sábado, 21 de julho de 2012

Um livro para Morgana [Conto publicado na revista :VOX - ano 2 nº 03]



Athos Ronaldo Miralha da Cunha


– Hoje, choro por ser o dia tristemente marcado em bronze na minha existência – Maneco sussurrou ao caminhar, indeciso, rumo ao encontro de sua mais dolorosa despedida.
Estava profundamente abalado. Não era a pessoa feliz de duas semanas atrás na leitura de mais uma das divertidas cartas de Morgana.
A brisa fria e o tempo fechado tornavam lúgubre a tarde em que Maneco se despediria de sua bela amada de cabelos e olhos castanhos. Os passos eram incertos e o coração, um mar de saudade e sofrimento. Vinha de uma noite maldormida e de uma manhã inteira de viagem. Estava recolhido em um silêncio generoso e num remorso tardio. Trazia os olhos encharcados de tanta dor. Não era o mesmo homem que há alguns meses agradecia aos céus por ter encontrado o grande amor de sua vida. Nessa curta trajetória indo ao encontro da tristeza, Maneco, percebe que fora um felizardo nos últimos meses.
Ambos chegaram juntos ao balcão da biblioteca pública e pediram o mesmo livro. Sorriram diante da coincidência.
A atração foi mútua e naquela tarde nenhum dos dois leu os livros solicitados à atendente da biblioteca. Foram para as salas de leitura e conversaram longamente. Sorriram e trocaram olhares maliciosos. Entre eles, sobre a mesa, dois intocáveis exemplares de uma antiga edição do livro de machado de Assis Memórias póstumas de Brás Cubas.
Como foi uma agradável tarde, resolveram que à noite iriam ao cinema. Uma aventura na tela para sacramentar o dia que havia sido especial para ambos.
Maneco e Morgana encontravam-se nos mais diversos lugares – universidade, biblioteca, restaurante universitário e nas praças – e se descobriram com infinitas afinidades. Assim, tornaram-se amigos e em seguida namorados. Frequentavam, habitualmente, os barzinhos, cinemas e baladas da cidade. Uma vez ou outra jantavam em um tradicional restaurante, mas o cardápio não variava entre o galeto e a pizza quatro queijos, cerveja e água mineral.
A vida foi eternamente maravilhosa até o dia em que Morgana chegou ao encontro com ares de desolação. Então, comunicou que estava de mudança. Seu pai havia sido transferido para a sua cidade de origem. Inclusive, teria que transferir a faculdade.
Maneco não sabia, mas aquele beijo de despedida no fim de uma noite, seria o derradeiro beijo e a última visão do rosto de Morgana. Do angelical e sereno rosto de Morgana.
Prometeram-se trocar cartas, não esqueceriam os e-mails, Twitter e Facebook, mas as cartas seriam especiais. Nas cartas declarariam o amor de um para com o outro. Pelas cartas escreveriam os mais sinceros e apaixonados poemas. As cartas seriam mais pessoais, mais íntimas e a espera pelo carteiro, uma doce e excitante espera. E para selar esse compromisso, Morgana doou para Maneco a caneta que havia ganhado do avô por ocasião da aprovação no vestibular. Um presente como prova de seu mais puro e sincero amor.
Maneco aceitou prometendo devolvê-la no dia que iria buscá-la para ser sua companheira pela vida afora.
Assim, nas semanas seguintes, trocaram alguns e-mails e muitas cartas. As cartas de Morgana eram apaixonadas e bem-humoradas. Um humor inteligente e requintado. As cartas de Maneco eram, apenas, apaixonadas.
Certo dia, numa noite de relâmpagos, trovoadas e maus pressentimentos, por volta das vinte horas, Maneco atende um telefonema.
– Alô... Maneco?
– Sim...
– Aqui quem fala é uma amiga da Morgana.
– Tudo bem?
– Maneco... a Morgana... sofreu um acidente de carro... um terrível acidente... Maneco...
– Como ela está?
– A Morgana...  Maneco... a Mor... gana... não resistiu aos ferimentos...
– Não!
– A Morgana faleceu...
A notícia havia sido arrasadora. Nada parecido... nada tão fatal...
Após essas melancólicas reflexões, colocou a mão por debaixo do paletó e pode sentir a caneta no bolso da camisa – está como sempre esteve, próxima ao coração – comentou baixinho e foi a passos largos ao último encontro com sua amada. Estava ligeiramente atrasado, o cortejo fúnebre subia lentamente uma das alamedas do cemitério.
O vento assobiava pelas muradas e túmulos. E movimentava freneticamente as árvores. Dos presentes a essa despedida ouviam-se, apenas, os soluços de compaixão e tristeza. Diante do ruído das pás e das colheres dos pedreiros, um silêncio nostálgico. Foi nesse instante que Maneco deu-se conta que perdera Morgana para sempre.
O pastor encerrou a prece sob os olhares chorosos dos familiares e amigos. Os operários estavam prontos para colocar as derradeiras colheradas de cimento para vedar o túmulo. Foi nesse momento que Maneco pediu alguns segundos para uma derradeira e sofrida homenagem. Cabisbaixo, dirigiu-se para diante do caixão e depositou serenamente a caneta sobre o esquife de Morgana.
Fez umas orações em minutos que pareciam séculos e comentou com escassas palavras:
– Não vou deixar a caneta... deixo meu coração.
Com a mão trêmula e pesar na alma, pegou a caneta e saiu sem olhar para traz. A caneta, instrumento de várias e longas cartas de amor, não teria mais utilidade, mas ficaria ao lado esquerdo do peito. Eternamente.
No entanto, a vida de Maneco nunca mais foi a mesma, vivia num silêncio e quietudes absolutos. Todos os dias, por longos meses, dirigia-se até a biblioteca pública e pedia para a atendente o mesmo livro de Machado de Assis. Às vezes lia algumas frases buscadas a esmo. Mas na maioria das vezes sequer o manuseava. Ficava pensativo diante do exemplar sobre a mesa da sala de leitura. Com a caneta – presente de Morgana – fazia alguns manuscritos que em seguida eram guardados em uma pasta.
Maneco sempre pedia o mesmo livro e sendo um dos poucos frequentadores da biblioteca a atendente comentou que ele poderia deixar o livro sobre a mesa que no dia seguinte aquele lugar estaria reservado para ele. Maneco sorriu e não disse nada. Apenas assentiu com a cabeça. Assim, sempre que Maneco chagava o livro já estava sobre a mesa. A mesma edição antiga do exemplar de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Até o dia em que Maneco não apareceu mais. E o livro ficou solitário sobre a mesa na biblioteca.


