terça-feira, 23 de dezembro de 2008

No dia dos meus 90 anos *

No ano de meus noventa anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem.
Seria inadmissível não começar esta crônica com a instigante primeira frase do livro Memória de minhas putas tristes de escritor colombiano Gabriel Garcia Marques. Uma frase sintomática que ilustra com grandeza literária esse primeiro parágrafo.
Em outubro de 2050 eu farei 90 anos.
Tenho algumas dúvidas se no dia dos meus noventa anos eu vá desejar um louco amor com uma adolescente virgem ou, simplesmente, folhar, modorramente, um jornal de páginas amareladas de um passado infinito. No dia dos meus noventa anos quero estar lúcido para sentir presente todos os momentos de minha jornada. Tomarei uma xícara de chá verde e comerei alguns biscoitos integrais. Caminharei por uma estreita ruela como se fosse buscar novas notas para velhas melodias. Pela tarde, tomarei quarenta gotas de própolis misturados em um copo de água. Incrivelmente, o preço desse copo de água será equivalente ao custo de uma garrafa da cerveja Patrícia em Rivera nos dias atuais.
No dia dos meus noventa anos quero ter uma bengala com cabo de prata e alpargatas feitas sob encomenda. Quero usar um chapéu palha e um lenço ao pescoço, que deverá ser, necessariamente, vermelho. Quero ser ranzinza na minha solidão e alegre e bonachão quando estiver com meus amigos. Terei apenas uma única atividade reler meus livros favoritos e escrever as minhas memórias. Memórias tristes e alegres, enfim, todas as minhas memórias.
Sestearei em uma cadeira de balanço e nesse vai e vem da cadeira planejarei um futuro com fortes emoções, passeios e algum esporte radical: uma partida de xadrez ou uma canastra em algum obscuro boteco.
Após longas caminhadas, deitarei sobre um banco num parque com iluminação artificial e uma cobertura que me protegerá das radiações. Sonharei com os anos em que o mundo despertou para a tecnologia da informática, mas, também, para a violência e o terrorismo. Não quero ter em meu vídeo de imagens, trágicas de adolescentes em disparada nos seus veículos estrelares. Não quero pressentir a guerra de raios entre nações e nem a miséria dos continentes pobres. No dia dos meus noventa anos não quero ver o planeta em chamas por falta de água e por galhos secos em desertos cada vez mais avassaladores. Não quero sentir a presença de uma bala perdida e nem vassalos assaltantes em arrastões no que restou de nossas praias, avenidas e calçadões.
No dia dos meus noventa anos estarei pronto para enfrentar as emoções da virada do ano e a última Copa do Mundo de futebol no Uruguai. Quero sentir as emoções das derrotas e das vitórias do Internacional. Quero assistir a um Gre-Nal no Beira-Rio e sentir que coloradinhos sonham com os olhos brilhantes por vitórias de seu time. Quero passear pelo Parque da Redenção com minha amada, com os netos, bisnetos e tataranetos e sentir que o mundo continua rodando na velocidade de uma bala de canhão.
Quero tomar um cálice de vinho tinto e sentir todos os aromas das frutas vermelhas e perceber o seu intenso rubi. Ainda quero passear sob as vinhas e sobre plantações de trigo. E saborear o ar úmido das manhãs. Quero molhar meus pés em algum riacho artificial com águas naturais e sentir o cheiro da grama ou da terra molhada como se estivesse em algum capão de mato na primavera de 1950. Quero bailar solitário em minha varanda e sonhar com uma reunião dançante no distante aniversário de quinze anos de minha filha.
No dia dos meus noventa anos eu não verei resquícios de verde. Receio que não terei um copo de água potável para saciar a sede. Talvez não lembre mais de que o céu tenha sido de um azul intenso. E que em um longínquo horizonte, no passado, havia um intenso alaranjado para contemplar.
No dia dos meus noventa anos quero estar lúcido para reler essa crônica em algum livro sem capa perdido no meio de uma estante de uma inabitada biblioteca pública.
No dia dos meus noventa anos... quero sorrir diante do espelho e afirmar: valeu a pena!

* Menção honrosa UFF – Universidade Federal Fluminense de Literatura 2008 (Tema: Planeta Terra 2050)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A fé remove montanhas ou constrói estátuas?

