segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A greve dos bancários

Temos ciência que a greve causa transtornos. Mas a greve é um recurso legal utilizado pelos trabalhadores quando as negociações coletivas não avançam.
Os bancários estão em greve. Um movimento pacífico e nacional, com uma adesão jamais vista antes na história desse país (sic). A proposta da Federação Nacional dos Bancos é risível diante das estratosféricas lucratividades dos bancos.
Nas negociações específicas do Banco do Brasil e da Caixa, em que o patrão é o governo Lula, e do Banrisul, em quem o patrão é o governo Yeda, as negociações estão travadas.
Em relação a política da governadora a gente entende, pois compreendemos como a social democracia brasileira trata os funcionários e as empresas públicas. O governo FHC foi o que mais vendeu patrimônio público e o que aniquilou os sindicatos. Vivíamos sob a égide das demissões. A simples participação em uma assembléia do sindicato era motivo de temor.
Lula foi forjado no sindicalismo, enfrentou os poderosos e foi líder das memoráveis greves dos metalúrgicos no ABC. O que Lula mais ensinou para nós, sindicalistas, foi fazer e conduzir uma greve. Mas nos falta competência, fomos péssimos alunos. Mas temos um atenuante em nosso desempenho, os atuais negociadores do governo Lula são profundos conhecedores da nossa metodologia. Quando Lula assumiu a presidência, uma gama enorme de sindicalistas – combativos e arraigados cutistas – transformaram-se em governo e, como num passe de mágica, passaram para o outro lado da mesa de negociações. E com uma facilidade, que nos surpreende, incorporaram o estereótipo do mais soberbo dos patrões.
Se antigos companheiros estão do outro lado da mesa, por que as negociações não ocorrem? Porque do outro lado da mesa há o encanto do poder. A arrogância da gravata. Do outro lado da mesa as pessoas ficam travestidas de patrão e vestem o mesmo traje da prepotência, da coação e da ameaça. Na Caixa sofremos ameaça de gestores que estão em férias nas paradisíacas Ilhas Gregas. E nós vamos a Restinga Seca conversar com os colegas e sequer temos tempo para tomar um banho de sol nas Tunas.
Diante de mais uma queda da bolsa de valores pelo mundo afora, a greve dos bancários continua em todo o Brasil. Enquanto o capitalismo manqueja e busca conforto no dinheiro público para continuar sua agiotagem internacional, os bancários estão em greve e continuam dispostos a negociar com os governos Lula e Yeda, desde que venham despojados da empáfia do poder.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Relíquias de um tempo remoto - conto coletivo

Parte I – Athos Ronaldo Miralha da Cunha


Abriu, lentamente, o portão de ferro e ouviu o rangido do metal oxidado. Um ruído que provocava antigas e doces lembranças. Caminhou pelo pátio em direção à porta da casa e pode ver ao fundo da residência o mesmo pé de pereira de muitos anos atrás. Foi nesse momento que seus pensamentos voaram para um passado longínquo.
Roberto jamais imaginaria estar vivendo essa situação após tantos anos de ausência. Viu nitidamente, como um filme em preto e branco, enquanto caminhava pelo jardim, seus tempos de menino e adolescência, de uma vida modesta e pacata.
Em tempos remotos seria recebido pelos alegres e festivos latidos do cachorro. Banzé era nome daquele vira-lata que foi o seu melhor amigo de infância. A avó Carlota, uma vizinha que contava estórias de assombração em noites de lua cheia com todos os irmãos ao redor de uma mesa na cozinha, também foi motivo de suas recordações. No inverno Dona Carlota servia pipoca e amendoim e no verão Q Suco de framboesa.
Os pais se foram e há muito tempo, os irmãos estão um em cada canto desse mundão de Deus. A rua está asfaltada e não é mais a mesma em que seu pai fazia as fogueiras de São João. Não era a mesma rua que Roberto jogava bolinhas de gude e futebol com a meninada.
A sua casa era de uma família humilde: na sala um jogo de sofá e poltronas e uma mesinha de centro. Uma folhagem ornamentava o canto mais iluminado do lugar onde o sol dava sua graça nas manhãs de outras primaveras. Um dos quartos era ocupado pela máquina de costura da velha mãe que eternizava o balanço dos pés para atender sua vasta freguesia. Da cozinha Roberto conseguia lembrar apenas do paneleiro de metal feito pelo próprio pai que trabalhava no depósito de uma fundição.
Viera em busca de uma relíquia da família. Um castiçal que ficara na velha casa quando seus pais tiveram que mudar de cidade. Um castiçal de prata que sua mãe adorava porque era uma relíquia herdada de sua avó e era repassada do de geração em geração. Nenhum dos irmãos tinha ficado com o castiçal e Roberto estava ali diante da porta que outrora se abria para um guri arteiro e que, hoje, era uma muralha ou uma ponte para o passado. Beto estava prestes a vislumbrar os compartimentos da residência que o viu nascer e recuperar um pouco da memória de seus pais.
Seus passos são indecisos, mas segue em direção à porta da velha morada. Com a mão inquieta aperta o botão da campaninha e ouve uma voz rouca vinda do interior.
– Já estou indo... só um momento...
Diante de Roberto, uma senhora, uma anciã que tinha o rosto e um sorriso ingênuo muito familiar. E essa visão deixou Roberto desconcentrado.


