quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O proctologista de Bolsonaro



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

O deputado carioca Jair Bolsonaro é uma pessoa polêmica. Ele consegue ser odiado e amado por muitos, creio – palpite meu – mais odiado que amado, mas traz na bagagem uma das maiores votações do Brasil. As opiniões de um cidadão de direita são respeitadas. Divergimos e respeitamos. Não é crime ser conservador, ter um pensamento tradicional. O problema é quando as posições contrárias tornam-se agressivas e descambam para a grosseria e agressões físicas e verbais. O problema é quando falta o respeito e, ainda mais grave, nas dependências do Congresso entre pessoas que deveriam primar pela educação e pela democracia.
O episódio mais recente envolvendo o deputado foi a frase direcionada a Maria do Rosario: não estupro você porque você não merece. [mais verba para a educação... ou para os manicômios!]
Há algum tempo o senhor Paulo Maluf – procurado pela Interpol – também usou de seu brilhantismo intelectual e proferiu o famigerado “Estupra, mas não mata!” Um acinte, uma excrecência e a ira dos militantes dos direitos humanos como consequência.
Mas, como vimos, o recorde de Maluf foi superado por Bolsonaro. É a tal história, nada está tão ruim que não possa piorar. Como se não bastasse o “Não estupro você porque você não merece.”, o deputado extrapola sua “meiguice” e vai além: não estupro você porque você é muito feia. [Nesse momento lembro que, certa vez, um graduado político falou que tinha 300 picaretas no Congresso].
As posições de JB são conhecidas Brasil afora. Tudo que for relacionado à tradição, à família e à propriedade tem um ferrenho defensor. Algo um pouquinho fora dos padrões estabelecidos pelo status quo vira um pandemônio. Bolsonaro vê a sociedade como um regimento. É um guardião da ordem e dos bons costumes. E não interessa se a ordem e os bons costumes precisam ser revistos ou modificados. O deputado é inflexível em suas posições. Estático em seu pensamento. Irredutível nas atitudes. Nenhuma força externa consegue mudar sua rígida opinião, assim, o JB consegue contrariar a primeira Lei de Newton. [rsrs].
O novembro azul foi uma campanha de conscientização dos homens com relação ao câncer de próstata. E que, apenas, uma consulta ao médico é capaz de prevenir a doença. E o mais incrível é que a maioria dos homens carrega esse preconceito de consultar um proctologista, pois o toque retal faz parte da consulta. Não adianta arrumarmos desculpas, sejam elas quais forem, apenas, o toque é o diagnóstico confiável.
Eu fico imaginando quem seria o proctologista do Bolsonaro. Ou será que ele não merece uma consulta ao proctologista? Nada que um Johnnie Walker Blue Label não resolva.
– Vai um uisquinho aí, deputado?

domingo, 16 de novembro de 2014

A batata da Dilma



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Domingo pela manhã e sem compromissos oficiais, Dilma acorda radiante. Sentia uma sensação de leveza quando estava distante das ocupações do cargo. Inacreditável que teria um tempo para desfrutar a companhia da filha e do neto. O Palácio da Alvorada estava uma tranquilidade quase pampiana, só faltava um horizonte verde encontrando o céu e uma brisa num cinamomo. A presidenta preparou um chimarrão e sentou-se diante da televisão para assistir ao vídeo tape do Gre-Nal.
Dera folga paras os cozinheiros, pois outro dia, numa vistoria no subsolo do palácio, havia descoberto dois jet-skis e liberados os dois chefs para passearem no lago Paranoá. Se conseguissem fazer funcionar aquelas duas geringonças que há mais de vinte anos estavam jogados e esquecidos num canto da garagem. Os dois chefs ficaram esfuziantes com a possibilidade de diversão num domingo de sol pilotando os jet-skis que outrora outro presidente pilotara.
Naquele dia o almoço estava ao encargo da presidenta. As fotos dela na cozinha – nos jornais há algumas semanas – mostravam a Dilma como uma pessoa comum, que sabia cozinhar, lidar com as coisas simples da vida. Então, ela faria o almoço daquele domingo já que seria, apenas, para a filha e o neto.
O cardápio que planejara teria costela de gado bovino vindo de uma estância de Bagé e batatas inglesas ao forno, arroz branco e saladas de verduras e legumes temperadas com azeite de oliva, barbecue e mostarda com mel. Sobremesa: abacaxi em calda com canela.
Dilma tomou uma térmica de chimarrão com erva-cidreira e desistiu de assistir o restante do jogo após o terceiro gol do GFPA. “Em 2018 eu saio da presidência da República e vou para a presidência do Inter. Em um ano coloco esse time campeão do Brasil” pensou, sorriu e roncou o último mate na cuia com um baita distintivo do Internacional.
Então, a presidenta salgou a costela, recheou as batatas e colocou para assar num fogo brando e em alguns minutos passaria para 220 graus centígrados, temperatura ideal para uma costela. Logo, descascou um abacaxi e dois pepinos grandes.
Nesse instante toca o celular “Ex chamando”. Toda vez que aparecia “Ex chamando” Dilma lembrava que havia programado o celular para dois “Ex” e havia esquecido de mudar, assim, ela nunca sabia quem estava do outro lado da linha: o ex-marido ou o ex-presidente. Atendeu com um sim bem neutro.
– Olá companhêra Dilma... – aquela voz rouca era inconfundível.
Por alguns segundos a presidenta pensou em desligar o celular, mas seria muita deselegância com o ex-presidente. Naquela manhã ela estava num aprazível encontro familiar e não queria discutir política com ninguém. Então, como por encanto, lembrou que tinha umas abobrinhas na geladeira e poderia acrescentar abobrinhas ao cardápio. Mas atendeu ao celular.
– Como está meu grande líder e guru. Tudo bem com a Marisa? – Dilma sempre perguntava pela ex-primeira-dama.
– Dilma minha cara... tua batata está assando...
– Como! Capaz, tchê. Minhas batatas...
Dilma corre até o forno e, realmente, constata que a batata estava assando, mas ainda não havia passado do ponto. Tirou a costela e as batatas recheadas e colocou sobre uma bancada. Antes de servir a mesa, ainda tomaria mais uma térmica de amargo com erva-mate lá de Erechim.
– Está em Brasília? O mate está cevado. É só chegar.
A ligação caiu.

