laçando pirilampos, pois eu preciso de luz e, talvez, de um beijo – e alcançou livro para o Pedrinho.
O guri que laçava sonhos viu as mesmas palavras que já vira antes “A bela”.
– Não esqueça Pedrinho... eu preciso dos pirilampos para iluminar meu caminho. Te espero com par de alianças que herdei de minha vó – Pedrinho não entendeu bem e ficou acariciando o livro.

“A bela adormecida”.

sábado, 20 de outubro de 2012

Um jovem senhor cheio de Razão


Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Esse jovem senhor cheio de razão – companheiro das primeiras páginas matinais – completa 78 anos. O jornal A Razão é o mais tradicional e genuíno veiculo de comunicação de Santa Maria e, reconhecidamente, um
jornal da região central do estado.
Eu faço parte dos “santa-marienses” oriundos de outras paragens. Os que se aquerenciaram na Boca do Monte com o intuito de estudar e ingressar num curso de graduação na universidade. Então, chegamos todos, uma família de seis pessoas, no escaldante e longínquo dia 19 de janeiro de 1971 vindos da velha Santiago do Boqueirão. O pai – um ferroviário que já havia perambulado por várias regiões desse Rio Grande – sempre dizia sobre a vida numa nova querência “Quando a gente chega numa cidade é importante assinar o melhor jornal e ser sócio do melhor clube”. Alguma coisa me diz que o velho já pensava em enturmação naquela época. Evidentemente, não é um tratado filosófico, um teorema pitagórico ou um aforisma inspirado no Barão de Itararé, mas era a sábia premissa do velho. Alguém que passou a vida, nos depósitos da Viação Férrea, batendo martelo nas bigornas. Assim, estabelecidos na cidade ferroviária, éramos sócios de um clube e assinantes do jornal A Razão.
Folheando A Razão descobri o prazer da leitura e a busca de informação. Várias polêmicas surgiram nas páginas de opinião. Aguardávamos, a cada semana, a réplica e a tréplica e os debates se estendiam – como sempre – à Primeira Quadra e, posteriormente, ao Calçadão.
Em A Razão sentimos a alegria de ver nosso nome no listão da UFSM. Participamos o nascimento dos filhos e comunicamos nossos sentimentos tristes em homenagem a quem já partiu. A Razão é uma companhia para todos os momentos. Nesses 78 anos de vida, o jornal A Razão faz parte do cotidiano dos santa-marienses e, nesses tempos de web, dos santa-marienses que vivem em pagos distantes.
O Calçadão não seria o mesmo se durante a manhã um cidadão não folheasse A Razão em frente a Galeria Chami. O Vento Norte não seria o mesmo se em dado momento não esparramasse o jornal A Razão pela rua do Acampamento afora para desespero do leitor. Santa Maria não seria a mesma se não se visse em A Razão.
Enfim, sou sócio de um clube, não sei se é o melhor, sou assinante do A Razão, não sei se é o melhor, mas, certamente, é o jornal mais amado e lido da cidade. Aquele em que os santa-marienses mais devotam carinho. Esse jovem senhor cheio de razão que completa 78 anos.