domingo, 28 de setembro de 2014

Voo noturno para Porto Alegre



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Quando aguardamos na sala de embarque do aeroporto sempre nos desejamos uma boa viagem. E quando somos chamados por aquela vozinha – na maioria das vezes metálica e, aos meus ouvidos, sinistra – para nos dirigirmos ao portão de embarque a ansiedade e o friozinho na barriga são legítimos e indesejados. Afinal, acidentes acontecem e a gente gosta de estar com os pés no chão. Dizem que todo ateu reza um Pai Nosso durante uma turbulência mais prolongada. Mas isso só pode ser intriga do Feliciano.
O avião taxiava preparando para a decolagem. Nas duas poltronas em minha frente viajavam uma vovozinha de uns oitenta e poucos anos e um netinho com uns oito e muitos meses.
A velhota deveria ser “marinheira” de primeira viagem, pois debulhava um terço. Só se ouvia o psiupsiupsiupsiupsiupsiu... dos lábios. O guri estava fascinado pela portinhola e noticiou que a hélice ainda não estava funcionando. A anciã suspirou e continuou mais devotamente no seu psiupsiupsiupsiupsiupsiu. Mas a inocência do netinho não tinha limites. Aí o guri pergunta à vó.
– Vovó! Titanic era avião ou navio?
Quase que a velha teve um troço. Abriu a revista da companhia tentando disfarçar o nervosismo. E falou um “fecha essa matraca” ouvido por todos ao redor.
Passados os momentos iniciais de “tripulação preparem-se para decolagem” e do “máscaras de oxigênio cairão automaticamente” comecei a contemplação das luzinhas das cidades e povoados sobrevoados pela aeronave. O lanche foi servido: suco de pêssego sem adição de açúcar e com baixa caloria e um pacotinho com meia dúzia de biscoitos integrais.
Nas viagens que fiz de avião sempre tive a curiosidade de saber por onde estava sobrevoando. Lá de cima é meio difícil identificar localidades, salvo por um detalhe geográfico bem definido pela natureza ou alguma obra de arte feita pelos humanos. Mas naquele voo noturno o comandante resolveu narrar a breve viagem de Navegantes a Porto Alegre.
“Os passageiros que estão à esquerda poderão ver as luzes de Torres”. Mais alguns minutos, novamente, o comandante fala “os passageiros que estão a direita da aeronave poderão ver as luzes de Caxias do Sul”. E mais alguns instantes, anunciou outras luzes do amado Rio Grande e se despediu. Logo vislumbrei uma série de luzes vermelhas e fiquei imaginado o que seria. Claro, o comandante entrou e falou que a direita da aeronave os passageiros poderiam ver as luzes vermelhas do belo e novíssimo Beira-Rio, estádio sede de jogos da Copa do Mundo. O comandante é colorado, imaginei. Mais alguns segundos – continuou o piloto – e veremos a Arena do Grêmio que, na minha opinião, é o mais lindo estádio do mundo. E deu um boa noite azul.
No corredor do avião aguardando o desembarque a velhota continuava com o seu psiupsiupsiupsiupsiupsiu do terço e o guri se lamentando porque não havia visto a ponte do Guaíba.
Realmente, existem mais coisas entre o céu e a Terra do que sonha nossa vã filosofia. Mas Shakespeare não contava com um avião da Azul com comandante gremista.