quarta-feira, 30 de março de 2016

A liturgia do cargo



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

A atual classe política brasileira precisa rever e melhorar suas referências. Ulysses Guimarães foi um parâmetro de político íntegro. Aqui no Brasil ficou conhecido como Senhor Diretas e no dia de sua morte foi notícia internacional como Mister Democracy.
O velho líder do MDB falava sobre a liturgia do cargo. Um político precisa entender a importância da posição que ocupa. Ter a noção exata do que representa. Tem que saber que sendo uma figura pública sua conduta precisa ter a mesma condição da função conquistada. Se um indivíduo é presidente de uma entidade ou de um país precisa postar-se de acordo com o cargo que exerce.
É incompreensível que um ex-presidente em conversa com a presidente de república – por mais que sejam amigos íntimos e o papo privado – usem um linguajar chulo. Não condiz com a postura do cargo que ocupa e ocupou. A gente fica sem palavras.
Como entender que uma conversa entre ministros de estado o comportamento seja como o de uma torcida na geral do estádio.
É difícil conceber que um pré-candidato a presidente da república se envolva num bate-boca com populares em frente ao prédio onde mora o irmão. Naquela ocasião podemos ver e perceber toda a elegância, eloquência e sensatez do pretenso e tenso candidato. O barraco pegou geral. Um bochincho na 28 seria mais requintado. [Ver no google a música “Recuerdos da 28”.] Aquela conversinha mansa e mole não engana mais ninguém.
Esses são alguns exemplos – tem muito mais – dos nossos referenciais políticos e, infelizmente, o que menos importa é a liturgia do cargo.
Eles sempre vão. Eles sempre voltam. Eles sempre estão. Com a mesma cara de jequitibá.
Costumo dizer que a democracia é cara e demorada, por isso temos que ter paciência com a democracia para que não seja traída. Uma democracia traída vira ditadura.
A nossa contrapartida deveria ser mais exigente diante da urna eletrônica. Mas não devemos nos resignar com esse caos e essa falta de educação generalizada e desrespeito com o eleitor. Se eles estão lá com o nosso voto é pelo voto que vamos tirá-los.
Dizem que a composição do Congresso é o espelho da sociedade. Sinceramente, espero que não. A liturgia do cargo vencerá.

O lotação da linha Pindorama



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Era vez...
Um lotação da linha circular Pindorama em um grande centro urbano foi motivo de acaloradas discussões por conta do condutor. Logo nos primeiros dias, após a inauguração, houve uma breve e insignificante polêmica, pois o motorista resolveu que deveria ser chamado de “motoristo”. Falou que tinha sido convidado para ser o condutor do lotação, e desejava ser chamado de “motoristo” Juvenal.
Alguns passageiros mostram-se insatisfeitos por tamanha exigência de um simples motorista. Eliseu, o primeiro passageiro a embarcar estava indignado, mas resignou-se ao sentar nos bancos da frente e na janela. Um professor de português afirmou que a palavra era de dois gêneros, mas o “motoristo” estava irredutível.
Após algumas semanas ninguém mais comentava sobre tal divergência. E o Juvenal continuava na condução do lotação da linha circular Pindorama. Aparentemente tudo estava normal, mas algumas manobras de Juvenal ao volante não foi do agrado dos passageiros. Dirigia o ônibus como quem pedalava uma bicicleta. Por vezes falava algumas frases que os passageiros não entendiam. A comunicação com Juvenal estava muito difícil. O descontentamento foi ganhando vulto e começaram as reclamações pedindo mais atenção do Juvenal.
A insatisfação foi tomando corpo e chegou à direção. Os passageiros mais exaltados estavam ameaçando alguns diretores na frente da empresa. Batiam panelas quando o lotação “passava lotado” pelas paradas.
Os mais raivosos pediam a troca imediata do motorista. Outros – amigos de Juvenal – gritavam “Não vai ter troca”.
Cada viagem da linha circular tornou-se um inferno. Uma parte dos passageiros gritava “Não vai ter troca” e outra parte gritava “Fora Juvenal”.
Numa calada da noite a direção da empresa resolveu se reunir para discutir e, se for o caso, definir o rito da troca do motorista Juvenal. Mas também decidiram que Juvenal continuaria na linha Pindorama por mais algum tempo. Precisavam de mais prazo para decidir.
Então, ocorreu o que ninguém esperava, os passageiros desembarcaram do lotação. Uma debandada geral. Eliseu foi dos primeiros e mais exaltados a desembarcar, dizem as más línguas com o lotação ainda em movimento. Inclusive o cobrador deixou seu cargo vago. Deixaram o Juvenal “solito no más” na condução do lotação. Não adiantou os gritos dos amigos de “Não vai ter troca”. O substituto de Juvenal já havia feito entrevista no departamento de recursos humanos e estava se aprontando para ser o novo motorista. Pronto para substituir o Juvenal na condução do lotação. Eram amigos – inclusive em outros tempos trocavam cartas –, mas o sonho de Hermínio era ser o motorista da linha Pindorama. E o cavalo estava passando encilhado...
Quando foi anunciado que Hermínio seria o novo motorista ele foi recebido com vivas. Agora, sim, a linha circular Pindorama teria um verdadeiro condutor. Todos estavam satisfeitos com a troca e voltaram em alvoroço para o lotação. Todos aqueles que debandaram por conta da troca de Juvenal voltaram a utilizar o transporte coletivo. Eliseu foi o primeiro a embarcar no lotação sob a direção do novo motorista. Embarcaram de braços erguidos dando vivas ao Hermínio. Era tamanha a euforia e felicidade dos passageiros que eles não perceberam quando Hermínio entrou na contramão, derrapou na curva e quase capotou o ônibus. Aos trancos e barrancos Hermínio passou a dirigir pelas ruelas, ruas, avenidas, não desviava dos buracos e não respeitava os sinais.
Hermínio era da mesma escola de Juvenal. Mas os passageiros estavam extasiados com o novo condutor e a normalidade havia sido recomposta na linha Pindorama.
E, assim, os passageiros da linha circular Pindorama viveram felizes para sempre.