Relíquias de um tempo remoto
Parte II – Antonio Candido de Azambuja Ribeiro


– A senhora é...
– Beto, que agradável surpresa!
– Vó Carlota?!
– Sim, meu filho, entra. Está frio aí fora, guri!
– Mas, a senhora... a senhora...
Roberto não completou a frase, tomado por emoção que não conseguiu controlar. Como poderia Vó Carlota estar viva e tão bem disposta, depois de décadas? E o que estaria fazendo ali, na casa que fora deles? Ou tudo não passaria de um delírio? Está certo que a viagem o deixara em estado de anormal excitação, mas daí a "ver coisas"! E só poderia estar "vendo coisas", pois ninguém, nem a boa Vó Carlota, poderia passar incólume pelo tempo. Depois que se mudaram, há 35, 40 anos, Roberto não se recorda do recebimento de notícias da velha senhora. E se, já na época, dona Carlota era velha – o que, então, para um guri, significaria ter 40, 50 anos –, atualmente, se viva, ela teria entre noventa e cem anos. Claro que, hoje, com os avanços da Medicina, as pessoas vivem mais. Mas o aspecto dela não é de quem tenha 90 anos. A senhora, que o recebeu, tem, se tanto, 70 anos. Mas, só pode ser ela, pois, se não fosse, como saberia seu nome?
– Beto, não fique aí parado, vem cá guri, me dá um abraço! Depois, vamos tomar um café novinho, que acabei de coar. E tem pipoca, amendoim torradinho e uma novidade. Lembras daquele pinheiro que teu pai plantou no fundo do pátio? Dá pinhões, que é uma beleza, cozinhei uma panelada deles...
– Dona Carlota, a senhora...
– Pára com isso, menino, que história é essa agora de "dona Carlota"? Me chama de avó, como sempre fizeste. Aliás, Beto, como tu demoraste para vir! Há muito tempo te espero. Sei que queres o castiçal de prata da tua finada mãe. Estes anos todos, o guardei como a mais preciosa das relíquias. Sei o quanto tua mãe gostava dele. Mas te confesso que cheguei a temer que não viesses ou que chegasses tarde demais. Sinto-me cansada e a casa parece também já não suportar o peso dos anos, a cada dia surge um novo problema: são goteiras, infiltrações, canos entupidos, fios que não suportam a carga de energia, janelas empenadas, portas que se soltam dos marcos, cupins nos móveis. Um horror, meu filho, mas o castiçal está como novo, todo dia o retiro da cristaleira, acendo a vela e, depois de limpo e lustrado, o guardo novamente.
Beto, olhos já acostumados à penumbra do ambiente, ao fitar a anciã, percebeu-a mais envelhecida, como se de repente tivesse envelhecido dez anos. Enquanto Carlota se afastava, arrastando os pés em direção à cozinha, Roberto sentiu uma lufada de ar frio. O vento forte e gelado de agosto escancarou a janela da sala, fazendo balançar um postigo apodrecido e preso à janela por uma única e enferrujada dobradiça. Beto sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Quando, chamado por Carlota, entrou na cozinha, viu, sobre a mesa, o castiçal com a vela acesa, uma xícara de café fumegante e pratos, ordenadamente dispostos, com pipocas, amendoins e pinhões. Sob a luz mortiça do castiçal, Carlota, pálida e encarquilhada, parecia ter envelhecido mais dez anos.


