quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Um cappuccino, por favor!


Tenho feito caminhadas regularmente. A maioria das vezes à tardinha pelas avenidas e ruas da Boca do Monte. Mas no período da feira do livro, o meu destino é a praça Saldanha Marinho. Queimo umas calorias e dou uma bombeada nos estandes, sessão de autógrafos e Livro Livre. Se for interessante, fico. Caso contrário, sigo o meu exercício. Dia primeiro, feriado, coloquei trinta reais no bolso para uma eventualidade literária e #partiucaminhada.
Em 20 minutos estava no pórtico da feira na boca do calçadão. A feira fervilhava na praça dos autógrafos. O que vejo? Um velho e conhecido amigo autografando. Não posso faltar, fui até a banca da CESMA e adquiri o livro. E me encaminhei à fila onde já se encontravam outros velhos amigos. E todo mundo falante. Após receber a dedicatória, convidei dois amigos da escrita para um café no Café do Theatro. O atendimento é 10 e o local é cinematográfico.
Pedi um cappuccino.
A ficha caiu quando a atendente trouxe o meu pedido. Diminuindo o preço do livro dos trinta reais me dei conta que não tinha grana para pagar o cappuccino.
Constrangedor, né? Um cidadão de bem sem míseros cinco reais para pagar a conta em um café.
Comecei a vasculhar a minha mochila até que alguém indagou se havia algum problema. Respondi que estava com uma certa desconfiança de que não tinha dinheiro suficiente para pagar a conta...
– Xá comigo! – foi a resposta. Me senti aliviado.
Hoje, eu me preparei para enfrentar a feira. Ao sair do serviço, saquei duzentos reais. Estava me sentindo um Eike Batista nos áureos tempos da OGX. Claro, convidei dois amigos para um cappuccino no Café do Theatro. Na hora de fazer o acerto um deles pula na frente.
– A despesa é por minha conta!
Tentei argumentar, mas não houve jeito. A minha conta foi paga pela segunda vez na semana. Um constrangimento às avessas.
Alguém aí topa um cappuccino no Café do Theatro? Pessoal, não se acanhem. Prometo que pago a minha conta.
Ah! Voltei com os duzentos reais para casa. Não precisei comprar, pois os dois livros lançados naquela oportunidade, pela Academia Santa-Mariense de Letras, eram gratuitos.


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Laranja de bolso


Lendo sobre o furto de chocolates praticado por uma nobre vereadora de Esteio – vamos combinar que é o menor dos furtos praticados por um político , lembrei-me de algo que aconteceu comigo e não faz muito tempo, que também envolveu um mercado e um furto ou quase furto de uma fruta.
Uma colega leva frutas para o serviço e me dá uma laranja. O lanche da tarde sem carboidratos e com vitamina C. Mas resolvi que iria saborear a fruta em casa e coloquei a laranja no bolso da jaqueta. No meio do caminho, resolvi passar no mercado para comprar pão, leite e uma garrafa de vinho tinto, claro. Malbec dos hermanos. Quando passo em frente de uma montanha de laranjas me dou por conta que estou com uma no bolso da jaqueta. Entro em pânico. Imaginei mil e uma situações: o gerente perguntando “O que faz essa laranja em seu bolso?” e um guardinha me olhando com desaforo. Todo mundo na fila me chamando de ladrão. Um barbudinho com uma bolsa a tiracolo iria comentar: garanto que estava com a camisa da CBF nas passeatas gritando Fora, Dilma! Coxinha! Nem cumprimenta o porteiro.
Outros diriam: corrupto, só pode ser petralha! Pão com mortadela pra ele!
A coisa foi evoluindo e eu disse para mim mesmo: calma! calma! calma!
Mas o que faço com essa laranja? A primeira ideia foi colocar “de volta” na pilha das laranjas. Mas era um presente da colega. E eu não estava a fim de presentear o mercado com a minha saborosa e insignificante laranjinha de umbiguinho.
Resolvi deixar a laranja no bolso. Comprei pão, leite, o tinto argentino e mais uma dúzia de laranjas e fui para o caixa. Como estava falante com a atendente. O tempo. Lava-jato. Triplex. Roubalheira. Quando falei em roubalheira me lembrei da laranja no bolso. Então, para disfarçar comecei a assobiar o hino do Internacional e balbuciei um “Time grande não cai!”.
– O senhor é bem fanático! – falou, sorrindo.
Sou, mas agora é puro nervosismo! – pensei. E sorri de volta o mais amarelo dos meus sorrisos. Um sorriso alaranjado.
Senti um alívio quando botei o pé pra fora do supermercado.
Em casa, descasquei a laranja – sou capaz de descascar e deixo a casca inteira –, sou da opinião que só os idosos ou quase idosos conseguem essa façanha e saboreei uma suculenta laranja que quase furtei do mercado.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

