sábado, 21 de dezembro de 2013

No avião da Dilma



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

A histórica fotografia foi postada nas redes sociais pelo ex-presidente Fernando “Minha Gente” de Melo. Toda a turma de ex-ocupantes do Palácio do Planalto na aeronave presidencial rumo ao sepultamento de Nelson Mandela na África do Sul.
Todos sorridentes: Dilma, Collor, Sarney, FHC e Lula. Mas o que conversaram os nobres brasileiros? Será que conversavam sobre os tempos em que Sarney era da Arena e Lula um sindicalista estilo “hoje eu não estou bom”? AI 5? Será que a conversa foi sobre aparelhos de som, pois em 1989 Collor sonhava ter um aparelho 3 em 1 igual ao de Lula? Fiat Elba? O assunto foi impeachment? Privatização? Emenda da reeleição de FHC? Será que a senhora presidente contou alguns dos seus sonhos juvenis sobre a guerrilha? Sendo o Lula o único futebolista da lista, é bem provável que nem sobre futebol conversavam. Orçamento das obras da copa, nem pensar.
Os assuntos pululavam nas mentes dos viajantes, mas ninguém iniciava a conversa. O silêncio já estava constrangedor e Sarney foi quem quebrou o gelo. – Será que chove hoje?
A partir de então, Collor quebrou o gelo e se serviu de uma generosa dose de uísque. Os demais preferiram caubói e Sarney água mineral sem gás.
Percebendo que a coisa poderia tomar um rumo incontrolável, Dilma propôs uma rodada de canastra para passar o tempo.
– Vocês conhecem o canastrão?
Os ex-presidentes se entreolharam e sorriram amarelo. Mas toparam participar do jogo.
Dilma deu as cartas. Aliás, em todas as rodadas durante o voo era Dilma quem dava as cartas. Os demais obedeciam complacentemente.
– Por gentileza, companheiro Collor, agora gostaria com bastante gelo.
FHC balançou a cabeça em sinal de desaprovação, mas nada comentou e Sarney fez uma cara de “me poupe”. Duas ou três rodadas e, novamente, um absoluto silêncio. Todos concentrados nas cartas.
– Quem bate pega o morto! – falou, de pronto, a Dilma.
Em seguida pediu desculpas pelo ato falho. Afinal, eles estavam indo para um velório. Mas Dilma seguiu dando as cartas.
– Bati! – e já colocou a mão no morto. – Eu sou ligeiro nas cartas.
– Grande África – falou Sarney tirando um ditado do fundo do baú.
Nesse momento Collor propõe que eles jogassem rouba monte. Rouba monte era uma brincadeira de infância lá nas Alagoas.  
– Montanhas, hein Collor? – retrucou Sarney.
– Então vamos jogar buraco. Era o carteado preferido lá na USP.
– Buraco? Quem sabe rombo? – Sarney estava espirituoso.
Lula foi mais perspicaz antes que a coisa desandasse e sugeriu.
– Vamos jogar conversa fora. Nossa especialidade lá no ABC.
Assim, a viagem seguiu tranquila. Todos jogando conversa fora.
– Companheiro Collor, agora sem gelo.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Impressões sobre o Música Fenae 2013...


... sob a ótica de um letrista.