São Pedro do Butiá, uma cidadezinha das Missões com 2.700 habitantes inaugurou a sua estátua em homenagem a São Pedro. Uma demonstração de fé ou megalomania do prefeito?
Um monumento com 30 metros de altura com um custo aproximado de R$ 2,7 milhões. O equivalente a mil reais por habitante.
Se os recursos fossem privados, tudo bem, o risco seria do investidor na intenção de incentivar o turismo religioso. Mas as verbas do monumento vieram do governo federal e da própria prefeitura que gastou o valor de um terço do seu orçamento. Então, devemos fazer uma reflexão. Nem que seja nos custos do empreendimento. Com esse valor São Pedro do Butiá poderia construir, por exemplo, um centro médico. Mas como diz um amigo meu: “me caiu os butiá do bolso”.
Nesse momento de crise e incertezas em que os orçamentos dos municípios são escassos para as demandas básicas, os administradores deveriam pensar mais e melhor nos investimentos. Há algo de estranho nos administradores que procuram marcar sua gestão com uma grande obra. Não lhes tiro esse direito. Mas uma grande obra, não uma obra faraônica. Um Colosso de Rodes! Um jardim suspenso!
Uma grande obra pode ser um hospital, um albergue, uma creche, água encanada e esgoto tratado para toda a população. Uma escola com curso profissionalizante. Uma grande obra seria administrar com transparência, democracia, seriedade e rigorismo no trato das finanças públicas.
Uma grande obra, e que custa relativamente pouco, seria arborizar as cidades. Plantar árvores: existe obra mais dignificante para um administrador? Contribuindo com o meio-ambiente dormiremos em paz com o futuro. Um parque ou uma praça para chimarrearmos nos domingos pela manhã. É muito difícil de fazer? É alguma coisa exorbitante? Lógico que não.
Essa pequena cidade missioneira é muito devota de São Pedro, e o nome Pedro é hegemônico entre seus habitantes. Consta que nas Sagradas Escrituras o apóstolo Pedro renegou Cristo por três vezes antes de o galo cantar. Será que não tinha um galo missioneiro chamado Pedro em São Pedro do Butiá para renegar essa obra pelo menos uma vez? Afinal, a fé remove montanhas ou constrói estátuas?

domingo, 14 de dezembro de 2008

Tsunami econômica

Algumas semanas após o trágico acontecimento do tsunami que devastou a Indonésia na Ilha de Java, um dos programas do Discovery Chanel, a manchete era instigante. Os elefantes perceberam antes, os habitantes na hora e os cientistas depois.
A crise econômica estava anunciada, mas nenhum doutor em economia conseguiu prever. Não havia um atento “elefante” no mercado.
O mercado imobiliário americano andava capenga e explicitava uma crise de amplitude global. Todos percebemos depois. Ninguém avisou ninguém. Pelo contrário, a economia navegava nas águas do neoliberalismo com as bolsas de valores galgando índices sobre índices. Os especuladores gargalhavam à toa.
A economia mundial bombava. As bolsas eram a alegria dos milionários. A grana internacional girava pelo mundo à cata de ganhos especulativos. O Ibovespa acumulava índices estratosféricos. Quem detinha ações das blue chips brasileiras, sorria seguro com seus ganhos e desempenhos futuros.
Mas a bolha imobiliária americana estourou e o mundo econômico veio abaixo. E, parece que essa ladeira não tem fim. As ações da Petrobras projetadas para o valor de R$ 60,00 para dezembro de 2008 não conseguem ultrapassar a casa dos R$ 23,00.
As demissões mundo afora se sucedem. Estão na berlinda um milhão de empregos. A General Motors está a beira da falência e solicita, ou implora, um empréstimo de 4 bilhões de dólares aos cofres públicos dos Estados Unidos. E daí, Obama?
Aqui na terrinha o Unibanco se uniu ao Itaú e todos os formadores de opinião deram vivas ao maior banco do hemisfério sul. Não teve um “elefante” para perceber que está formado o monopólio financeiro no país. Nós, que percebemos na hora, não veremos redução das tarifas, das filas, e de investimentos no social. Nós, que percebemos na hora, veremos tão somente as demissões de bancários e fechamento de agências. A maior especulação dos nobilíssimos analistas econômicos é de quando será a fusão do Banco do Brasil com a Caixa.
Em contrapartida, e para salvaguardar uma apoteótica crise no Brasil, o governo Lula propõe a redução do Imposto de Renda – uma nova tabela que alivia a classe média – e redução do IPI para carros populares para fomentar a nossa vã economia e pede para que o povo gaste e consuma. Então, vamos sair gastando adoidado. Endividados, mas com um carro novo na garagem.
Realmente, "há mais mistérios entre a bolha imobiliária americana e a fusão do Itaú com o Unibanco do que pressupõe a vossa vã tsunami econômica”.