sábado, 7 de julho de 2012

"Si se calla el escritor"




Athos Ronaldo Miralha da Cunha

No mesmo dia em que a torcida do Internacional faz uma calorosa recepção para o melhor jogador da copa 2010 – o craque Diego Forlán – leio a notícia no jornal que outro craque – Gabriel García Márquez – não vai mais escrever.
O Gabo, como é conhecido carinhosamente o colombiano, sofre de demência senil e está perdendo a memória. Uma notícia lastimável para a literatura. O escritor não escreve mais, por isso ninguém escreve ao coronel e nós, leitores, como o general, ficamos em um labirinto. Um labirinto que só a literatura pode explicar. Não leremos mais um livro de García Márquez, e, assim, nos colocamos diante de um pelotão de fuzilamento na fictícia Macondo. Hoje, somos todos personagens de García Márquez, ficamos órfãos de sua genialidade e lamentamos essas notícias tristes. Aliás, uma puta notícia triste.
“Si se calla el cantor, calla la vida, porque la vida misma es toda un canto” diz a bela canção de Horácio Guarani. Eu diria que quando se cala um escritor, também cala a vida, porque a vida mesma é todo um livro. Extingue-se a produção. Mas permanece uma vasta obra a ser desbravada e um autor a ser admirado. Lamentamos profundamente, mas é a lei da vida. Quem sabe se no dia de hoje não nasceu um escritor nessa sofrida América Latina.
Enquanto releio, aleatoriamente, umas passagens de “Cem anos de solidão”, vejo uma torcida apaixonada recepcionar Diego Forlán no Aeroporto Salgado Filho. Mais alguns minutos e o craque charrua recebe a camisa 7 de Valdomiro Vaz Franco. Um marco na história do futebol gaúcho que deixa os colorados otimistas com a perspectivas de novas conquistas.
Enquanto o colombiano encerra sua jornada com talento e sabedoria, um uruguaio chega a Porto Alegre para, também, cumprir uma jornada com talento e sabedoria.
Recoloco o livro de García Márquez no seu devido lugar na estante. Triste pela literatura, feliz pelo Internacional. Essa é a grande contradição de quem é apaixonado pelos livros e pelo futebol.
Diego Forlán e García Márquez os nomes desse sábado ensolarado no Rio Grande do Sul. Esse dia – 07.07.2012 – fica marcado dialeticamente como triste e alegre.
Obrigado Gabo. Seja bem-vindo Forlán.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Cancha Reta [Athos - Tania - Vitor - Candinho]


