domingo, 24 de abril de 2011

Gre-Nal na Libertadores

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

Um Gre-Nal, mesmo um despretensioso amistoso comemorativo ao dia do trabalho, mexe com o coração dos torcedores. Então, o que fará com as emoções dos gaúchos um Gre-Nal na Libertadores?
Há muito tempo, na década de 70, num jogo contra o Cruzeiro pelo brasileirão, o Internacional virou em três a dois nos minutos finais. Essa epopeia foi fatal para alguns torcedores. Teve gente que enfartou dentro do Beira-Rio.
Tenho um amigo gremista que não brinca com essas emoções, em dia de Gre-Nal ele sai com a família para passear nos distritos da cidade ou na quarta colônia. A aflição não permite sequer ficar em casa. Esse fanático torcedor busca no isolamento a solução contra a ansiedade.
Os últimos cinco minutos da decisão da Libertadores de 2006 fazem parte da minha mais esfuziante experiência no aspecto emocional. E a taquicardia mais inesquecível. Foram terríveis, aqueles segundos se arrastavam como tartarugas no mostrador da televisão. O coração vai a mil, a gente perde o controle das ações e despeja uma dose de vodca goela abaixo.
– Te acalma senão tu vai ter um troço – foi o que ouvi de minha mulher. Mas pouco adiantou. As atenções estavam no apito do árbitro. O batimento cardíaco só volta ao normal após o encerramento da partida. Aí tudo é festa na Presidente.
Como estamos em um momento histórico de escassas referências políticas – aliás, o descrédito é bem maior do que as referências – as atenções voltam-se para o futebol, assim, nossos ídolos são boleiros, que na maioria das vezes são, apenas, craques de futebol. Esses “heróis” têm pouco a oferecer. Nada além do que chutar uma bola em direção ao gol ou uma firula desconcertante sobre o adversário. Mas estão mitificados nos estandartes das torcidas.
O Rio Grande do Sul tem um histórico de dualismo político/futebolístico, um resultado adverso, num jogo dessa magnitude, pode gerar algumas reações exacerbadas por parte dos torcedores. Um Gre-Nal com esse grau de importância é um marco histórico equivalente ao 20 de setembro de 1835. Nesse dia o Rio Grande vai parar.
O confronto com essa envergadura – por se tratar de uma das maiores rivalidades do futebol – colocará o Rio Grande na boca do mundo e o coração na boca dos gaúchos. E velas nos altares de tudo que é santo.
Como somos todos herdeiros dos ideais de liberdade, igualdade e humanidade, estaremos prontos para mais essa peleia. Não fugiremos a esse encontro marcado com a mesma gana pampiana de Honório Lemes, Zeca Neto e tantos outros valentes caudilhos.
Se o Gre-Nal da Libertadores estiver no horizonte de um sol de maio incandescente, estarei calmamente mateando, com as velhas e inseparáveis alpargatas coloradas. Logicamente, com uma caneca de água de melissa ao alcance da mão para acalentar esse coração maragato.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Milongueiro


Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Pajadores


As décimas de improviso são a genuína alma gaúcha e gaucha que unem os cantadores da pampa. E um dedilhar de milonga nos coloca em profunda reflexão diante da cuia do chimarrão ou do braseiro nos cafundós de uma perdida querência. Os payadores cantam a solidão e antigos amores abraçados em sua viola no silêncio dos entardeceres ou nas tertúlias num galpão. As payadas e as milongas tocam a nossa alma e acalentam nossos anseios.

O livro Milongueiro pretende reverenciar essa terra meridional que nos causa adoração e nos provoca reminiscências. Os contos desse livro mostram o jeito rude, simples e, por vezes, inquieto e contraditório do “milongueiro” que temos em cada um de nós. São contos escritos a oito mãos – como tranças de oito tentos –, no embalo das cordas de uma guitarra pampeana e localizados entre os quatro pontos cardeais. Escritos por quatro gaúchos de quatro recantos desse estado – Santiago do Boqueirão, Santa Maria, Itaqui e Pelotas –, todos radicados e estabelecidos na velha Santa Maria da Boca do Monte.

Todos gaúchos dos quatro costados, mas cientes de seus limites na arte de escrever sobre nossos costumes. São contos gaúchos e não, necessariamente, gauchescos, mas construídos sob inspiração dos pagos desse Rio Grande de São Pedro. Nesse Milongueiro nos propomos contar um pouco das coisas do Rio Grande: suas idiossincrasias, lamentos, sonhos, a solidão do campo, as eternas desavenças políticas – as escaramuças entre chimangos e maragatos – e, principalmente, as notas de uma evocativa milonga em noites de lua cheia.

