domingo, 17 de agosto de 2008

Duzentos anos de glória

Esse ano o Brasil comemora o bicentenário de vinda da Família Real Portuguesa. Muitos programas de televisão e vários livros foram lançados com essa temática. E é bom que assim seja, pois voltamos nossos olhos para a nossa história. A televisão torna-se educativa e os brasileiros têm a possibilidade de revisitar seu passado.
A vinda da Família Real foi uma epopéia. Deslocar uma corte inteira para o outro lado do oceano não foi uma tarefa fácil.
No entanto, ao analisarmos esse episódio histórico temos algumas dúvidas se há motivos para idolatria dos nossos nobres ou para comemorar esses 200 anos.
Nutrimos uma certa simpatia pelo príncipe regente Dom João VI, transpassava um estilo bonachão, glutão e, extremamente, inseguro. Algumas passagens de sua trajetória nos leva crer que Dom João era um covarde.
Consta que se a Família Real tivesse ficado em Portugal e enfrentado as forças francesas eles teriam vencido, pois o exército de Napoleão chegou aos frangalhos em Lisboa, os soldados mal tinham forças para carregar suas próprias armas.
Tão logo chegou ao Rio de Janeiro, Dom João requisitou casas para abrigar a nobreza. Colocavam as letras PR na porta para indicar que era do Príncipe Regente e que ali passaria a ser habitação de um nobre recém-chegado de Portugal. Mas a irreverência carioca não é de hoje e logo se disseminou o PR como Ponha-se na Rua.
Dom João também abriu os portos às nações amigas, ou muy amigas. Na realidade era uma abertura dos portos à Inglaterra que fez a escolta da Família até o Brasil.
Também, para financiar a nobreza e manter o status, títulos e condecorações, Dom João criou o Banco do Brasil. E o BB foi um incentivador das benesses Reais. Quando Dom João foi obrigado a voltar para Portugal, o Banco do Brasil sofreu o primeiro assalto de sua história, pois a Família Real e seu Príncipe covarde, mas astuto, raspou os cofres do Banco. O saque foi tão grande que a instituição ficou fechada por vários anos. Logo, concluímos que o BB não faz duzentos anos esse ano, pelo menos duzentos anos de atendimento ao público.
Naqueles tempos de monarquia brasileira, havia um jornal que circulava em Londres. O Correio Brasiliense que pertencia ao jornalista Hipólito da Costa. Pois esse jornal recebia uma “ajuda financeira” para maneirar nas críticas à monarquia e ao Príncipe Dom João. O nosso príncipe era preocupado com a imagem da nobreza.
Enfim, nos últimos tempos muito se tem falado de corrupção e vemos poucos punidos. Vemos manchetes de desvios de verbas públicas e temos uma imprensa submissa porque é conivente ou raivosa porque não conseguiu conveniências. Assim, percebemos que esses desmandos também completam duzentos anos.
Vem de longe essa mania de misturar o público com o privado. Vem de longe essa mania de impunidade aos colarinhos brancos. Vem de longe essa hipocrisia.
Tintim! Duzentos anos de história. Estamos todos de parabéns.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Platão e um Ornitorrinco entram num bar...

O livro Platão e um Ornitorrinco entram num bar... de Thomas Cathcart & Daniel Klein editado pela Objetiva, traz como subtítulo A filosofia explicada com senso de humor, e é dedicado à memória de Marx, que resumia a ideologia básica quando disse: estes são os meus princípios. Se você não gostar deles, tenho outros.
Estamos vivendo uma Era de grandes modificações e descobertas científicas. Há uma competição desenfreada e o individualismo é a supremacia do ser. A informação é disseminada em tempo real sem a devida absorção e maturação da mensagem por quem recebe. Aceitamos esse bombardeio e pouco nos indignamos com as contradições, falsidades e desencantos.
Na política foi-se o tempo do debate ideológico. Acaloradas discussões e embates teóricos estão fora de moda. O pragmatismo político e eleitoral e as disputas por cargos e interesses individuais sobre o coletivo são a síntese da nossa compreensão política.
Não necessitamos ir aos primórdios do pensamento e nem debulharmos prateleiras das bibliotecas para retomarmos um mínimo de interesse no pensamento filosófico acerca do mundo em que vivemos. Mas Platão e o Ornitorrinco podem despertar alguns resquícios de crítica, contestação e indignação. Por que não começarmos com filosofia e humor? Afinal, ninguém é de ferro e a revolução não será fita por nós e nem seremos obrigados a escrever ensaios tri-legais.
O livro surpreende pela criatividade, tanto na abordagem filosófica com graça, que para nós, leigos, é uma mão na roda, como também no título. Lendo o título torna-se impossível não folhear o livro.
Se imaginarmos Platão e um Ornitorrinco em uma mesa do Ponto de Cinema, numa fria noite de segunda-feira, seria algo estupendo. Balançaria as estruturas políticas e ideológicas de Santa Maria e seríamos noticiados pelo Willian Bonner. Agora, se juntamos a essa mesa, o mestre Guina e o professor Ronai, não tenho dúvidas, cai a República.
Embora o conteúdo esteja aquém da profundidade que os acadêmicos gostariam, o livro é uma boa leitura para iniciantes e apreciadores do humor refinado.
A propósito, o livro é dedicado à memória de Marx, do Groucho Marx. Entendido?

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Um dia de Vento Norte

Um dia de Vento Norte causa transtornos em nossa rotina. Na madrugada percebemos sua chegada pelos assobios nas portas e frinchas das janelas.
Nos programas de rádios as manchetes se sucedem: Rajadas de vento do quadrante norte. Vento forte e temperatura elevada. O Vento Norte, uma das características de Santa Maria, agita a vida dos santa-marienses.
O Vento Norte é conhecido desde os tempos das primeiras ocupações no Rio Grande do Sul. No século XIX, Saint-Hilaire foi um dos pesquisadores que o identificou. Quando os militares acamparam por essas bandas, o Vento Norte já movimentava as lonas das barracas e agitava as bandeiras.
Santa Maria possui vários elementos naturais – morros, vales e planuras – mas o Vento Norte tem um significado especial e o carinho dos habitantes da terra de Imembuy. Odiamos, xingamos, amaldiçoamos, mas convivemos com esse desconforto. É uma relação de amor e ódio. Quem não praguejou na esquina da Rua Acampamento com a antiga Rua 24 horas ou na Floriano com a Bozano em manhã ventania?
O Vento Norte acontece em qualquer época do ano; não está restrito ao inverno, como é o caso do Vento Minuano. Esse vento está sempre na espreita e desmancha os penteados, esvoaça as cabeleiras e levanta as saias das gurias. É um vento malandro. Ponto para o Vento Norte. Mas também, danifica telhados, derruba muros e árvores. Vem de longe esse Vento Norte!
Certa feita perguntaram a um antigo morador de Osório qual seria a receita para ficar rico. Sendo um velho conhecedor da região, respondeu: se eu pudesse engarrafar o vento eu seria um homem rico. O Vento Norte de Santa Maria também é um antigo parceiro da cidade e não temos a intenção de engarrafá-lo, mas se o Vento Norte contasse as histórias de suas andanças, certamente, contaria muitos causos dessa Santa Maria cheia de graça, nos mais ínfimos detalhes.
Penso que o Vento Norte nos contou muitas histórias nesses últimos 150 maios, nós é que não tivemos a capacidade de ouvi-lo porque estamos sempre na dúvida entre o guarda-chuva e o casaquinho de moletom.