Cancha reta
Athos Ronaldo Miralha da Cunha – capítulo I

Cetembrino Goulart Tavares – conhecido como CTG – era um dos melhores cavaleiros em uma cancha reta. Mas carregava um estranho nome: Cetembrino com C. O velho Tibúrcio Tavares – o TT – não teve a intenção de que o filho tivesse a alcunha CTG, mas foi intencional o C no nome do pirralho para formar a sigla. Afinal, TT era o eterno patrão do CTG Galo da Fronteira. E o guri também era galo. Um galo parido, às pressas, na sala do CTG num 20 de setembro de 20 anos atrás. Não se conhecia outro Cetembrino em toda a pampa. No povoado era, apenas o CTG, o melhor jóquei numa cancha reta.
O rapazola chegou faceiro como ganso novo em taipa de açude e, devidamente, paramentado para as carreiras. O lenço vermelho – marca registrada do maragato peleador e pé de valsa –, esvoaçava com o vento sul.  Montou no baio e aguardou a largada.
O povo estava numa pequena arquibancada e esparramado ao longo dos alambrados da cancha. Mas Cetembrino – naquele domingo de inverno ensolarado – correria com o pensamento voltado para uma prenda faceira que estava na plateia.  Uma prenda que viera lá dos Rincão das Cutias. Uma guria para quem o CTG estava arrastando as asas. O interesse de Cetembrino pela prenda começou após um xote figurado no baile de abertura dos festejos do aniversário do povoado no CTG Galo da Fronteira.
Seria para a Valquirinha que Cetembrino ofereceria a vitória em mais uma cancha reta.
Os parelheiros estavam na raia. Ao seu lado, Pablo Manolo um castelhano que viera do Uruguai para essa carreira especial. Chegou com pose de galo, ar vitorioso e bombeando a Valquirinha. Essa atitude petulante do intruso fez ferver o sangue de Cetembrino.
– Um charrua metido a besta. E que vai voltar para casa com o rabo no meio das pernas – comentou Cetembrino para um amigo momentos antes da largada.
Explodiu um tiro de garrucha e foi dada a largada. E uma nuvem de poeira levantou das patas dos cavalos. Bateram orelhas até meia cancha. Aos berros de bamo cavalo os contendores vislumbravam a fita de chegada.
Na plateia Valquirinha sorria e Tibúrcio Tavares sério como um capincho.