A estante, o comunista e os morangos

ábado à tarde: frio e chuva fina. O clima estava convidativo para um cochilo após o almoço. Ao invés de uma preguiçosa sesta, resolvo sair para comprar uma estante.
Desço do carro – arrependido e com saudades da cama – e entro na primeira loja que cruza em minha frente. Olhei a estante escura, mas não foi do meu agrado. O vendedor falou que tinha na cor branca.
Negócio fechado com a cor branca, sem muito lero-lero e nhenhenhém.
O atendente gostava de prosear e o assunto enveredou, claro, para os livros e literatura. Para responder a pergunta sobre o tipo de leitura que gostava eu fui bem sucinto: ficção e política.
– Esquerda ou direita? – perguntou de supetão. 
– Mais à esquerda – respondi sem muita convicção diante do inesperado da pergunta.
Fez uma cara de espanto. Como se estivesse em sua frente uma espécie em extinção. A impressão que imaginei ter causado foi desfeita quando falou que fora militante comunista em São Gabriel. Agora foi a minha vez de fazer cara de espanto. Vamos combinar que ser comunista na Terra dos Marechais há vinte ou trinta anos não era uma tarefa das mais fáceis. Deveria ter muito maragato por lá, mas o que coincidia era só o vermelho da cor do lenço. O resto, nada. Aqui na cidade era, apenas, um trabalhador. Mas tínhamos alguns conhecidos em comum. Comunistas, claro. E mais alguns que perderam a convicção nesses anos todos.
Trocamos algumas ideias sobre a esquerda ou o que sobrou dela, divergimos, lógico, o cara ainda tinha resquícios de um passado pré-muro de Berlim. Afinal, era um velho comunista. Mas foi uma agradável conversa.
Saio da loja e me deparo com um vendedor ambulante na calçada. Várias caixinhas com morangos. Morangos vermelhos, tão vermelho quanto o lenço dos maragatos e a bandeira do Partido Comunista.
– São morangos do nordeste? – perguntei, e comecei assobiar a música. 
– São de Agudo – respondeu secamente.
Levei três caixas.
Cheguei em casa e fui saciar a minha vontade de comer morangos de Agudo. Mas em todas as caixas havia morangos mofados. Um salve ao Caio.
Restou, para mim, curtir uma soneca de final de tarde. Friozinho e chuvinha fina lá fora.


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Anita e Olga


Conhecemos Anita como uma mulher destemida e revolucionária. Guerreira e libertária, uma pessoa adiante de seu tempo. Anita Garibaldi símbolo de liberdade.
Mas, por enquanto, eu gostaria de falar sobre outra Anita. Ela mora aqui em casa. É inquieta e, imagino, muito independente. A Anita aqui de casa tem quatro patas e é agitada e alarmista. Extremamente escandalosa. Se vamos passear ela bota a boca em qualquer quadrúpede, bípede ou sei lá quantas patas tiver o vivente que passar pelo seu caminho. É metida e invocada. Penso que é bem parecida com a Anita – a humana.
Nos últimos tempos ela fez amizade com alguém da mesma espécie que mora do outro lado da rua, na quadra seguinte. Em alguns momentos conversam animadamente e cruzam as noites em altos papos – por vezes os papos são, literalmente, altos – e cada uma em seu portão. Mas eu acho que em outras situações elas brigam e o xingamento é de parte a parte. O nível baixa como se elas tivessem polemizando no Facebook sobre o tríplex do Lula. 
Eu não me importo que ela tenha amigos na redondeza e emita suas opiniões na cerca da casa, acerca de qualquer assunto em alto e muito elevado bom som.  Mas precisava ser nas altas horas? Durma-se com uma discussão dessas!
Na noite passada eu tive a nítida impressão que ouvi um xingamento tipo “Coxinha nojenta!” feito pela Anita e, de pronto, uma resposta “Petralha analfabeta!” vinda da amiga lá da outra quadra, mas foi só uma impressão minha. Desconfio – apenas desconfio – que entre elas há uma divergência tipo PSDB X PT.
Anita é muito inserida e espaçosa. Ela só não entica com a Olga. A Olga ela respeita, o furo é bem mais embaixo. A Olga tem uma habilidade grande com as mãos. Acho que ela possui alguma noção de artes marciais. E dá cada arranhão na Anita. A Olguinha não se mixa.
Ah! A Olga é a gatinha da casa. Silenciosa, calma, mas muito senhora de si. Muito diferente de uma outra Olga que como a Anita era “faca na bota”. Ambas revolucionárias e destemidas.
Agora que cheguei ao final da crônica fiquei na dúvida se escrevi sobre a cachorra e a gatinha que habitam essa casa ou sobre duas mulheres guerreiras.