segunda-feira, 16 de março de 2015

Protesto - 15 de março de 2015


Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Numa das inúmeras manifestações que ocorreram no Fórum Social Mundial em Porto Alegre naquele ano de 2002, em uma delas eu caminhava pela avenida Borges de Medeiros procurando os melhores ângulos para as fotos. O Fórum Social tinha essa grande capacidade de congregar diferentes culturas e as mais variadas expressões humanas. Uma coisa de outro mundo... mas possível. Diversidade era a característica do Fórum Social.
Logo encontrei um grupo que portava uma enorme faixa da Liga Bolchevique Internacional, pouquíssimos integrantes, talvez o número suficiente para carregar a faixa. Eles eram revolucionários e queriam uma revolução internacional... acho que era isso. Vamos dizer que era o que de mais radical poderia existir naquele fórum. Pelo menos do que pude constatar depois de tantos anos. E, fora aquela faixa na passeata, nada mais vi ou li sobre a LBI. E a LBI não foi a síntese do FSM.
Por que citei esse grupo de revolucionários?
Porque o Fórum Social Mundial – fórum das esquerdas – contemplava um leque muito amplo do que convencionou-se chamar de esquerda. E numa manifestação os radicais são os que mais aparecem, são os que se destacam porque são ativistas. São os mais exaltados.
Então, chegamos nas manifestações desse 15 de março de 2015. Evidente que houve gente de todos os matizes que praticaram seu ódio e seu reacionarismo. Não estenderia o ódio de alguns ao conjunto da passeata da mesma forma que não estendo o ódio da filósofa Chauí à classe média ao conjunto dos petistas.
Numa manifestação que envolve milhões de pessoas pelo Brasil afora, não destacaria alguém que faz o pedido da volta dos militares, golpe na democracia, a suástica, grosserias com a Dilma e preconceitos e racismos desmedidos. Esses aparecem, mas não são a síntese do protesto. Inclusive, esses protestos de 15 de março tiveram um caráter apartidário. Vejo o dia 15 de março como um descontentamento geral com o que está posto: corrupção e impunidade. Esse é o cerne da questão.
Reduzir o dia 15 a golpe e elite branca é adiar uma avaliação mais madura depois de outros dias 15 que virão.
A avaliação política desse grito das ruas – que imagino, o governo fará – deve contemplar o verdadeiro recado. Traduzir o porquê milhares de pessoas saíram de casa para protestar. Será que basta um pacote para inibir a corrupção ou é algo mais profundo? Será que temos um milhão de golpistas no Brasil? Se temos, Bolsonaro vem em 2018. Se em junho de 2013 alguns baderneiros deturparam o que era pacífico, nesse 15 de março alguns da extrema direita reacionária aproveitou para também dar o ar da graça. E é bom que a direita se manifeste. E como eu gosto de ver a direita se manifestar, porque nos últimos anos a gente não sabe por onde a direita anda. Nos últimos anos a direita participa dos processos eleitorais, mas não encaminha o comprovante de residência. Eu quero saber quem é a direita nesse país. Dizem que tem até ministros no governo Dilma.
Esses raivosos de araque e de ocasião não são o âmago desse protesto de fim de verão. No meu entendimento os protestos tiveram um caráter pacífico de descontentamento com o que está dado. Uma política que se encaminha em desacordo com o que foi prometido na campanha. O mundo era maravilhoso em outubro, após quatro meses virou um caos. Um descontrole. E sobrou para a Dilma, embora não seja ela a única a prestar contas à população.
Renan Calheiros e Eduardo Cunha pensam que passaram incólumes pelo dia 15, mas acho que não. Não passarão.
 O recado foi dado ao governo. Caberá aos analistas políticos da Dilma fazer a tradução desse dia e encaminhar uma resposta a esse clamor. Se a análise ficar resumida em golpismo, terceiro turno e fascismo, não será completa, e a Dilma não saberá interpretar o que queriam esses milhões nas avenidas. Será ludibriada pelos seus princípios ideológicos de classe e pelos seus oráculos com o mesmo engessamento. A Dilma deve ouvir um leque amplo de interlocutores e captar o que sobrou desse domingo. O governo saiu chamuscado desse episódio. E é bom que tenha ciência disso.
Ou a presidente Dilma toma as rédeas desse processo e interprete o dia 15 de março com clareza e humildade – e talvez ela saia desse enrosco – ou, caso contrário, terá que ter umas aulas de funâmbulo.