domingo, 2 de novembro de 2014

Acachapante derrota de Tarso



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Em 2010 Tarso Genro venceu as eleições para o governo do estado no primeiro turno. Uma vitória com quase 55% dos votos, consolidada num candidato sério, estrategista, conciliador e competente. Com esses atributos absorveu os votos das camadas mais conservadoras e chegou ao Palácio Piratini. Após quatro anos a coisa virou do avesso.
O que ocorreu em 2014? Será que prevaleceu a máxima de que os gaúchos, pura e simplesmente, não reelegem governador? Tarso foi acometido pelo antipetismo? Não foi só por isso.
Algumas ações da coordenação da campanha de Tarso podem e devem ser recuperadas para não cair no esquecimento e servir de reflexão para futuros pleitos. É importante ter em mente o que foi feito e deixou a desejar. Como analisar uma derrota acachapante de um governo bem avaliado pela população na parte administrativa e sem escândalos que comprometessem a sua credibilidade? Um candidato com uma larga experiência política, intelectual conceituado e um pensador da nossa modernidade?
São inúmeros os deslizes que comprometeram uma campanha que tinha tudo para ser vitoriosa e quebrar o paradigma da derrota numa reeleição. Onde o PT pecou?
A coordenação de Tarso não conseguiu fazer um contraponto a um candidato que vinha com um olhar simples para o Rio Grande. Sartori apresentou-se com alguns slogans que foram facilmente assimilados pelos eleitores sem a devida contrapartida. Ou seja: Sartorão da massa; gringo da colônia; meu partido é o Rio Grande e o cara que não promete e faz.
Qual era o slogan de Tarso?
Sartori foi mais povo nessa eleição. Desceu do pedestal de candidato e “abraçou” os gaúchos. Era um candidato, como se diz lá no galpão, “sem lado para chegar”. Sartori fazia a campanha sorrindo e caminhando. E Tarso? Muito sério... parado. A eloquência de Tarso é muito superior a de Sartori, mas não foi suficiente, faltou o algo mais. Sartori fez uma campanha com humor e emoção – que, na minha opinião, são fundamentais no horário político. Tarso não conseguiu com o mesmo afinco e efeito. Quando fez a emotiva “carta aos gaúchos” já era tarde demais.
A coordenação de campanha de Tarso tentou rebater o “meu partido é o Rio Grande” colocando na tela que o partido de Sartori era o PMDB de Brito etc... etc... e outros adjetivos desqualificadores. Mas parece que a coordenação esqueceu que o PMDB é o vice da Dilma. Como é que o eleitor assimilaria a desqualificação de Sartori por ser ele do PMDB e votar em Tarso que vota na Dilma tendo o vice do PMDB? Nossa! Que imbróglio! Uma salada, e prevaleceu o “meu partido é o Rio Grande” açambarcado pelo descredito geral dos políticos.
A campanha de Tarso bateu severamente e impiedosamente nas candidaturas de Ana Amélia e Lasier Martins. O ápice dessa desconstrução de candidaturas foi trazer para o presente a participação de Lasier na Arena Jovem na década de 60. Cá entre nós: tiro no pé. Como se em 50 anos uma pessoa não pudesse mudar de opinião ou avançar na sua cidadania, e como se no próprio PT não tivesse alguns históricos militantes e quadros partidários que foram da Arena. Como sabemos, a desconstrução da candidatura de Ana Amélia surtiu efeito. Mas então surgiu um grande problema: como negociar apoios para o segundo turno? Se em 2010 as camadas mais conservadoras apoiaram Tarso, em 2014 a própria candidatura de Tarso deixou escapulir por entre seus dedos esses apoios, claramente identificados com a candidata do PP. E Ana Amélia deu o troco com a maior simplicidade. Ana Amélia recebeu 1.342.000 votos no primeiro turno. Enquanto Tarso recebeu 440.000 votos a mais no segundo turno, Sartori recebeu 1.370.000 votos a mais. Os números são incontestáveis. Sartori: 61,21% dos votos. Tarso: 38,79% dos votos. Houve uma visível transferência. Aí faltou uma visão estratégica no primeiro turno e uma visão política no segundo, que merece ser avaliada no centro da coordenação. Um pouco de humildade, às vezes, ajuda muito. Talvez seja esse o grande mérito de Sartori. Um discurso amparado na modéstia e sem ranço ideológico e nem “teu passado te condena”.
