sexta-feira, 19 de março de 2010

A invasão do Uruguai


O dia 18 de março de 2010 ficará marcado na memória dos torcedores do Internacional.
Na tarde de uma quinta-feira ensolarada o país vizinho sofreu um tsunami colorado. A invasão vermelha foi protagonizada num estádio castelhano. Não eram Colorados, Blancos ou Amplios, mas, fervorosos e apaixonados torcedores colorados do Internacional de Porto Alegre. Evidentemente, com a devida cota de castelhanos na escalação. Provavelmente, “nunca na história desse país” uma equipe de futebol foi aclamada com a maioria dos torcedores em um estádio fora do Brasil. Podemos afirmar que o Inter estava jogando em casa.
Pela tarde a calle Sarandi ficou repleta de colorados. Todos tiveram a mesma idéia: antecipar a ida e fazer umas comprinhas nos free shops de Rivera. Claro que todas as compras estavam dentro da cota da receita. Lógico.
O Uruguai ainda vive o rescaldo da eleição de Pepe Mujica. Muitas placas e banners nas ruas. O comitê de Pepe ainda estava com as portas abertas. Então, gritei para o atendente que se votasse no Uruguai teria votado em Pepe... me respondeu com um sinal de positivo.
Logo adiante, na mesma, quadra uma camioneta com a estampa de Lara andava despretensiosa – em campanha no Uruguai? – pelas ruas de Rivera. É claro, mais um esfuziante torcedor do Inter. Campanha política, e eu pensava que ele era candidato ao governo gaúcho.
Na entrada do estádio mais uma surpresa. Partidários do PTB distribuindo panfletos de Luiz Carlos Busato e Gaúcho da Fronteira. Imagino que se no Brasil ainda não pode fazer campanha, eles foram fazer no Uruguai. Deve ser pelos votos dos doble chapas.
Voltemos ao que interessa no momento que é a alegria do futebol. Foram praticamente 25 mil colorados para assistir Inter e Cerro do Uruguai pela Copa Libertadores no estádio Atílio Paiva Oliveira, aliás, um belo estádio.
Um mar vermelho nas arquibancadas castelhanas. Na minha frente no setor da Tribuna Itália – geral superior – um casal de uruguaios com um filho. O guri com boné e camiseta e a mulher enrolada na bandeira do Inter. E eu só entendia o pero que si, pero que no. Penso que era a primeira vez que assistiam a um jogo do Internacional. Brinquei com o castelhaninho se ele não era torcedor o Peñarol. A resposta foi de pronto. Nós torcemos para o Nacional e para o Internacional. A mãe do guri acompanhava a ola com a máquina digital. Os torcedores do Cerro não participaram da brincadeira e em cada volta da ola levavam uma estrondosa vaia. O castelhano colorado sorria como uma criança.
Uma criança uruguaia que torce para o Inter, mãe e pai empolgados na arquibancada. E uma enorme faixa que dizia “Rivera está com o Internacional” nos faz pensar sobre o Mercosul que na política não avança. E a conclusão é obvia: para a paixão do futebol não existe mais fronteiras e nem limites. Os alambrados ficaram no passado. Fazendo jus a sua história e ao nome que carrega, o Internacional ultrapassou a fronteiras do Rio Grande do Sul como o time mais castelhano do Brasil. Uma equipe internacional.
No retorno, como tenho o salvo-conduto de Pepe, não foi preciso prestar contas na alfândega.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Saudades da revolução

Yo tengo tantos hermanos
Que no los puedo contar
Y una hermana muy hermosa
Que se llama libertad
Los Hermanos – Athaualpa Yupanqui