Compartilhamos cada capítulo dos contos como se estivéssemos numa roda de chimarrão. Cada um servindo o mate para o parceiro. E sentimos que essa empreitada foi prazerosa. Assim, os contos foram brotando dentro dos acordes imaginários de um milongueiro em uma longínqua tarde de estio.

Então, se achegue nessas páginas, ceve um mate, puxe um banco e vá sentando...

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Eu vos abraço, milhões

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

O Moacyr Scliar é daqueles escritores que a gente lê, aprende a gostar e fica ansioso, aguardando o próximo lançamento. Pois basta saber que é do Scliar para se adquirir a obra. E foi assim com “Eu vos abraço, milhões”.

Uma narrativa que flui com facilidade. Ficamos envolvidos pela estória e pelos personagens de tal maneira que não sossegamos enquanto não vencemos a última página. Claro, isso é uma característica de escritores excepcionais.

“Eu vos abraço, milhões” é um romance, mas poderia ser um ensaio político – está intrínseca uma reflexão ideológica –, pois conta a trajetória de Valdo, nascido no interior de Santo Ângelo no início do século XX que sai de sua terra para ser um militante revolucionário no Rio de Janeiro no final da década de 30. No Rio de Janeiro suas esperanças socialistas não são as mesmas que cultivara em sua terra natal. A vida de trabalhador braçal vai tornando Valdo um operário na vida real. E a revolução fica cada dia mais distante.

Na construção do Cristo Redentor – onde exerceu a função de ajudante de pedreiro – suas inquietações afloram, as certezas, aos poucos, vão se diluindo na rotina do trabalho. As incertezas se evidenciam nas divergências internas do partido comunista.

Enfim, encerra a trajetória como um bem-sucedido empresário em Porto Alegre às voltas com o golpe de 64. “Eu vos abraço, milhões” é um livro para ser lido por todos aqueles que sonharam com a revolução e por desencanto perceberam que a coisa não é bem como o planejado. Não é bem como foi pregado nos encontros clandestinos e nos conchavos ideológicos.

É uma pena essa morte prematura do Scliar. Na minha humilde opinião, todo escritor morre jovem, pois sempre deixa algumas obras para serem escritas – consta que Moacyr deixou dois romances iniciados – mesmo que seja um centenário da palavra. Após encerrar a leitura, em uma serena tarde de chuva, concluí que “Eu vos abraço, milhões” é um dos melhores livros do Scliar. Altamente recomendável para todas as idades.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Figos maduros

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo


São diversos os motivos para se adquirir um livro. Podemos comprar, pois o autor nos agrada, um amigo leu e indicou. A promoção era imperdível. Mas, no último instante da aquisição, devemos fazer uma atenta leitura das orelhas do livro. Isso seria o mínimo antes de desembolsar a grana.

Tem livros que namoro semanas. Leio críticas na internet e busco várias opiniões. Chego em casa ávido para iniciar a leitura – com a certeza que o livro será a salvação do fim de semana – e me arrependo depois da terceira página. Mas a gente não se convence que a coisa não anda e encara mais umas páginas, a leitura se arrasta e, definitivamente, o abandonamos. Isso é muito comum nesta árdua vida de leitor. Deixamos o livro adormecer, por algum tempo, na estante para ser retomado em outro momento, talvez com outro ímpeto.

No entanto, alguns livros nos provocam uma paixão à primeira vista, um chamamento irresistível. E a aquisição se dá por impulso. É um sentimento que foge ao controle. Adoramos a capa, a diagramação, o acabamento. Até pelo título, irreverente ou estranho, se compra o livro. Olha-se o volume e fala para a atendente. – Embrulha.

E foi assim, catando, distraidamente, alguma novidade nas estantes da Cesma que me deparei com “Figos maduros”. De imediato, associei o título aos “Morangos mofados” de Caio Fernando Abreu, que li numa tarde perdida no século passado.

Manuseando o exemplar, percebi que a capa era muito criativa e a diagramação impecável. A cor das fontes também lembravam os figos maduros. Aí temos que dar os créditos para os profissionais da editora Literalis. O preço era, razoavelmente, acessível. Não tive dúvidas, adquiri o “pote” de figos. Com esses predicados julguei que deveria comprar os figos maduros, mesmo que na lembrança estivessem os morangos mofados.

E a leitura foi uma agradável surpresa. Li as crônicas de Jorge Bledow em um final de semana. São crônicas no sentido “literalis” da palavra. Relatam o sentimento do homem interiorano. O cotidiano de uma vida urbana. Um belo conjunto de textos que nos provoca reflexão e nostalgia em alguns momentos e divertimento em outros.

Enfim, ressuscitei de minha estante os “Morangos mofados” do Caio e fico no aguardo de uma nova safra de “Figos maduros”.