terça-feira, 30 de junho de 2015

A mandioca da Dilma



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Por conta da Odebrecht e os jatos que lavam, eu relutei em fazer uma ode à Brecht. O momento não era propício. Sabe como é, né... os trocadilhos.
Mas a ode à mandioca da Dilma... (Está estranha essa frase. Vamos refazê-la.) Mas a ode da Dilma à mandioca é uma crônica anunciada. Algo inusitado, logo estaremos fazendo saudação à pinga, à erva-mate, ao pão-de-queijo, ao berimbau, ao pinhão e por aí vai. Não vai faltar fundão do Brasil para reivindicar uma saudação da presidente ao seu produto de “exportação”.
A situação porque passa o país tem tudo a ver com a mandioca e suas metáforas. Aliás, essa saudação à mandioca nada mais é do que uma metáfora que a presidente usou para dizer o que está por vir. E tudo poderá ser resolvido com a mandioca. O poder da mandioca nas relações sociais. O lobby da mandioca teria um poder transcendental. Sublime. Em alguns, como em outras eras, despertaria seus instintos mais primitivos. Imaginemos...
Isso me leva a pensar sobre as possibilidades da mandioca, metaforicamente, é claro. O que faria o jogador Jara do Chile, no jogo contra o Uruguai, se tivesse ao alcance da mão uma mandioca? Mas isso é só um devaneio meu, nem é bom avançar nas elucubrações.
Com a mandioca poderíamos fazer farinha e colocá-la toda no mesmo saco. Bingo! Será que não foi esse o recado de Dilma às críticas de Lula? Vá saber.
Com a mandioca também poderíamos fazer um escondidinho de bacalhau. Se bem que nesse prato estariam outros bem escondidinhos ou querendo se esconder. Seria um encontro de escondidinhos. Escondidinho de dólares não é possível gourmetizar. Não é para qualquer chef e sim para o máster chefe.
A mandioca é um símbolo nacional, não podemos negar, por vezes compete com o pepino e com o abacaxi. Mas a mandioca tem a sua fundamental importância. É rija, viril. Mas com um molho de carne ou frita fica muito saborosa.
Bueno, chega de mandioca e mandiocaços. Vou ali preparar um chimarrão e dar um viva à bombacha.

domingo, 21 de junho de 2015

Um copo de Brahma



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

No meu tempo de frequentador assíduo dos bares – coisa de séculos atrás – a gente pedia a cerveja pela marca. – Salta uma Brahma!
Não descia redondo, mas era a número um. Como sempre fui meio metido a besta, gostava da Brahma Extra. Era mais chique, digamos. Um algo a mais no pedido. Passava um quê de entendedor de cerveja.
Confesso que para mim, era tudo igual. Até hoje não diferencio uma “vai verão” de uma “vem inverno”. Tinha um amigo que era profundo conhecedor de cerveja e só tomava Brahma. Certa feita, eu misturei Polar na Brahma dele e ele percebeu. Me deixou de queixo caído.
Num boteco perto de onde morava o bodegueiro só vendia Brahma. E costumava dizer “Toma Brahma e não reclama”. E, um outro colega, tomava Brahma porque a Brahma não variava de padrão, era ruim sempre. Posso dizer que a Brahma, na minha juventude, formou os futuros bebedores.
No meu caso, não. Eu raramente bebo cerveja. Como estou numa fase de redução de ingestão de bebidas alcoólicas, resolvi optar pelo vinho que, moderadamente, dá mais prazer. Então, dificilmente, chegarei num bar e pedirei “Salta uma Brahma”... “Extra”. Está fora das minhas intenções. Mesmo que hoje em dia as opções tenham aumentado. Podemos chegar num local e solicitar em alto e bom som “Salta uma Devassa”. Dependendo do lugar podemos ser retirados a pontapés do estabelecimento, receber realmente uma garrafa de cerveja ou sermos abordados por um percanterio.
Hoje, o que significa Brahma? Continua sendo a número um. Há controvérsias. Ou, quem sabe, o número um. Há controvérsia?
Ficou meio complicado pedir uma Brahma.
Então, para evitar enrosco com o Moro. – Salta uma Proibida!


quarta-feira, 17 de junho de 2015

O corretor de lotes

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Zé é um excelente corretor de imóveis. O melhor e mais eficiente da imobiliária. Um trabalhador extremamente dedicado à empresa. Um negociador de mão cheia. Zé nasceu para ser vendedor.
Com todo esse currículo, Zé foi incumbido de administrar um loteamento de alto padrão em uma área muito valorizada na cidade. Clientela direcionada: grã-finos.  
Zé teria que ser um administrador zeloso e de fino trato para negociar com a grã-finagem.
Então, o Zé entrou de corpo e alma no negócio e começou a execução do loteamento. Diante de tamanha envergadura do projeto envolvendo cifras estratosféricas o olho do Zé cresceu, junto com o olho, o bolso e a conta bancária. Os negócios das vendas dos lotes não foram – digamos assim – nada republicanos.
Os negócios estavam indo muito bem. A olhos vistos, diga-se. O Zé trocou de carro, tinha um Golzinho com revisão atrasada e focou num Focus. Morava num bairro popular e adquiriu uma casa no local mais chique da cidade e reservou um lote de terreno no próprio loteamento em que era o empreendedor. Zé queria ser vizinho dos ricaços.
Tornou-se o maior incorporador de loteamentos da cidade e comentava – entre um gole e outro de uma dose de uísque 18 anos – que logo seria o maior do estado. O Zé prosperou.
Zé era o rei dos loteamentos. O rei dos lotes. Qualquer área que o Zé empreendia quintuplicava de preço. Entre seus pares, num primeiro momento, ficou conhecido como Zé dos Lotes. Mas logo seus próprios pares reduziram a alcunha para Zé Lotes.
E assim o Zé seguiu seus negócios, praticamente intocável. Em silêncio e sem alarde. Dizem as más e as boas línguas que Zé Lotes sonha em ser governador, quiçá presidente.
Na camufla, sem alarde, quieto. O velho e inconfundível estilo do Zé Lotes.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