Banco não dá bom dia

Recebi o belo exemplar de Banco não dá bom dia devidamente autografado pelos autores.
No mesmo dia, no final da tarde, comecei a aprazível empreitada da leitura. Li de um fôlego só e não poderia ser diferente. O livro é soberbo.
Um romance histórico que nos emociona, instrui e nos transporta para os primórdios do sindicalismo bancário. Vemos claramente, por essas páginas magistrais, uma Porto Alegre pacata, provinciana, mas com jeito de gente grande. Grande nas ações de luta de seu povo. Grande na indignação contra as injustiças. Grande porque é vocação de Porto Alegre e seu povo serem grandes. Há algo de revolucionário e inquietante nesse livro. Há indignação em sua essência.
Em cada página que avançamos livro adentro rememoramos a epopéia da Legalidade, os acontecimentos históricos e memoráveis que envolveram o Banco Sul Brasileiro. A morte de Tancredo e o impeachment do caçador de marajás. Enfim, um pouco da história do Brasil é contada por esses perseverantes e inigualáveis 17 autores do livro.
Banco não dá bom dia deve ser o livro de cabeceira de todos os bancários. Devemos ler algumas páginas em cada noite antes de dormirmos, pois, certamente, sonharemos com vitórias e amores sinceros.
Assim, perceberemos que a luta dos bancários tem raízes que remontam para os 75 anos de história do Sindicato dos Bancários.
Encerro com uma dedicatória que consta em meu exemplar: Com respeito por todos os que lutam. Essa frase encerra todo o sentimento do livro.

Banco não dá bom dia
SinBancários: 75 anos de lutas.
Oficina de Criação Literária Alcy Cheuiche - 2008

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Trocadalho do Carilho

Essa vida de trabalhador pseudo-braçal nos abstrai do convívio com os amigos, familiares e com as devidas horas virtuais.
Assim, resta pouco tempo para cavoucarmos textos na internet e lê-los em sua plenitude. Quiçá respondê-los.
Haja tempo para adquirir tanta informação circulando em infindáveis páginas virtuais. Mas, claro, isso é um problema meu.
No blog do Ronai, que é um espaço virtual de visitas costumeiras, deparei-me com uma tragédia.
As bartas estão mal encaralhadas. Um trocadilho de causar inveja ao Barão de Itararé.
As bartas estão mal encaralhadas, é uma constatação. Que nos instiga e nos remete a profundas reflexões.
Mas há um complexo a ser resolvido... ou mal-resolvido. Sei lá.
Afinal, quem encaralhou as bartas? Antes de transferirmos aos outros a atitude de encaralhamento das bartas, devemos reconhecer, até por omissão, que fazemos parte desse encaralhamento. Todos nós temos uma bartinha encaralhada lá na Cesma. Todos nós, associados, encaralhamos um pouquinho as bartas durante longos anos... eu escrevi anos. Entendido?
Talvez quando admitirmos que somos parte desse encaralhamento, venhamos a ter uns múltiplos orgasmos com as futuras produções culturais na Cesma. E por que não dizer nos demais espaços culturais da cidade. A Cesma, nos seus trinta anos, é a idealização de um sonho e, definitivamente, não é um castelo de bartas.
O acirramento dos ânimos não é o melhor caminho para seguirmos construindo os espaços culturais de nossos anseios. O nosso grande desafio é tirarmos boas lições desse episódio. E buscarmos sempre a nossa tão almejada radicalidade democrática e cultural nesse nosso estado de direito.
A propósito, embora a genialidade do trocadilho protagonizado pelo Ronai, acho que o “trocadalho do carilho” do Barão do Itararé ainda está insuperável.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Os diabos

