sábado, 30 de agosto de 2014

O golpe, a ditadura e o exílio.



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

O livro é muito bom. Narrado na primeira pessoa por alguém que viveu intensamente um dos momentos mais tenebrosos da história recente do Brasil. É um livro de memórias bem escrito e uma leitura leve e envolvente.
A história começa momentos antes do golpe militar de 64 – o autor era uma liderança estudantil – e encerra quando o autor volta do exílio em 1977.
São 250 páginas de pura e legítima história. Trata muito sobre lonjuras, saudade e apreensão. Encontros, desencontros e solidariedade. Nesse período de exilado o autor nos conta um pouco de Roma, mais de Buenos Aires e muito do Chile de Allende. Considera-se um duplo exilado: do Brasil e do Chile, pois vivia em Santiago quando Salvador Allende foi assassinado e deposto pelos militares com o apoio do EEUU.
Muitos personagens que são citados no livro – fazem parte da história atual da nossa luta política – e, na maioria, ligados a luta armada por serem considerados subversivos no Brasil. O autor não era um guerrilheiro, era um estudioso, um acadêmico, embora tenha sido taxado pela ditadura chilena de “Intelectual subversivo, izquierdista y muy vivo”.
Mas naqueles tempos qualquer cidadão que pensava um pouco diferente dos militares era considerado comunista etc. Mesmo quando retornava do exterior foi comunicado pelo comandante que deveria permanecer na aeronave, pois seria o último a desembarcar. Teve que prestar depoimento à polícia federal. 20 horas de interrogatórios no retorno ao país. Outros tempos... e pensar que ainda tem gente com saudades daqueles anos de chumbo...
Bah! Mas eu ainda não escrevi o título do livro e nem o nome do autor. O título é poético. Criativo.
Título: Cinquenta anos esta noite.
Autor: José Serra.
Surpreso? Eu também. O texto é bom e o livro é excelente.

ps.
Eu estava folheando o exemplar lá na Cesma com a clara intenção de adquirir quando um amigo – fã de carteirinha de Lula e da Dilma e dos 12 anos do governo petista – me indaga sobre o livro. Se eu iria ler um livro do Serra, um neoliberal, privatista, direitoso e outras cositas más.
Falei que sim. Gosto de ler tudo que é literatura daquele período. Ele desdenhou e eu acrescentei. Se eu fizer uma triagem das minhas leituras levando em consideração a base aliada dos governos de Lula e Dilma eu deveria ler “Marimbondos de fogo”.
O amigo sorriu amarelo e encerramos o assunto.
Enfim, comprei o livro do Serra, li, gostei e recomendo, principalmente, para os meus amigos historiadores.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O efeito Marina e o feito Luciana



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Minutos antes do primeiro debate entre os presidenciáveis na Band o Ibope divulgou, no Jornal Nacional da Globo, a pesquisa confirmando as especulações, Marina estava na disputa pra valer. Confirmou o que se falava à boca pequena e cálculos grandes. “Marina entrou no G4 e parece ser treinada pelo Marcelo Oliveira”.
Segundo o instituto, a candidata passou com larga vantagem sobre Aécio e está nos calcanhares da Dilma (eu iria colocar que Marina está na cola da Dilma, mas poderia parecer deselegante) e vence o pleito no segundo turno. Resta saber se “verdeou ou vermelhou o olho da gateada”. Mas uma coisa é certa: amarelou o sorriso. Esse prognóstico é uma péssima notícia para Dilma e Aécio. Esses dados importam em duas facilidades para Dilma, pois é mais fácil ganhar de Aécio no segundo turno, como também, é mais fácil perder para Marina. Essa pesquisa foi um complicador de estratégias.
Marina traz no seu currículo um histórico de 30 nos de PT e de lutas pelos povos da floresta, seringueiros, ribeirinhos, meio ambiente, uma pobreza superada com sacrifico. Foi alfabetizada aos 16 anos. Claro, um balaio de votos da última eleição, cerca de 20 milhões. Esses são dados concretos sobre a pessoa da Marina. Mas temos dados subjetivos pra incluir nesse favorável percentual do Ibope. Após a trágica morte de Eduardo Campos houve comoção nacional, emoção estadual e uma exposição larga na mídia da possível candidata. O tamanho disso a gente não consegue mensurar, talvez nas próximas pesquisas os dados vêm mais sedimentados e com maiores possibilidades de análises. Um dado é correto, a terceira via está posta e tem nome, sobrenome e história.
Assisti, atentamente, todo o debate da Band. A melhor participação foi de Marina. Mais segura, tranquila e senhora dei si. Não entrou nas trollagens de Eduardo Jorge e manteve-se sempre serena e extremamente séria. Não resvalou nas frases e nem tropicou nos temas. Bem articulada ao emitir uma opinião. Marina incorporou a candidatura de presidente, não entrou na disputa para ser coadjuvante. Na gíria do futebol: Marina está focada.
Dilma e Aécio terão que despolarizar uma eleição que até então estava grenalizada. Alteram-se, da água com gelo para o vinho na temperatura ideal, as estratégias de campanha. Resta saber quem receberá o balde de água fria.
Mas o debate da Band colocou outra pauta na ordem do dia ou da noite: o debate ideológico protagonizado por Luciana Genro. Aliás, ideologia é coisa que não se discute no Brasil há mais de uma década.
No debate da Band Luciana Genro era a única representante da esquerda. A esquerda que discute politica em sua essência e aprofunda temas polêmicos. As demais candidaturas contemplam um centro povoado com diversas facetas e uma direita reacionária e homofóbica.
Mesmo com pouco tempo e menos acionada com perguntas, Luciana conseguiu de forma explicita e didática colocar sua postura diante de propostas como: imposto sobre grandes fortunas, reforma agrária e reforma urbana. Conseguiu se apresentar e mostrar qual o debate a ser feito nessa campanha, mas parece que não há intenção e nem interesse nas demais candidaturas em debater temas que envolvem a elite agrária e urbana. Esse vespeiro está intocado.
Quando Dilma – orientada pelos marqueteiros – fez uma pergunta ao Pastor, deixa deliberadamente de debater assuntos pertinentes para o futuro do Brasil com os concorrentes diretos. Comodamente, fugiu do enfrentamento.
Marina Silva entra na campanha para despolarizar a eleição e Luciana Genro para o debate político mais agudo, olho no olho, cara a cara.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Balde de água fria