Cancha reta
Tânia Lopes – capítulo II

O pai do rapaz, como bom gaúcho, olhava e, por entre a fumaça do palheiro, media Valquirinha, sabedor que ela era do tal cambicho do filho. Não lhe parecia que fosse uma mulher adequada para o seu único herdeiro. Precisava de uma mulher séria, de família distinta e de linhagem de boas parideiras.
Não se sabia afinal a que família pertencia essa moça abusada que estava ali, no entrevero, no meio dos homens. De onde estava não lhe via a cara, apenas o cascatear da risada com a outra que a acompanhava. Chamava a atenção dos machos, que, para aparecer, gritavam alto apostando num ou noutro cavalo, ou falando, elogiando ou fazendo troça dos atributos dos jóqueis. Ela, de blusa encarnada e saia floreada, mais parecia uma artista de borlantim – constatou o homem. Ademais, seu corpo despilchado de peito e bunda não lhe daria os netos como sonhava. Precisava no mínimo uns três netos para cuidar as suas três fazendas recém compradas.
Pelo menos essa era baixa, sim, único atributo que lhe dava vantagem. Para o filho não fazer má figura ao lado, não podia ser muito grande nem alta.
Lembrava o velho Tibúrcio, a vida lhe pregara uma peça quando ao nascer CTG lhe levara a mulher, franzina como essa. Não podia deixar o filho cair na mesma esparrela... Lembrava bem, o parto difícil, antes da hora, consumira a coitada sem dar tempo de levá-la a algum lugar com mais recursos. Fora atendida por uma parteira velha, que mal enxergava e nem que enxergasse poderia conter a hemorragia que ocorreu após o parto.
Ele ficara com o guri mirrado que criara guaxo com ajuda de uma velha uruguaia que servia também para lhe fazer um puchero e lavar as fraldas e os cueiros do guri. Assim sobrevivera o manhoso e crescera pouco, ao ponto de ter que vestir um colete com chumbos para chegar até a balança da corrida com 50 quilos. Quem ganhasse ou perdesse após a corrida, tinha como era de praxe, se pesar novamente. Coisas comuns nas carreiradas da vida! Um tira-teima que nem precisava, pois o espírito ético dos contendores não deixava dúvidas.
Saiu dos seus devaneios o homem ainda teso, na fortaleza dos seus sessenta e poucos anos, quando a moça em questão olhou pra trás, abriu a boca vermelha de admiração e lhe encarou com firmeza fazendo acordar seus sentidos de macho há tanto tempo adormecido, que se esquecendo da situação ousou pensar.
– Não posso perder para meu filho esta carreira!

Cancha reta
Vitor Biasoli – capítulo III

– Agora é que vamos ver quem é que vale ouro – gritou seu Honório, que apostara alto no Cetembrino. Ele cutucou o parceiro de anos, o velho Tibúrcio, e o percebeu com o olhar perdido para uma guria da arquibancada. “Tibúrcio não é disso”, pensou, “o que será que aconteceu. O velho anda tomando algum chá de ervas novo?
Honório olhou o amigo com uma ponta de inveja e esqueceu a carreira lá adiante. O médico lhe avisara que essas coisas não eram para um cardíaco da idade dele e que fosse tratando, sim, de dependurar as chuteiras.
Agora era apostar nas corridas, varar as noites no carteado e sentir nesses prazeres que a vida ainda podia lhe dar... Podia? O velho esqueceu a carreira, os cobres que apostara no guri, e bateu com as mãos nas suas pernas:
– Eta merda de mundo!.
Enquanto isso, o baio do Cetembrino falseava uma das patas da frente e vinha com todo o peso esborrachar-se no chão. O guri, sem pestanejar, soltava as rédeas e se jogava pro lado. Cetembrino evitava cair com o cavalo e nem dava chance do animal vir por cima dele. A plateia da arquibancada levantou-se num átimo e Tibúrcio pulou para o chão firme, saindo correndo na direção do filho. Todos os homens correram para ver de perto o acidente e nem notaram o castelhano cruzar sozinho o fita de chegada.
Valquirinha ficou de pé, as duas mãos em concha cobrindo parte do rosto, os olhos vibrando de espanto, medo e admiração.
– Será que o riquinho se machucou? – Valquirinha perguntou baixinho para a amiga. As duas logo viram Cetembrino caminhando entre a multidão e sorriram uma para a outra.
– O menino é um taura – disse a outra – um pequeno galinho. Logo vai estar ciscando por aí e encontrando uma ou outra galinha assanhada, não é mesmo?
As duas amigas riram novamente e nem notaram que Honório as observava. “O Tibúrcio pega uma delas, tenho certeza. Aquela, a mais risonha e de blusa encarnada”, pensou com raiva, muita raiva, sentindo que suas pernas pesavam, seu corpo pesava, e não tinha jeito de aceitar que a vida o deixara feito traste velho, imprestável.