Nesses tempos nebulosos que nos oprimem com uma crise, nos enlevam com democracias dos mais diversos matizes, que nos embutem sentimentos sãos e outros que nos causam deslizes, eu gostaria de falar de arte. Mas de arte eu não sei falar, apenas sei ver, e vejo com olhos de néscio.
Então, resolvi falar de literatura. Talvez, assim, eu consiga exprimir as minhas verdades. Imaginando, também, que seja a verdade de outros.
Assim, eu vejo a literatura divina, bonita, que nos aprofunda os pensamentos e nos adianta contradições numa dialética bicolor. Bipolar e transcendental. A literatura é grandiosa, vasta e infinita. Uma das maravilhas desse nosso mundo moderno, instantâneo e virtual. Mas também é a mediocridade de umas palavras cruzadas. Mas daí não é literatura.
Os deuses fazem literatura. Essa é a premissa.
Os deuses... e os diabos.
Os que escrevem a verdade. Escrevem uma certa verdade sendo deuses ou diabos. Os paradigmas da literatura: como os deuses escrevem? Certo e com a razão, talvez até escrevam em azul. Os diabos escrevem errados e com a emoção, talvez escrevam em vermelho. A literatura tem o tempero dos deuses e dos diabos. Os deuses temperam com ervas aromáticas e os diabos com pimentão. O vermelho é “caliente” é latino-americano. O azul é polar, é Antártida. O vermelho e o azul essa é a bi-polarização. Seu coração é livre para escolher. Mas como resolver essa contradição se meu coração é vermelho e a liberdade é azul?
O deus é azul e o diabo vermelho? Por que é sempre assim?
Graças à literatura nós vamos ao céu na companhia dos anjos, vamos ao inferno com os demônios. Retrucamos marmanjos que escrevem pandemônios. Vamos à praça, ao rio e ao mercado. À floresta, às profundezas dos oceanos e ao topo do mundo. A literatura nos leva aos confins do universo.
Escrevemos, todos, deuses ou diabos, e queremos esconjurar nossas opiniões, anseios quase dialéticos e idéias vãs. E fazemos o debate sem os percalços das injúrias e das agressões.
Escrevemos bem e mal e usamos a ironia. E a ironia escrita pode ser mal-interpretada e cruzar ao largo da verdade. Por falar em verdade, também mentimos na ficção e na realidade. Transformamos a realidade em ficção. Mas o que é a mentira e a realidade senão frutos de nossa imaginação? E a ficção é mais bonita que a realidade. A mentira para a mentira pode ser a verdade e a verdade a maior mentira. Seria essa a realidade?
Escrevemos um texto, convictos que são os deuses que escrevem. Mas o que é a convicção senão a maior inimiga da verdade. Já dizia Nietzsche.
Enfim somos deuses ou diabos. O que vamos escolher se são os homens que denominam o que é deus e o que é diabo.
Então, simplesmente, escrevemos. Ou, simplesmente, façamos arte.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Tema musical do Centenário do Internacional

O Internacional revolucionou os festivais quando fez as inscrições via internet. Um processo que usa a tecnologia em benefício da agilidade e do menor custo.
Muitos artistas, poetas e compositores se esmeraram para produzir uma bela canção.
No entanto, o processo de escolha deixou a desejar. Não avançou no que diz respeito a triagem das músicas. O processo eleitoral não está levando em conta a qualidade dos trabalhos. O voto via internet é viciado e facilmente fraudável. Vota-se como se fosse uma campanha eleitoral. Têm músicas que estão fazendo mais votos que muitos deputados estaduais. O critério é de quem tem mais listas na internet e mais amigos no Orkut. Ou uma maior tribo. Se em dois dias de votação tiveram músicas com mais de mil votos. Isso causa estranheza. Será que os votantes ouviram todos os temas para decidir o voto?
A votação virtual é um democratismo que não vem ao encontro da arte. Análise poética das letras. Composição melódica e interpretação não estão sendo levados em consideração. Deveriam ter escolhido um corpo de jurados que ouvissem as músicas e fizessem uma seleção sensata. E, aí sim, uma votação na internet para a escolha da mais popular.
Um evento que poderia ser um marco na história do Internacional está fadado a um encontro de “clicadores” da internet.
Em nome de uma suposta acusação pelas tendências dos movimentos musicais, pois há uma variedade de ritmos que vão da vanera ao rock, varre-se a ética para debaixo do tapete.
Acho lamentável que a diretoria do Inter esteja chancelando essa truanice que se tornou a votação do tema do centenário. Lamentável porque a análise criteriosa por pessoas que realmente entendem de arte musical foi, simplesmente, jogada na vala comum dos cliques dos computadores e na ininterrupta troca de ip’s.
Só há uma solução para salvar o evento: o Internacional tem que cancelar, imediatamente, esse processo e indicar uma comissão plural de pessoas idôneas e do meio musical que indicarão 20 canções para serem tocadas na final do dia 17 de dezembro.
Se não houver tempo, que se adie esse festival, afinal o Centenário é em abril de 2009.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A greve dos bancários