quarta-feira, 16 de março de 2016

O duplo tiro no pé da Dilma




Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Hegel escreveu que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história são encenados duas vezes. Marx acrescentou: a primeira como tragédia e a segunda como farsa.
Então, vamos ao que interessa no momento truculento da nossa república. Para um governo claudicante é inegável que a assunção de Lula como ministro da casa Civil acrescenta um fôlego novo de uma raposa velha na articulação política e nas estratégias governamentais.
Nesse momento de instabilidade política e econômica a cartada de Dilma acontece como derradeira para salvar a sua pele, seu governo e sua história. O antecessor no primeiro escalão pode – eu falei pode – acalmar os ânimos do mercado e da base aliada e refrear o andamento do impeachment.
Durante o seu governo Lula conseguiu harmonizar, de certa forma, o capital e o trabalho: os ricos ganharam muito e os pobres foram beneficiados com programas sociais. A conjuntura econômica e a popularidade de Lula eram favoráveis. E o Lula era o cara.
Atualmente as atitudes dos agentes políticos estão mais acirradas. Há uma crise de credibilidade nos políticos e nos encaminhamentos da economia. As delações premiadas pagam mais que os bilhetes premiados das loterias da Caixa. E o país está envolto em um mar de lamas. Em algumas regiões, literalmente. E não vemos um horizonte claro... um novo amanhecer para sonhar.
Lula no ministério também pode – eu falei pode – aumentar a crise política, pois é mais um investigado nos altos escalões da república. Como também pode – eu falei pode – ser o interlocutor preferencial do governo. Relegando à eleita pelos votos dos brasileiros a uma atuação de coadjuvante.
A nomeação de Lula é legal – imagino, tudo dentro da lei –, nem foi preciso o “na política tudo pode”, mas é imoral. Um desgaste a mais para explicar. Porque estamos desconfiados que Lula está no ministério, também, para conseguir o tão falado foro privilegiado.
A presidente, no meu modesto entendimento, deu dois tiros no pé e um deles ela acerta. Se Lula não corresponder às expectativas a cartada foi em vão e um estresse a mais para seu rol de explicações. E o ex-presidente estaria, apenas, para se livrar da Lava-Jato by Curitiba.
Se for o superministro que imaginamos que será ela terá terceirizado a faixa presidencial e inaugurado o bipresidencialismo no Brasil.
Enfim, resta saber se Lula se enquadra na primeira ou na segunda parte da assertiva do velho Marx.

sábado, 12 de março de 2016

Manifestações



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Estamos num momento histórico de democracia plena no Brasil. Por isso há o amplo direito à manifestação.
Tenho amigos que participarão das manifestações. E não me sinto no direito de ironizar ou recomendar aulinha de história a quem quer que seja. Se o povo está nas ruas é porque o governo deu motivos. E o povo deve estar nas ruas justamente para fazer o governo funcionar. Se o governo está em crise que encaminhe estratégias para sair da crise. O que não pode continuar é esse marasmo em que estamos vivendo.
Se o povo for às ruas para apoiar o governo. Ponto para o governo.  
É um direito que temos em apoiar, criticar ou dar um basta a tudo que está posto. Um basta a essa crise de representatividade que temos.
O Brasil precisa de novos líderes que tenham uma visão de futuro e não os atuais engessados em tramoias. Enfim, o Brasil precisa urgente de uma reforma política, mas não uma reforma feita por esses atuais congressistas, esses perderam o pingo de respeito que tinham. Basta vermos o histórico dos presidentes da Câmara e do Senado. Foram eleitos pelos seus pares.
Eu não sei se a Dilma vai cair. Não sei se os militares tomarão o congresso. E também não sei se na partilha do xilindró haverá um equilíbrio entre PT e PSDB. Eu só espero que após o 13.03 e o 18.03 ainda estejamos vivendo em uma democracia.
Então, que nas próximas semanas cada um exerça o seu direito de ir e vir.