O festival é de música – isso é ponto pacífico – mas uma música é composta por uma melodia e por um poema (letra). Então cabe algumas reflexões.
O encontro foi memorável, uma confraternização e camaradagem sem precedentes. Toda vez que participo de algo semelhante sempre comento que existe vida fora das metas dos gestores. Foram incansáveis todos que dedicaram seu tempo para o bom andamento do evento. O maestro Tinoco é uma pessoa simpaticíssima no trato e envolvimento com a perfeição.Assim, tem a minha admiração a banda e o vocal.
Mas temos que fazer uma reflexão para o aprimoramento de cada Música Fenae. Como falei na reunião: não toco, não canto e subi no palco, apenas, para receber o certificado de participação. Sou um simples letrista incapaz de fazer um batuquezinho em uma caixa de fósforos.
Mas ainda assim passou a sensação de que o letrista merecia um pouco mais de atenção. Nesse Música Fenae o letrista é um “cidadão sem cidadania” como diz o último verso da belíssima canção “Cantiga da perua”. O letrista é um não-participante. Um não-visto. Um não-premiado. Um não-convidado. Sequer havia um prêmio para a melhor letra.
O júri era composto em sua larga maioria por músicos, diga-se, com uma profunda experiência musical. E isso tem a minha admiração. Mas faltaram jurados específicos para julgar as letras. Faltou um poeta de ofício, alguém dedicado essencialmente à literatura. Um dos membros – estava no currículo – ganhou um prêmio literário na categoria conto em 2006. Na minha opinião, um modesto currículo. Parece que era apenas para constar que havia alguém ligado à literatura.
Tenho acompanhado vários festivais aqui no Rio Grande do Sul e posso afirmar que o corpo de jurados contempla na mesma proporção músicos e letristas [poetas].
Penso que para melhor comprometer e envolver o trabalho do júri deveria haver a divulgação das notas das canções nos mais variados quesitos. O cerimonial deve ser melhor produzido, ou seja, apresentar a música e o porque da letra e do tema. O cerimonial deve anunciar as vencedoras, pois o presidente não é animador de auditório. Deve ter uma postura de estadista do evento. {Batam com moderação nessa crítica}.
Deixo como sugestão de inscrições para os próximos eventos – assim evita-se contratempos – a seguinte maneira:
Vou exemplificar com a nossa música.
Música: Passeata.
Intérprete: Angelino Rogério
Autor da letra: Athos Ronaldo Miralha da Cunha
Autor da música: Angelino Rogério

E, por fim, sugiro uma reunião – nos mesmos moldes da reunião inicial – no final do festival, para avaliação, críticas e elogios. Ouvindo os participantes a Fenae poderá aprimorar a organização a cada festival. E ganhamos todos em comprometimento e envolvimento com a arte na Caixa.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Ó de Almeida - Belém-PA



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Sou da opinião que para melhor conhecer uma cidade devemos caminhar. Caminhando pelas ruas sentimos o cotidiano e alma do lugar e dos cidadãos. Belém do Pará – nós, gaúchos e colorados, sempre lembramos do Claudiomiro* – é uma cidade acolhedora, belas paisagens e prédios históricos de uma época mais glamorosa. São muitos, mas o teatro da Paz é imponente e o cais do porto totalmente revitalizado. Em Belém do Pará as gurias são charmosas quando dançam o carimbó. Tanto quanto as gaúchas num bailado de uma vanera ou uma castelhana dançando um chamamé. Nessa semana andei muito pelas ruas e ruelas e conheci a cidade, já me considero um pseudobelemense.
Outro dia, ao cruzar em frente ao prédio da OAB-PA, estava lá uma longa faixa com letras garrafais de um tema que nós, gaúchos – e a maioria dos brasileiros –, desconhecem. Uma faixa impactante em caixa alta “ATÉ QUANDO OS ADVOGADOS SERÃO ASSASSINADOS POR PISTOLEIROS NO PARÁ”. Tive que bater duas fotos para compor a faixa completa. Isso ainda existe num Brasil que está distante do STF e dos demais poderes constituídos. Uma luta silenciosa e inglória nessas longínquas florestas.
Numa manhã dessas estava descendo a avenida Assis de Vasconcelos em direção ao rio, onde rumaria para o mercado Ver-o-Peso, cruzei por uma rua chamada Ó de Almeida. Pombas! Ó de Almeida? Fiquei pensando, alguma coisa estava errada na rua. Ô Almeida! Que história é essa de Ó de Almeida. Se é Ó teria que ser de Olmeida ou seria A de Almeida. Mas também não fiquei divagando muito por conta desse provável erro. Isso era um problema do Almeida e seu Ó. Continuei minha caminhada. Num poste de luz poucos metros da outra esquina, um cartaz anunciava o concurso público do Tribunal Regional Eleitoral do Pará. TRE-PA. Mas esses belemenses estão de brincadeira... seria um convite ou uma denúncia?
Antes de chegar na esquina da rua senador Manoel Barata, uma senhora atravessa e pede uma informação. Nesses brevíssimos instantes imaginei que tipo de informação seria: onde fica a catedral diocesana de Santa Maria, quem sabe a vila Belga ou a rua do Acampamento ou o ônibus para a UFSM. Viagem minha, lógico, uma senhora em Belém jamais pediria tais informações. Então eu disse, pois não!
– O senhor saberia me dizer onde fica a rua Ó de Almeida.
São essas incríveis ironias que me deixam sestroso. A única informação que eu poderia prestar era justamente essa: onde fica a rua Ó de Almeida. Se ela perguntasse o hotel onde estava hospedado eu teria dificuldade em responder, mas a rua Ó de Almeida, essa estava encravada na minha mente. Naquela esquina conversei um pouco com a dona Maria Quitéria... ela era o maior barato.
Segui minha caminhada como um escoteiro que prestou a boa ação do dia.
Chegando no mercado público presenciei um larápio furtar um colar de uma outra senhora. Tudo instantâneo e muito rápido. Um grito, correrias e tudo volta ao normal em segundos.
E eu fui ver Ver-o-Peso e não achei nenhuma balança para ver o peso. Coisa de paraense.