ps
A palavra impeachment não foi usada propositalmente.


sábado, 14 de março de 2015

As três vidas



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Editado pela Língua Geral coleção Ponta de Lança –, esse romance recebeu o prêmio literário José Saramago da Fundação Círculo de Leitores em 2009. Nas primeiras páginas o leitor é capturado pela narrativa envolvente de João Tordo. Um mistério a ser desvendado nas 606 páginas. Quem será e o que faz Millhouse Pascal? Seus netos insolentes? O que tem a ver as Torres Gêmeas com o intrincado envolvimento do narrador com uma das netas de Millhouse Pascal? São apenas algumas das inúmeras questões que serão respondidas durante a leitura.
Essa empreitada é encarada com dedicação e ansiedade. A trama avança e o narrador vai surpreendendo o leitor a cada capítulo. Nada é enfadonho no livro, nem as narrativas secundárias que estão ali só para encher linguiça, uma linguiça de excelente qualidade. E a leitura avança incólume sobre as páginas. Um folhear lento e prazeroso na madrugada. Mesmo com a morte do principal personagem o livro perde o encanto.  O segredo que envolve a vida de Antônio Augusto Millhouse Pascal, o seu fiel jardineiro e o narrador da história. Morte, assassinatos, paixões e viagens. E uma corda bamba. Corda bamba?
Um final simples num restaurante em Lisboa entre dois irmãos. Simples, mas cheio de mistérios.
Não está convencido a ler esse romance? Então, veja o que escreve Francisco José Viegas sobre o autor “Uma das melhores vozes da ficção portuguesa”.
Estão na minha lista os outros livros de João Tordo.  

quinta-feira, 12 de março de 2015

Torcida mista – Beira-Rio X Maracanã



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Não pretendia escrever sobre a torcida mista, pois seria chover no molhado. A iniciativa recebeu os merecidos elogios para uma paz nos estádios. A imprensa gaúcha foi unânime em caracterizar a iniciativa como uma das mais belas dos últimos tempos em um Gre-Nal. Claro, com a exceção de um comentarista de São Paulo metido a besta. Um comentário insignificante que sequer merece crédito.
No entanto, nesse mês de março tive a oportunidade de assistir a um jogo na torcida mista do Maracanã. O clássico em questão era Fluminense x Botafogo com vitória do Flu por três a um.
Como seria de esperar, a convivência foi pacífica nas dependências do estádio bem como na arquibancada. Na torcida mista do Maracanã havia uma bandeira do Fortaleza e uma do Internacional, lógico. Uma foto ilustra esse texto. No gol do Botafogo comemorações dos torcedores e silêncio do Fluminense. Logo em seguida o inverso aconteceu com o gol do Fluminense. Tudo estava muito tranquilo até que um bate-boca acirra os ânimos. A poucos metros de onde estava um velho torcedor do Botafogo entra em confronto verbal com um jovem torcedor do Fluminense. Confesso, achei que os camaradas iriam se pegar no tapa, foram instantes tensos e um deles deu as costas  e se dirigiu ao setor de lanches.
Podemos afirmar que a torcida mista do Maracanã, naquele caso, era bem diferente da torcida mista do Gre-Nal. No Gre-Nal um colorado convidava um amigo gremista para ir ao estádio. E essa estratégia foi fundamental para evitar um provável acirramento durante o jogo. No Maracanã a torcida mista é em sua essência. O torcedor compra o ingresso para aquele local. Diria mais, é uma torcida mista, inclusive, com torcedores de outras equipes, como era o nosso caso. Ali também havia torcedores turistas que estavam para conhecer o estádio da Copa. Acredito até que pouco entendiam de futebol ou o que se passava em campo.
Então, me ocorreu uma grande dúvida: será que uma torcida mista nos moldes da torcida do Maracanã teria êxito no Beira-Rio ou na Arena? Aqueles xingamentos durante o jogo e o ferrenho bate-boca no intervalo, aqui no sul, seria algo tranquilo ou acabaria em socos e pontapés?
Embora esteja com essa dúvida, imagino que a experiência do último Gre-Nal deva ser mantida porque é a vitória da paz sobre os vândalos. E é pedagógico. Precisamos de mais torcida mista mesmo que seja entre um jovem casal de namorados ou uma mãe que acompanha o filho. O que importa é uma camisa vermelha ao lado de uma azul.
Ao final do jogo os torcedores deixaram as dependências do estádio numa boa com alguns turistas, ainda, tirando algumas fotos para recordação.