Aprendemos a admirar Cuba porque uma gurizada no final da década de 50 resolveu derrubar um ditador e acabar com as mazelas de um povo. Uma turma que ousou enfrentar um tirano. E todos aqueles que desejavam um mundo melhor torciam pelo novo regime liderado por Fidel, Che, Sinfuegos e tantos outros.
Tomávamos cuba libre para comemorarmos os vitoriosos de Sierra Maestra. Enquanto Cuba se tornava um país voltado para às causas sociais, pelo mundo afora surgiram algumas ditaduras sanguinárias. Na America Latina, Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e Paraguai houve regimes de exceção que torturavam e assassinavam dissidentes. Muitos heróis guerrilheiros do Brasil deram a própria vida em nome da liberdade. Temos diversos exemplos, mas Carlos Lamarca foi grande porque “ousar, vencer” era seu lema. Carlos Marighela também tombou em nome da revolução.
Eu faço parte da geração imediatamente posterior à geração que pegou em armas. Organizou guerrilha, foi presa, torturada e se não está em alguma cova clandestina, sofreu com o cárcere – como preso de consciência – e foi banida do país. A minha turma fez a revolução nas mesas do antigo bar “Em Cena”, que ficava na esquina da avenida presidente Vargas com a rua Floriano Peixoto. E só não conseguimos porque o bar fechou.
Todos nós conhecemos algum amigo ou companheiro que foi preso político ou que ainda chora o desaparecimento de um ente querido. Afinal, por quem choram “las locas de la plaza de mayo?”
Um amigo falou que não conseguia falar mal de Cuba. Eu também não consigo. Fidel tem cara de vovô e Raul de um simpático tio. Mas a notícia de presos de consciência na querida ilha de Fidel, nos constrange. E diante da morte de um dissidente, nosso silêncio não pode ser transformado em uma luta armada às avessas. Lula fez greve de fome e nos preocupava, mas aumentava nossa admiração pelo futuro presidente. Quantas greves de fome fez o senador Paulo Paim pela causa dos aposentados? E foi o primeiro metalúrgico gaúcho assumir uma cadeira no senado.
Guillermo Fariñas, outro dissidente político filho de revolucionários, sendo que seu pai lutou com Che no Congo, está em greve de fome pela liberdade de 26 presos de consciência. Guillermo Fariñas sintetizou a atual conjuntura cubana na seguinte frase: há momentos na história dos países em que precisa haver mártires...
Onde estão os revolucionários de hoje? No Brasil é mais chique ser ex- revolucionário e trabalhar num gabinete refrigerado. E, em alguns casos, com uma gorda conta no banco.
O que é ser revolucionário numa Cuba que tem mais de uma centena de presos políticos? Cuba precisa avançar na revolução. E isso compreende uma palavrinha que nunca deve sair de moda, democracia.
Cuba tem vários avanços sociais, mas precisa se renovar politicamente e nós que somos “amigos” de Fidel não devemos contribuir com nosso silêncio. Nosso silêncio é uma afronta a todos os revolucionários que doaram a vida em nome da liberdade.
Hasta la vista, companheiro!