Por fim, o que mais me causou estupefação foi o vídeo que Tarso fez dentro de um carro e que teve milhares de visualizações. Eu não consigo entender como uma pessoa do calibre intelectual de Tarso deixou-se contaminar por um amontoado de asneiras dirigidas à militância. Os adeptos da Teoria da Conspiração saltitaram de alegria. Será que o candidato foi centralizado pela coordenação de campanha?
Até entendo que se fosse, apenas, para a militância acordar de sua letargia poderia dar certo, mas o vídeo estava na rede. A impressão que tenho é que o candidato retrocedeu uns trinta anos e se colocou numa reunião do PRC. Pensei: Tarso releu “Quatro ensaios marxistas”. [rsrs]. Um alarmismo inconsequente e fora da casinha. Apenas esse comentário. Mesmo assim ainda acho que não será suficiente para macular sua trajetória de pensador e elaborador de conteúdos políticos pertinentes. Continuarei sendo um leitor de seus livros. Tarso ainda tem muito a contribuir com a boa política no Brasil.
Ah! Faltou falar sobe o piso. O piso ou a falta dele não afetou nenhuma candidatura, mesmo que ambos tivessem pisado em falso em vários momentos desse pleito.
Enfim, o texto acima são, apenas, reflexões de um autodeclarado atento eleitor sem a pretensão de fazer julgamentos pessoais ou de estratégia política, mas que erros e acertos devem ser analisados para serem aprimorados ou evitados. smj.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Minha camisa vermelha [Dilan Camargo]



Uma seleção de cronistas colorados, convocados e escalados pelo organizador deste livro, Athos Ronaldo Miralha da Cunha, entra em campo para jogar o jogo das palavras, escrevendo uma excelente literatura de futebol. Todos vestiram a camisa vermelha, soltaram a imaginação, a ironia, a ludicidade e a sua paixão pelo Internacional. Trocaram os pés pelas mãos e escreveram crônicas que nos levam a habitar em outro mundo, o “mundo paralelo” do nosso glorioso Inter, como diz um dos cronistas, Diego T. Hahn. Eles remexeram na memória, reviveram jogos, criaram e recriaram situações, episódios, e principalmente celebraram a vida e a trajetória apaixonante deste que é a glória do desporto nacional, o Sport Club Internacional.
Sempre houve uma ligação muito estreita entre escritores e jogadores de futebol, com algumas exceções como Graciliano Ramos e até Machado de Assis, dizem. Ambas as atividades exigem imaginação para criar, inventar, surpreender, e até mesmo para dar um balão pro mato que o jogo é de campeonato. Exigem fôlego, pulmonar e literário. Exigem persistência para escrever linhas e linhas, e para correr entre as quatro linhas até o fim dos tempos. Exigem superação e a busca da vitória, seja com gols contra os adversários, seja pela colocação de um ponto final numa obra literária.
O escritor Athos Ronaldo Miralha da Cunha é o jogador, o treinador, o capitão, enfim, o carregador de piano de várias formações de times de escritores colorados, responsável pela organização de outros tantos volumes de crônicas sobre o Inter, que receberam reconhecidas premiações Brasil afora. A publicação dessas coletâneas, como esta “Minha camisa vermelha”, tem contribuído para o crescimento e a valorização da literatura sobre futebol neste país do futebol. Santa Maria tem se constituído assim, graças a essas publicações, num dos mais importantes centros de produção e de divulgação da boa e da melhor literatura futebolística.
O leitor está convidado para correr os seus olhos e a sua alma por estas linhas, para jogar junto com o time, e fazer desta leitura, mais uma retumbante vitória do nosso Colorado. E, como sempre, com uma inesquecível goleada literária.






sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Não levante o dedo para mim



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Todos os candidatos postulantes ao Palácio do Planalto falaram nos seus programas em reforma política. E todos estão certos nessa intenção. É a principal das reformas.
Abro colchetes. [Já faz algum tempo que tramitam projetos nesse sentido no Congresso Nacional e todos os atuais candidatos fazem parte da nossa elite política, são detentores de mandatos e não foram capazes de encaminhar e aprovar algo semelhante. Esperamos não ser, novamente, mais uma proposta eleitoreira]. Fecho colchetes.
A nossa democracia representativa precisa ser rediscutida, precisamos de uma democracia mais igualitária. Uma democracia mais espraiada na sociedade. Vejamos o período eleitoral que é o auge da participação e onde vemos aflorar as mais diversas altercações ideológicas, religiosas e comportamentais. E algumas excrescências, diga-se.
A nossa eleição é muito desigual. Começa com o tempo de televisão e encerra com a capacidade de recolher contribuições. Na corrida presidencial analisando, apenas, o G3, podemos observar que uma candidatura arrecadou R$ 100 milhões a mais do que outra. Sem falar no latifúndio de tempo no horário gratuito. Convenhamos, é uma corrida desigual. E para modificar esse quadro requer uma profunda discussão. E é uma discussão polêmica e de difícil acordo, pois envolve interesses diretos de partidos e de poder.  Evidente que tem que existir uma diferença de tratamento entre um partido com 80 deputados e outro que tem 5, mas é possível reduzir essa diferenciação de modo que torne mais parcimoniosa e mais igualitária.
No entanto, embora o pouco espaço de mídia e modestas contribuições têm candidaturas que consegue expor seus projetos e visão de mundo e agregam muito mais no debate político do que longas imagens de um país irreal ou de achincalhamento pessoais de lada a lado. Como também têm candidaturas com o mesmo padrão de tempo de mídia e arrecadação que conseguem mostrar o que de mais atrasado e reacionário pode existir em um pensamento. E esse é o grande imbróglio de uma reforma: como tratar os ditos pequenos partidos? Porque são incomparáveis as contribuições de Luciana Genro e o arremedo de candidato Levy Fidelix, por exemplo.
Luciana Genro incorpora a candidatura que se supera com a falta de tempo e a pouca arrecadação. Aí entra o fator ideológico e temas intocáveis pelas “principais” candidaturas, ou seja, o fator surpresa dessa eleição é a Luciana Genro. Entrou na campanha disposta a colocar o dedo nas feridas e levantar as bandeiras mais polêmicas.
A candidata do PSOL trouxe para o debate a postura de uma esquerda moderna. Uma esquerda que avança para além da esquerda pré-muro de Berlim. Colocou na mesa temas como homofobia, maconha, casamento homoafetivo, taxação dos bancos e imposto sobre as grandes fortunas. Discussões que estavam tangenciando os candidatos do G3, sendo que alguns pontos sequer estavam nos programas.
Com pouco tempo e mínimas arrecadações Luciana Genro conseguiu fazer um estrago nessa campanha, imagina com um tempo maior e com financiamento público. Talvez os números do Datafolha seriam diferentes.
Em 2010 Plinio fez diferente na campanha e era um simpático candidato de esquerda, nesse 2014 coube mais uma vez a candidatura do PSOL ser esse diferencial. Não ficamos indiferentes após cada debate, com a participação de Luciana, em relação às suas propostas e seu desempenho.
Acredito que se os debates fossem em horário nobre, num amplo encontro de ideias, Luciana Genro estaria como o Inter e o Grêmio no atual campeonato brasileiro: na cola do campeão ou disputando vaga à Copa Libertadores.
“Não levante o dedo para mim” foi a frase que a candidata falou para Aécio Neves, o neto, quando ele replicava. Aécio baixou o dedo e concluiu. Essa parte do debate foi breve e sem grandes desdobramentos – não houve alteração na escala Richter –, mas foi muito significativo.
Alguém pode perguntar: esse texto é uma declaração de voto?
Respondo: é.