Impeachment da Dilma



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

O primeiro “Fora” que participei, e com relativo sucesso, foi o “Fora Collor”. Um momento histórico ímpar para os brasileiros, com efervescência política e muito envolvimento dos cidadãos de todas as camadas da sociedade. Clamava-se, naqueles anos 90, por menos corrupção e mais seriedade com a coisa pública. O “Fora Collor” culminou com o impeachment do presidente que renunciou ao cargo na undécima hora. No meu entendimento a cena mais marcante daquele período foi, justamente, os panos pretos nas janelas dos edifícios de todo o Brasil. Aquela atitude decretou o fim da Era Collor no Palácio do Planalto, na Casa da Dinda e no Lago Paranoá com o seu jet ski.
Collor amargurou o banco de reserva por dez anos e hoje é um senador e aliado político de seus principais algozes. Fazer o quê?
Outros “Fora” foram propostos nessa vida republicana brasileira. O “Fora Sarney” não fora suficiente para defenestrá-lo do poder. O “Fora FHC” surgiu em algumas manifestações e textos na mídia, principalmente, quando a emenda da reeleição fora aprovada e, até hoje, pouco convincentemente explicada. Quem estava por fora naquele período era justamente o povo. O “Fora Yeda” foi o mais ineficaz dos “Fora” dos últimos anos. A governadora passou incólume e altiva embora claudicante.
Esses “Fora” não prosperaram porque não havia indícios para abertura de inquérito, como também, vontade política, porque impeachment, como sabemos, é um julgamento político.
O “Fora Dilma” ganha adeptos por conta de todos os desmandos dos políticos das últimas décadas. É o trasbordamento de quem não aguenta mais tanta corrupção e poucas atitudes convincentes de gestores públicos. É um basta. É um chega. O “Fora Dilma” como discurso político e engajamento de militantes é legítimo. Afinal, estamos numa democracia. Agora, o caminho é longo até a abertura – se houver – do processo de impeachment. A sociedade precisa ter ciência de todos esses trâmites. O discurso “afoito” só da boca para fora diante de um microfone.
O processo de impeachment é um julgamento político e, sendo assim, envolve as engrenagens e interesses dos nossos parlamentares do Congresso. E isso escapa por entre os dedos de reles mortais. Mas acredito que não prospera, creio que o melhor para o país é a presidente Dilma ser julgada com o voto em 2018. A presidente Dilma precisa de um estafe que faça uma análise real e menos militante dos gritos das ruas. E tomar as rédeas desse governo.
Alguém aí falou em golpe? Também não acredito – sou descrente e já faz um tempinho –, acredito nas instituições e partidos democráticos. Esses Bolsonaros da vida são iguais a tosa de porco: muito berro e pouca lã. São figuras bizarras do nosso Congresso que não devem ser levadas a sério.
O Brasil precisa de seriedade com a coisa pública nas ações do governo e o fim da impunidade para os crimes de colarinho branco. Apenas isso, caso contrário, haja panelas para os panelaços e militantes para compartilhar memes nas redes sociais.