Linque para a música Los hermanos

quarta-feira, 10 de março de 2010

A cova rasa de Getulio

twitter.com@athosronaldo

Chico Chimango recebeu a notícia do compadre Aparício. Ambos pitando, ao pé do braseiro, lá no fundo de um perdido rincão. Aparício falou, emocionado, enquanto acendia o palheiro numa brasa.
– Compadre Chico, os homens da prefeitura levaram o Doutor Getulio para o meio da praça.
– Não me diga...
– Botaram o velho numa cova rasa a tascaram um lenço colorado. Ta lá pra todo mundo ver, no meio da praça em São Borja. E agora chamam a cova de mausoléu.
Chico Chimango não acreditava no que estava ouvindo. Sempre rezava no túmulo de Getulio por ocasião das suas visitas a Tia Maroca nas proximidades do cemitério. O jazigo perpétuo dos Vargas fica bem na entrada do cemitério Jardim da Paz. E para não causar ciumeira nos falecidos também fazia umas preces para Jango e Brizola.
– E digo mais Chico, contrataram para fazer o túmulo um cola-fina lá do Rio de Janeiro, um tal de Neimar.
– Mas isso é uma sem-vergonhice. Aparício, São Borja não tem pedreiro?
Chico deu mais uma pitada, apagou o palheiro com o taco da bota e sentenciou.
– Hoje eu não vou porque tá se armando um temporal lá pros lados dos castelhanos – e temporal vindo dos castelhanos é coisa feia –, mas amanhã vou falar com o prefeito. Vou acabar com essa pouca vergonha.
Chico Chimango chegou na cidade a trote. Amarrou o cavalo num poste em frente ao Palácio João Goulart e foi em direção ao centro da praça. Olhou desconfiado. Realmente, havia algo como uma cova, bem rasinha, uma caixa branca com um lenço maragato, meio estranho aquele vermelho, e uma aba que dava a volta por cima da caixa branca. Perguntou para um passante se era verdade que o Getulio estava enterrado ali. A resposta foi afirmativa. Logo em seguida Chico puxou o facão para um taura que caminhava batendo esporas por cima da cova do Doutor Getulio. E se formou um alvoroço na praça. O ferro-branco reluziu, mas logo a turma do deixa disso acabou com a reboliço.
O prefeito, amigo de longa data de Chico, teve dificuldade para explicar que o maior arquiteto do mundo fez o monumento para homenagear o maior presidente do Brasil. E que aquele vermelho simbolizava o sangue do velho Pai dos Pobres.
– Mas prefeito, aquela cova é muito rasa. O povo passa por cima... – falou emocionado.
Assim, por causa do drama sofrido por Chico Chimango está prevista uma pequena reforma no monumento para deixar de ser uma “cova rasa”.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Primeiro dos Sete Povos - Relatos de viagem

twitter.com/athosronaldo

São Borja é uma cidade singular. Conheci o primeiro dos sete povos nesses primeiros dias de março. É bonita e hospitaleira.
O que mais chama a atenção, para quem é “forasteiro” são as cartas testamentos. Na praça tem duas: uma junto a estátua de Getulio Vargas e outra no mausoléu de Vargas, aquele projetado por Niemayer. Em frente a praça tem o palácio João Goulart que é o prédio da prefeitura. Em frente, os bustos de Jango e Vargas e mais uma carta testamento. O vigilante afirmou que no museu de Vargas tem outra. Total: quatro cartas em São Borja.
Pode parecer um exagero, mas acho que os administradores de São Borja estão corretos, uma cidade que doou dois de seus filhos para a presidência da república tem que ter essa idolatria. A boca pequena corre na cidade que são quatro presidentes nascidos lá. Um que foi interino e outro, um castelhano, que foi presidente do Paraguai e que dizem nasceu nos campos de São Borja.
Visitei os museus de Vargas e de Jango. No de Jango bate-se fotos a vontade, no de Vargas é proibido. Caminhando pelos aposentos – que foi a casa que Vargas morou – toda vez que falava em Getulio a professora me corrigia com um “Doutor Getulio”. Comentei algo sobre o Brizola, então ela disse que ali só fala sobre o “Doutor Getulio”. Tudo bem. Pensei em puxar um assunto sobre o Estado Novo, mas desisti, poderia parecer provocação.
O túmulo dos Vargas é modesto, o de Jango – que também estão Brizola e Neuza – é pomposo, mas o que me chamou atenção foi o túmulo de Aparício Mariense da Silva... imponente.
Enfim, para quem gosta de um pouco de história, São Borja é um belo passeio. A noite não deixe de visitar o cais do porto com vários barzinhos e provar o peixe frito. Um lugar aprazível à beira do rio Uruguai. Depois atravessar a ponte o torrar uma grana no cassino em Santo Tomé.
Ah! A avenida que se percorre para entrar na cidade chama-se “Avenida Leonel Brizola – notável estadista e político”. Precisa dizer mais?