* Claudiomiro, para quem não sabe, foi craque do Internacional no início dos ano 70 e falou, certa feita, antes de um jogo contra o Paissandu, que se sentia muito feliz em jogar na terra que Jesus nasceu.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Zé Alcides e a exumação de Jango



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Numa carpeta nas proximidades do cemitério Jardim da Paz em São Borja, Zé Alcides – chimango e trabalhista dos quatro costados – perdeu todos os trocados que tinha, bebeu todas que podia, xingou Deus e todo mundo e saiu devendo até os cornos para o bolicheiro e, trocando as patas, enveredou no rumo do campo santo pelo meio da rua. Noite alta e lua clara.
Não era lá muito cristão, mas resolveu que daria uma passadinha no cemitério para rezar um Pai Nosso para Jango e para o Brizola. E, de lambuja, uma Ave Maria para o Rillo. Sabia que o cemitério estaria fechado, mas iria rezar pelo lado de fora, pois os túmulos de Jango, Brizola e Rillo eram próximos ao muro. E pela grade tinha uma boa visualização.  
Balbuciava a música “Recuerdos da 28”.
“Entro na sala no meio da confusão, fico meio atarantado que nem cusco em procissão...”
– Meu Deus do céu o que está havendo no cemitério? – falou ao ver uma intensa movimentação de gente, luzes, holofotes, microfones e carros na rua.
Um intenso movimento no interior do cemitério. Deu uma espiada pela grade do muro e viu o túmulo do Jango todo encoberto por uma lona.
– Ala pucha! O que fazem esse mundaréu de gente aqui a essa hora da madrugada. De onde vieram esses astronautas? Bah! Isso é uma heresia com um cristão que está descansando em paz – comentou o incrédulo borracho.
Zé Alcides nunca havia presenciado uma exumação, aliás, São Borja e todas as Missões nunca haviam presenciado uma exumação. E nem sabiam o que era, mas a turma dos curiosos e palpiteiros era grande.  
– Exuma... o quê? – foi a pergunta que Zé Alcides fez a um conhecido um pouco menos enxaguado, que também estava junto a gradil do muro.
– Eles vão levar o corpo do Jango, ou o que sobrou dele, para Brasília. Não fala pra ninguém, mas eu acho que eles se enganaram e estão levando o corpo do Brizola.
– Bem capaz!
Bueno, o fato é que Zé Alcides não entedia bem o porquê de tudo aquilo após tanto tempo depois da morte. E também não fazia muita questão de entender, seu estado alcoólico atrapalhava o raciocínio. Mas ficou por ali, nas proximidades da entrada do cemitério aguçando a curiosidade.
Logo em seguida sai o esquife de Jango coberto com a bandeira do Brasil. Zé Alcides emocionado vai às lágrimas e empina o que havia sobrado de cachaça numa garrafa de plástico. Em poucos minutos todo o burburinho se desfaz. E volta a reinar a paz no Jardim da Paz. Todos descansam em silêncio. Zé Alcides fica escorado num poste de luz. Um cachorro se aproxima. E como todo bêbado guasca puxa assunto com qualquer ser vivo, Zé Alcides começou a prosear com o cusco.
– Tu não vai imaginar o sonho que tive... levaram o Jango daqui. Voltou para Brasília. Tinha até uns caras de outro mundo... Que sonho esquisito, preciso parar de beber...
O cãozinho deu uns latidos por conta de outros latidos vindos da redondeza e Zé Alcides espiou mais uma vez para o interior do cemitério. Se convencendo de que estava tudo em paz, fez um sinal da cruz diante do túmulo de Silva Rillo e se foi trocando as patas noite adentro.