terça-feira, 3 de junho de 2008

Sopa de Uglione

O encontro comemorava o primeiro aniversário da república dos estudantes no centro da cidade. Todos, com exceção do Joca, que tinha algo de português e espanhol, eram descendentes de italianos e oriundos da Quarta Colônia. E o assunto predominante não poderia ser outro: a culinária italiana.
O mais glutão dos presentes foi taxativo.
– Pizza quatro queijos é a minha predileta e com borda de catupiri. – salivou sem pestanejar o gordinho de volumosas bochechas. – Respiro profundamente e sou capaz de sentir o cheiro do orégano. Simplesmente deliciosa – completou.
Os comentários se seguiram. E quase todos envolviam o vinho tinto feito pelos colonizadores. Os melhores vinhos feitos pelas habilidades dos queridos antepassados.
– O bom vinho da colônia de Santos Anjos. Daqueles que a gente sente o gosto da uva, para mim, é o mais importante. Comida italiana tem que ter vinho e ao som da Mérica.
– E a cachaça de Val Feltrina. Nada igual!
– Cachaça não faz parte da culinária italiana.
– Vá me dizer que os gringos não bebem uma caninha de vez em quando?
– Vinho tinto que meu avô fazia. Supimpa!
– Supimpa é ótimo.
– O queijo da Nona, então, algo muito especial. E o salame? Divino.
– Nhoque de batata ao pesto. Nossa! Filé ao gorgonzola. Huuumm!!
Todos emitiam suas opiniões com a centenária convicção de imigrantes e conhecedores do assunto. Cada um o mais entendido e com as receitas mais mirabolantes.
Risoto ao vinho tinto. E tinha que ser Côtes-du-Rhône. Sopa de capelete. Rigatoni com Ragu ao Vinho, que ninguém entendeu o que era. Mas todos disseram que era ma-ra-vi-lho-so. – Dos deuses. – complementou um de Faxinal do Soturno.
O garotão com um jeitão meio espanhol, meio português, mas nascido na Bossoroca, estava quieto num canto da sala. Havia bebericado quatro doses de campari. Estava oitavado no marco da porta.
– E tu Joca? – perguntou alguém.
– Eu? Eu o quê?
– É! Que te parece a culinária italiana?
– Sei lá. – rodopiou o copo de campari, calmamente.
– Nunca saboreaste nada da culinária italiana? Uma pizza? Uma sopa? Um filé?
– Já... Eu gosto de Sopa de Uglione.
– Sopa de Uglione??? – entreolharam-se os mais convictos sobre a estranha iguaria.
– Na Quarta Colônia nunca se falou em Sopa de Uglione. E minha vó sabia tudo de sopa. Aliás, a velhota conhecia tudo sobre sopas, queijos e vinhos... e filhos. Teve nove.
– Vocês nunca tomaram Sopa de Uglione?
– Não! – foi a resposta incisiva e uníssona.
– Mas de quem vocês são descendentes? – e sorriu debochado.
Então, explicou. Sopa de Uglione: é uma sopa com umas massinhas com carne dentro e temperada. Simples... uma agüinha com massa e carne.
– Joca. Não seria Sopa de Anholine?
– A-nho-li-ne! Isso! – com a palma da mão bateu na própria testa.
– E, além do mais, não é agüinha. Ora! Agüinha!

segunda-feira, 2 de junho de 2008

50 anos de glória

50 anos de glória...
Cantando esse verso do hino do co-irmão, a mãe sentou-se à mesa para o almoço.
O marido e o casal de filhos adolescentes, todos colorados fanáticos, nada disseram. Apenas o guri resmungou um “me poupe”.
Passados mais alguns instantes a mãe volta à carga com o verso, repetindo, alegremente, duas vezes. 50 anos de glória... – cantava somente esse verso e silenciava.
– Todos os torcedores do co-irmão começam cantando o hino pelo “Até a pé...” ela, não! Começa com os “50 anos...” – falou virando-se para o pai.
– Mas eu quero cantar assim, ora. 50 anos de glória...
– Parece provocação.
– Ela não sabe o restante da letra.
– Domingo que vem eu faço 50 anos bem-vividos. E quero um presente do Grêmio. Entenderam? Nessa casa tem toalhas, chaveiros, cuias, agenda, canetas, bonés, chapéus, livros, camisetas – não sei quantas – bandeiras e até umas alpargatas do Internacional. Eu quero um presente do Grêmio.
– Pura bucha. – grunhiu o piá.
Mas o fato é que os três, marido e o casal de filhos adolescentes, estavam em frente a loja do Internacional e, disfarçadamente, com o rabo dos olhos, observavam a vitrine da loja do Grêmio.
– Quem sabe uma toalha.
– Não! Muito grande. Imagina aquela coisa azul pendurado no box do banheiro. Tem que ser algo menor.
– Um chaveirinho... um bóton. – disse o guri.
– Tem que ser maior, afinal, são 50 anos de glória...
– Argh!
Os três continuavam em frente a loja do Inter e contemplando, disfarçadamente, o presente a ser adquirido para a gremista.
– Uma camiseta!
– Tá louco! Ela vai passear com a camiseta. Nós estaremos almoçando no Monet e ela com a camiseta deles. Jamais!
– Então o quê?
– Umas alpargatas.
– Fechado, ela fica com o Grêmio nos pés. Não é até a pé...
– Eu tenho alpargatas do Inter.
– Então, vamos lá comprar.
– Três pessoas para comprar umas alpargatas. Vai, apenas, um.
– Quem vai?
– Eu não vou.
– Eu não vou. Imagina se um amigo me vê entrando na loja do Porto-Alegrense. Deus me livre.
– Vamos tirar no par ou impar.
– Não!
– Não!
Nesse ínterim apareceu a Danny Bananinha, amicíssima da filha.
– Danny, amigona, compra um presente para mim.
– Mas o teu aniversário não foi na semana passada?
– É para a minha mãe, ali na loja do Grêmio. E manda enrolar para presente.
A Danny volta com o pacote azul. O guri pega uma sacola na loja do Inter e se vão os três pelo calçadão. Um presente do Grêmio camuflado numa sacola do Internacional.
– Se ela cantar de novo 50 anos de glória... eu taco fogo nessas alpargatas. – falou o guri com cara de bem poucos amigos gremistas.