sexta-feira, 6 de março de 2009

O Gol Iluminado


Tudo vermelho

Os autores aqui reunidos são fanáticos torcedores do Internacional. São torcedores que, além de xingar a mãe do árbitro, também exprimem suas paixões na tela do computador com sentimento e emoção. Nessa edição, estão os mais variados estilos de textos, mas todos extremamente apaixonados.
O Centenário foi o motivo dessa edição das crônicas coloradas de Santa Maria – O gol iluminado – porque todos nós, de alguma maneira, fizemos um gol para o Inter em um momento especial de nossa vida.
Quantos foram os gols inesquecíveis nessa trajetória de 100 anos de conquistas? São inúmeros e cada colorado tem o seu gol preferido. Um gol do Rolo Compressor. O primeiro gol no Beira-Rio. O gol do Octacampeonato. O gol da América, do Mundial ou os gols do Gre-Nal do século.
Mas é o memorável gol de Elias Figueroa, na emocionante decisão de 75 contra o Cruzeiro, que dá título a esse livro. Nesse projeto literário, temos uma agradável coincidência. Se um Dom Elias Figueroa foi o craque de um campeonato e símbolo de uma geração, nessa coletânea, temos um Dom Elias Monteiro que fez um golaço na capa desse livro dedicado aos colorados da Boca do Monte.
Torcer apaixonadamente é algo que transcende a razão. Estamos numa dimensão em que as atitudes ficam imunes ao ridículo dos mais incautos torcedores. Essa paixão encarnada nos torna reféns dos sentimentos e da aflição do nosso coração maragato. Torcer para o Inter é revolucionário, no sentido mais utópico e romântico da palavra. É libertário. Inimaginável. É indescritível. Um condor sobrevoando uma cordilheira. Um canário no galho de uma laranjeira nos confins da pampa. Um sorriso de um piá soltando uma pandorga no meio do campo. Meninas pulando sapata em tardes de sol. Um jovem casal dançando uma valsa numa varanda. Ou olhos sonhadores de um ancião num banco de uma praça, numa pacata cidade interiorana. Torcer para o Inter é simples como são simples os prazeres da vida. Mas, também, é caliente, fervoroso... é sobrenatural. A paixão pelo Inter nos eleva à condição de sobre-humano. É algo que foge ao controle, é mundano, contemplativo e eterno.
Torcer pelo Internacional é ser um comovido espectador do pôr do sol em qualquer um dos quatro cantos desse mundo colorado. Vai além do que pressupormos ser. É olhar para o planeta Terra e ver tudo vermelho.
Torcer pelo Inter é ser tudo e um pouco mais. Alguém duvida?
Boa e apaixonante leitura.

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Também são autores do livro.

Humberto Gabbi Zanatta
José Mauro Batista
Maiquel Rosauro
Odemir Tex Junior
Pedro Brum Santos
Tânia Lopes

domingo, 1 de março de 2009

A ditabranda

Quando menos se espera alguém abre um armário e nos coloca em estado estupefação. E aquela velha indignação adormecida desponta no horizonte. Nesse sentido sou agradecido à Folha ou Falha. Sei lá.
Há alguns dias, em editorial, a Folha de São Paulo insultou a memória de todos aqueles que lutaram, e muitos perderam a vida, pela redemocratização do Brasil. Um editorial arrogante, pois, inclusive, tiveram a audácia de usar um neologismo ditabranda para reduzir as conseqüências da ditadura militar no período de 1964 a 1985. Uma palavra sintetiza todo esse desproposito da Folha de São Paulo: lamentável!
Quem de nós não conhece um companheiro ou filho ou neto de um bravo brasileiro descendente dos anos de chumbo. Quem não conhece os relatos dos cárceres da ditadura. Renegamos a morte de Lamarca, Marighela, Fiel Filho e um sem fim de lutadores.
O editorial da Folha de São Paulo soa como um deboche, um escárnio para quem leu minimamente qualquer livro desse período. Daqui a algum tempo teremos cotas para as ditaduras, ou classificações: a ditalíquida, ditamole, ditabranda e a ditadura. Conforme o número de mortes e desaparecidos serão enquadrados em cada categoria. Fico imaginado uma reunião de ex-ditadores: a minha ditabranda só assassinou 5 mil guerrilheiros. A tua matou muito mais. Mas, mesmo assim, eu sou teu fã.
Se não fosse lúgubre seria hilário. Então, meus caros, escolham a sua dita.
É vergonhoso para quem se diz humano e racional.
Isso é conseqüência da falta de coragem do governo em abrir os arquivos da ditadura e externar suas barbáries e colocar em juízo os repressores e torturadores. Falta para o governo do companheiro uma gana missioneira dentro do peito.
No Brasil não temos punidos. Mas temos benesses para quem provar que foi perseguido, preso e torturado. Como se uma pensão sepultasse as seqüelas dos cárceres e do ódio dos torturadores. Até hoje tem brasileiros que não dormem porque estão sempre na expectativa de uma botina na porta e um fuzil na cabeça.
O Brasil, ao contrário de outros países da América Latina, recusa-se abrir esses arquivos. Não me surpreenderia se num futuro estaremos dando vivas ao general Medice. A ditadura militar brasileira ainda está no subsolo dos bem-guardados arquivos e longe dos livros de história. Esse silêncio todo me atordoa – verso de Chico Buarque – Cálice.
Viva a ditabranda – e cale-se – nossas cicatrizes não serão mais as mesmas.