Relíquias de um tempo remoto
Parte III – Tania Lopes


Como num filme onde o ator rola sobre si mesmo, Beto sentiu uma vertigem e foi parar no antigo quarto. O velho guarda-roupa com o espelho trincado (– Tem que trocar esse espelho que dá azar! – quase ouvia a avó dizendo.) as três camas enfileiradas, quase juntas, pois a peça não era grande, era o mobiliário que acomodavam os seus sonhos de infância. E lá estava ele guri imberbe, ossudo e desengonçado, metido embaixo da cama, enfiando os dedos numa fenda do assoalho, fazendo com eles alavanca, levanta a parte do assoalho onde fizera a muito custo um buraco para esconder suas relíquias. Vistoria para ver se ninguém andou mexendo: o canivete que cortava tudo, a coleção de selos, as revistinhas dos heróis... Tudo ali! Retira debaixo dos gibis e folheia com sofreguidão a revista que tomara "emprestado" do irmão mais velho... Precisava olhar ligeiro e repor no lugar!
A excitação era grande! Então era isso que o mano olhava e não deixava ninguém ver? Se o mano descobrisse que era ele que surrupiara lhe dava uma coça de criar bicho! Sabia que não devia mexer nas coisas dos outros, mas a curiosidade muitas vezes é maior do que a noção do perigo... Olhou com gosto, detendo-se em cada detalhe antes desconhecido e agora ali, tão explícito. Sentiu uma coisa gelada no pescoço e, ao virar-se deu com o cachorro encostando o focinho, ganindo e lhe dando lambidelas! Precisava sair logo dali antes que alguém desconfiasse pelos ganidos do cusco:
– Sai, sai, Banzé... sai... – tentou convencer o cachorro enquanto recolocava a nesga do assoalho no lugar.
Vendo que corria perigo, a contragosto, meteu a revista entre o calção e a camiseta e se esgueirou devagar. Tudo tranqüilo, se não fosse o barulho das panelas vindo da cozinha, diria que estava sozinho. Pelo ronco de seu estômago e o cheiro que exalava pela casa toda, imaginou que a comida estava por sair, mas antes disso havia o ritual do banho. – lembrou:
– O banho chato de todo o dia... – nem terminou o pensamento e ouviu o grito:
– Chamem a gurizada pro banho! Daqui a pouco a comida tá pronta!
– Então eu vou primeiro! – gritou ele que nem tinha sido notado.
Abriu a porta do banheiro, viu a torneira pingando, o buraco do ralo, o chuveiro de água fria, a cesta de roupa suja, as toalhas diligentemente enfileiradas, o sabonete ordinário meio se desmanchando no nicho de louça... Fechou o trinco da porta e pela primeira vez sentiu que precisava de um banho gelado.