Cancha reta
Antônio Cândido de Azambuja Ribeiro – capítulo final

Logo CTG, abrindo caminho entre o povo que se aglomerava em torno dele, todos entre surpresos e encantados com a agilidade do ginete, se aproximou de Valquirinha e de sua amiga, com largo sorriso iluminando seu rosto magro e anguloso. De forma irresistível os dois se tocaram e trocaram um rápido, mas caloroso abraço, sob o olhar rancoroso de Honório. Este, observando a cena, como se olhasse para lugar nenhum, esboçou um leve esgar de surpresa, como se perguntasse: “Mas como, não é o Tibúrcio que está pegando a guria? Ou – pensou quase em voz alta – os dois a pegam, sem que um saiba do outro?” E, concluindo o pensamento, disse para si mesmo: “Se for assim, hoje os dois ficarão sabendo!”
Os olhares estavam voltados para o jovem casal. Todos pareciam ter esquecido de que a carreira tivera um vencedor e que este, mais o proprietário do cavalo mouro e uns poucos apostadores que acreditaram no uruguaio e no pingo desconhecido estavam já a reclamar a proclamação da vitória e o pagamento do que lhes era devido.
Tibúrcio, que vira a cena do abraço e, mesmo feliz com a destreza do filho na rodada do baio, não se conformava com o e interesse de Cetembrino pela pinguancha, se aproximou dos dois, pigarreando para chamar a atenção. Nisso, Honório se junta a eles e, transtornado, em alto e bom som, pergunta:
– Mas, afinal, tchê, quem tá comento a guria? O pai? O filho? Ou os dois? CTG e Tibúrcio viram-se ao mesmo tempo para Honório com ar interrogativo, como se não tivessem entendido o questionamento do velho paisano. Este, vendo que fizera bobagem, mas consciente de que era tarde para retroceder, transforma as perguntas em afirmações:
– Pois então, pelo que tô entendendo do que vejo, les digo: Tibúrcio e Cetembrino tão pegando a guria de encarnado e parece que um não sabe do outro!
Pai e filho se olharam com olhar inquisitório e raivoso, como se ambos esperassem o desmentido um do outro. Mas o silêncio predominou.
Quando Valquirinha quis falar, um indistinto “cala a boca!” a emudeceu e Honório, vendo que as coisas fugiam a qualquer possibilidade de controle, também abriu a boca pretendendo dizer alguma coisa, qualquer coisa que servisse para distender o ambiente pra lá carregado que se criara por sua culpa. Mas foi Tibúrcio quem falou, enquanto gesticulava, tentando se afastar do meio do redemoinho, dedo apontado para Honório:
–Tu não te mete, lacaio!
E, finalmente, como se se desse conta do que estava acontecendo, como que para evitar uma desgraça, acrescentou:
– Meu filho, esse ordinário fiadaputa está fazendo intriga! Deve ser de raiva, porque, quando a gente era moço, eu comia a mulher dele!
– Tu não ofende a finada! – redarguiu Honório.
Alheio a esse diálogo meio sem nexo, CTG, parecendo cegado pelo ódio, afirmou que as coisas seriam esclarecidas ali mesmo, “à bala, se necessário”.
O povo se afastou, abrindo um círculo no meio do qual ficaram Valquirinha, Cetembrino, Tibúrcio e Honório. E em seguida, na blusa encarnada de Valquirinha, uma mancha escura se esparramou ligeira, a partir de um rasgo aberto em seu peito. A moça caiu, com um leve e quase imperceptível gemido, braços estendidos na direção de CTG. Honório, que caiu logo após, sequer gemeu. Morreu satisfeito com o desfecho da sua carreira, pois além de não precisar pagar os cobres apostados no baio de Cetembrino, com a morte pôs fim à sua sina de homem de pouca sorte, que, quando jovem, fora corno e, depois, mal chegada a velhice, se tornara um traste velho, imprestável, que nem pra rufião servia. E, de alguma forma, se vingava de Tibúrcio!