O pote de sorvete



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Fila de supermercado sempre rende. E, às vezes, atazana nossa paciência. Eu era o próximo da fila, tinha uma cestinha com meia dúzia de mantimentos. Na minha frente, passando as compras, um jovem casal. Após “autenticar” o último produto, o jovem do jovem casal lembrou que havia esquecido algo. E saiu em busca do que faltava. A caixa ficou aguardando – teve que aguardar – tamborilando na balança em sua frente. Quando o jovem do jovem casal chega com uma garrafa de “Velho Barreiro” a jovem do jovem casal também lembrou alguma coisa faltante. – É só um minutinho – e saiu.
E eu comecei a ficar impaciente. Tem pessoas que conseguem empatar a vida da gente. Então, a jovem do jovem casal chegou com um pote de sorvete “Diamante Negro”.
Bah! É tudo que estava precisando. Mas eu não sou do tipo que atrasa a fila. Estava salivando para cima do pote de “Diamante Negro”. E o pote não parava de olhar para mim. Aguentei firme. Iria ficar com os meus cereais, pão integral, creme de ricota e iogurte zero.
Nesse momento a moça do caixa soma a conta do jovem casal. Alguma coisa em torno de setenta e seis reais e uns quebrados. O jovem do jovem casal conta o dinheiro e percebe que falta um pouco. Tinha R$ 70,00. O jovem do jovem casal olha para a jovem do jovem casal e fala.
– Vamos ter que tirar uma mercadoria. Tenho só setenta.
Eu comecei a ficar nervoso. Já não sabia como externar meu descontentamento. Para me vingar e deixar o cara que seria o próximo “P” da vida, pensei em ir buscar o pote de sorvete. Seria muita maldade.
Então o jovem do jovem casal falou. – Tira o pote de sorvete.
Bingo! Sorri em silêncio.
Da minha lista de compras foi o primeiro que passou. Recomendo, é muito bom.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Os cadeados das pontes



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Tomo emprestado alguns dos versos de Mario Benedetti – A Ponte – para iniciar essa crônica.
“Para cruzá-la ou não cruzá-la eis a ponte. Nunca trouxe tanta coisa, nunca vim com tão pouco. Na outra margem alguém me espera com um pêssego em um país”.
As pontes estão nos noticiários. Sempre estiveram porque sempre estamos cruzando por uma ponte. Mas existem pontes e pontes e podemos nominar algumas: as pontes do ódio, do preconceito, do racismo e tantas outras a serem cruzadas e todas com cancelas a serem abertas, principalmente, as porteiras dos nossos cadeados internos. Sonhamos com um pêssego na outra margem, quiçá outro país. Mas existem as pontes reais de ferro, tijolo, concreto e... cadeados. E são essas pontes que gostaria de comentar. As pontes que caem e as que permanecem. Uma em Jaguari e outra em Paris.
A prefeitura de Paris retirou 45 toneladas de cadeados da Pont des Arts. Os casais apaixonados colocaram mais de um milhão de cadeados nas grades da ponte com juras de amor eterno. Os “cadeados do amor” estavam colocando em risco a estrutura da ponte e, assim, acertadamente os técnicos – para isso existem os técnicos – avaliaram a possibilidade de danos. E a decisão foi baseada em laudos: retiradas de cadeados.
Alguns apaixonados e turistas sentimentais acham que terminou o encanto de Paris. Se o encanto de Paris eram os cadeados da Pont de Arts, Paris não deve ser tudo que dizem e mostram as fotos. O museu do Louvre, a Torre Eiffel e o Quartier Latin devem ser uma chatice. Cafés e vinhos outra chatice.
Costumo afirmar em tom de brincadeira que – dado o ranço ideológico que assola o Brasil –, a única vantagem de uma ditadura é a gente se exilar em Paris. Mas isso é só um chiste, por favor.
Mas vamos aos laudos. Os laudos foram feitos para serem emitidos por técnicos e cumpridos por quem tem o poder de decisão. Certo? Assim, no caso de estruturas das pontes – todas as pontes –, evitamos tragédias. Santa Maria conhece muito bem esses “cadeados”.
Logicamente, é preferível uma ponte sem “cadeados do amor” do que não termos uma ponte para cruzar ou bater fotos. O povo de Jaguari que o diga.
Do outro lado da ponte alguém pode esperar com um pêssego e um país, com uma laranja em Jaguari ou com um cacho de uvas e Paris.
Escolha as suas pontes e destrave os cadeados.