Relíquias de um tempo remoto
Parte final – Orlando Fonseca


Vento frio e úmido nas orelhas e no pescoço. Ainda estava à sua frente a anciã, com os olhos arregalados, o sorriso havia desaparecido, e a sua voz rouca repetia: moço, moço, você está passando bem? Tá sentindo alguma coisa?
Sentia-se estranho, olhou para os lados, como tentando reconhecer algo, parece que havia apagado por instantes, as pernas frouxas, e um mal-estar subindo-lhe do estômago. Aceitou entrar na casa e nada do que percebia dela, agora, guardava o que acalentara em expectativa por muito tempo. A senhora havia se encaminhado à cozinha, e voltava com um copo na mão, que lhe ofereceu gentilmente.
Enquanto sorvia a água fresca, tentava pôr em ordem as idéias, especialmente, lembrar o que viera fazer ali. Sim, aquela fora a sua casa, que por fora ainda guardava todos os traços que carregara vida afora, desde a infância e adolescência. No interior da casa, nada lembrava o aconchego, a proteção que sentia no convívio com os pais e os irmãos. Embora extremamente humilde, aquele antigo cotidiano era pleno de uma alegria simples e de uma fraternidade que se perdera, como perdera o contato com o que restara da sua família. Bem sucedido, cheio de diplomas e títulos, empregado de uma grande empresa no centro do país, ainda solteiro, estava ali, como se tivesse perdido algo. Entretanto, os quadros pelas paredes de tinta envelhecida não traziam fisionomias conhecidas, sobre os móveis repousava uma inexplicável poeira – tudo estava limpo – era como se os anos forçassem a sua impressão, e não inspiravam familiaridade e apego.
O mal-estar ia se transformando em melancolia e, antes que sentisse vontade de sair correndo dali, avistou a cristaleira. Era ao menos igualzinha à que guardara um objeto – não conseguia lembrar o que era na verdade – mas uma súbita centelha de esperança fazia com que sentisse ter vindo em busca dele, e não era em vão que estava ali. Pôs-se em pé e, com meio sorriso, perguntou à velha senhora se podia se aproximar do móvel. Ela sorriu, sem se opor e afirmou: claro, pode olhar à vontade.
– Dona Carlota... – saiu-lhe espontaneamente o nome, mas voltou-se para ela, a fim de conferir - a senhora é a dona Carlota, não?
Ela sorriu, mais uma vez, e corrigiu-lhe:
– Não...
– Não??? – surpreso - Seria capaz de jurar que...
Ela então interveio, mais uma vez:
– Engraçado, você não é o primeiro a me confundir assim. Mas no fundo tem razão, porque eu sou filha dela. Minha mãe morreu já faz muitos anos.
– Ah, mas a senhora não morava com ela, aí na casa do lado?
– Não. Quando mamãe morreu, eu vim para cá. Meus irmãos já morreram, e eu aluguei a antiga casa, que estava em melhor estado, e vim morar aqui, nesta casa que pertencia à minha família, e que já estava abandonada há uns bons anos. Seus irmãos... quer dizer, vocês moravam aqui, não é mesmo?
– Sim... a senhora falou em meus irmãos? A senhora os conhece? Faz muitos anos que não vejo meus dois irmãos, e minha irmã.
Então a senhora conduziu Roberto de novo para a poltrona, pois precisava falar alguma coisa. Nos últimos dois anos, fora visitada por três pessoas, em intervalos de alguns meses, e parece que se completava aquele ciclo de visitas justamente com ele. Todos se dirigiam à cristaleira, como se dali pudessem pegar algo valioso. Não perguntara a nenhum deles o que se tratava, mas parecia ser algo muito importante.
– Eu também tive esta impressão ao entrar aqui e ver a velha cristaleira. Parecida com a que tínhamos em nossa antiga casa.
– É muito provável que seja a mesma, pois já estava aí quando resolvi vir para cá. As outras coisas tive de jogar fora, pois já estavam muito estragadas e imprestáveis. Você por acaso sabe do que se trata?
– É estranho, muito estranho... mas não consigo atinar com nada, a não ser esta impressão muito forte de que ali haveria algo que eu precisava vir aqui resgatar.
– Então eu lhe digo o seguinte... – a senhora encaminhou-se até um balcão, abriu uma gaveta de onde tirou uns papéis – Isso aqui deve servir para alguma coisa.
Na verdade, eram uma folha rasgada de uma agenda, um cartão de visitas e o pedaço de um envelope de cartas. Nos três, Roberto pôde ler os nomes de seus irmãos, e os endereços deles. A velha senhora ainda acrescentou:
– Acho que valeria a pena vocês se encontrarem para lembrarem o que procuram. A propósito, você tem um cartão? Ou deixa escrito num papel, pra que se um deles voltar...
– Claro, claro – disse, tirando do bolso a carteira, sacando um cartão.
Depois de despedir-se, dirigiu-se ao velho portão, fazendo-o girar nos antigos gonzos. Ao guardar os papéis com os endereços dos irmãos, deu-se por conta do que realmente estava procurando.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Poema eleitoral



Quando um candidato do PT
Pede o meu voto
Eu pergunto:
Você tem esse boton?