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

A causa é nobre: combater uma doença degenerativa chamada ELA.
O desafio do balde de gelo foi criado pelo jogador de golfe Chris Kennedy e popularizado na web pelo ex-jogador americano de beisebol Pete Frates. Assim, jogadores de futebol, vôlei, basquete e de conversa fora, entraram na onda do balde. Para cada balde na cabeça, três pessoas eram desafiadas e a coisa se desencadeou numa progressão geométrica se alastrando mundo afora. Criatividade? Nenhuma. Apenas despejar sobre a cabeça um balde cheio de gelo e água. Para evitar que os participantes esfriassem a cabeça num balde de gelo, apenas, para aparecer, algumas celebridades mostravam antes do feito o recibo do depósito. Afinal, o gelado desafio não deveria ser debalde e só afagar a vaidade do famoso de ocasião. Assim celebridades, pseudocelebridades e candidatos a celebridades levaram um banho de agua fria. Tudo em nome dela, a esclerose lateral amiotrófica.
Então, para combater ELA – não sei se a Manu levou um balde de gelo, acho que Ela não foi desafiada – as personalidades de todos os quilates e pessoas de todos os naipes acataram os desafios e jogaram um balde de água fria na cabeça.
Muito antes do Bill Gates e Mark Zuckerberg entrarem numa fria dessas, aqui no Brasil já tínhamos vários exemplos de “um balde de água fria”. No futebol, por exemplo, até o 7 a1 contra a Alemanha, o maior balde de água fria foi protagonizado pelo Uruguai na decisão da Copa de 50.
Recentemente, na política, quando tudo se encaminhava para uma grenalização entre a estrela e o tucano, a Marina entra, pelo acaso do destino, na disputa presidencial e pode colocar um balde de água fria nesse pleito, resta saber se em Aécio, Dilma ou nela própria.
Eu estou em dúvida se uso um balde de água fria ou uma caneca de água fria em cima do bidê. Afinal! Bidê ou balde? Mas acho que nenhum de nós está disposto a entrar numa fria. Salvo se for um decisivo jogo no Beira-Rio numa quarta-feira de frio e chuva.
Enfim, desafio alguém que esteja disposto a contribuir com um espumante “Segura Viudas” brut reserva ou titular, que eu entro com o balde de gelo. Uma celebração bem mais prazerosa e sem urros.

sábado, 16 de agosto de 2014

O amigo Mario




Athos Ronaldo Miralha da Cunha
           
Final de tarde em um bar. O pôr do sol do Guaíba emoldurava a cena.
Amigo A – Meu pai está nas últimas. É um vaivém do hospital pra casa e da casa para o hospital.
Amigo B – Sei muito bem o que é isso, essa sina passei há três anos. Só que era minha mãe.
Amigo C – Muito triste.
Amigo A – O velho está nas últimas, câncer de próstata. Metástase no estômago, fígado... um horror.
Amigo B – Nossa!
Amigo C – Muito triste.
Amigo A – Papai está com 50kg. E era um homem forte, trabalhador de pegar no pesado. Musculatura de touro. Essa doença é foda cara!
Amigo B – Só imagino.
Amigo C – Muito triste.
Amigo A – Dá dó de ver meu pai. Pele e osso. Olhos fundos e olhar triste – e emborcou uma Bavária sem tirar a boca da latinha.
Amigo B – Sinto muito velho...
Amigo C – Muito triste.
Amigo A – É nessa hora que a gente vê quem são realmente os amigos. O pai naquele estado, a mãe num desespero incontido. Confesso eu já estou estressado.
Amigo B – Tchê louco... não esmoreça. Tem que ter muita coragem.
Amigo C – Muito triste.
Amigo A – Sabe... papai tinha um círculo de amigos muito grande, hoje só uma pessoa vai visitá-lo. Naquele estado cadavérico... fraco... mal consegue articular umas palavras... é muito triste.
Amigo C – Muito triste – consentindo com a cabeça.
Amigo B – Garçom! Traga mais uma rodada. Esse pôr do sol está me deixando triste – fazendo um clique com os dedos polegar e o médio.
Amigo A – Eu admiro o Mario. O único amigo do pai que é perseverante. Visita o velho todos os dias. O Mario é um amigão.
Amigo B – Que Mario?
Amigo C – Bingo!
Amigo A – Aquele que te comeu atrás do armário. E está muito vivinho preparando uma picanha junto com o pai pra nós lá em casa. Vamos indo?
Amigo B – Sa-ca-na-gem!