Temos ciência que a greve causa transtornos. Mas a greve é um recurso legal utilizado pelos trabalhadores quando as negociações coletivas não avançam.
Os bancários estão em greve. Um movimento pacífico e nacional, com uma adesão jamais vista antes na história desse país (sic). A proposta da Federação Nacional dos Bancos é risível diante das estratosféricas lucratividades dos bancos.
Nas negociações específicas do Banco do Brasil e da Caixa, em que o patrão é o governo Lula, e do Banrisul, em quem o patrão é o governo Yeda, as negociações estão travadas.
Em relação a política da governadora a gente entende, pois compreendemos como a social democracia brasileira trata os funcionários e as empresas públicas. O governo FHC foi o que mais vendeu patrimônio público e o que aniquilou os sindicatos. Vivíamos sob a égide das demissões. A simples participação em uma assembléia do sindicato era motivo de temor.
Lula foi forjado no sindicalismo, enfrentou os poderosos e foi líder das memoráveis greves dos metalúrgicos no ABC. O que Lula mais ensinou para nós, sindicalistas, foi fazer e conduzir uma greve. Mas nos falta competência, fomos péssimos alunos. Mas temos um atenuante em nosso desempenho, os atuais negociadores do governo Lula são profundos conhecedores da nossa metodologia. Quando Lula assumiu a presidência, uma gama enorme de sindicalistas – combativos e arraigados cutistas – transformaram-se em governo e, como num passe de mágica, passaram para o outro lado da mesa de negociações. E com uma facilidade, que nos surpreende, incorporaram o estereótipo do mais soberbo dos patrões.
Se antigos companheiros estão do outro lado da mesa, por que as negociações não ocorrem? Porque do outro lado da mesa há o encanto do poder. A arrogância da gravata. Do outro lado da mesa as pessoas ficam travestidas de patrão e vestem o mesmo traje da prepotência, da coação e da ameaça. Na Caixa sofremos ameaça de gestores que estão em férias nas paradisíacas Ilhas Gregas. E nós vamos a Restinga Seca conversar com os colegas e sequer temos tempo para tomar um banho de sol nas Tunas.
Diante de mais uma queda da bolsa de valores pelo mundo afora, a greve dos bancários continua em todo o Brasil. Enquanto o capitalismo manqueja e busca conforto no dinheiro público para continuar sua agiotagem internacional, os bancários estão em greve e continuam dispostos a negociar com os governos Lula e Yeda, desde que venham despojados da empáfia do poder.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Relíquias de um tempo remoto - conto coletivo

Parte I – Athos Ronaldo Miralha da Cunha


Abriu, lentamente, o portão de ferro e ouviu o rangido do metal oxidado. Um ruído que provocava antigas e doces lembranças. Caminhou pelo pátio em direção à porta da casa e pode ver ao fundo da residência o mesmo pé de pereira de muitos anos atrás. Foi nesse momento que seus pensamentos voaram para um passado longínquo.
Roberto jamais imaginaria estar vivendo essa situação após tantos anos de ausência. Viu nitidamente, como um filme em preto e branco, enquanto caminhava pelo jardim, seus tempos de menino e adolescência, de uma vida modesta e pacata.
Em tempos remotos seria recebido pelos alegres e festivos latidos do cachorro. Banzé era nome daquele vira-lata que foi o seu melhor amigo de infância. A avó Carlota, uma vizinha que contava estórias de assombração em noites de lua cheia com todos os irmãos ao redor de uma mesa na cozinha, também foi motivo de suas recordações. No inverno Dona Carlota servia pipoca e amendoim e no verão Q Suco de framboesa.
Os pais se foram e há muito tempo, os irmãos estão um em cada canto desse mundão de Deus. A rua está asfaltada e não é mais a mesma em que seu pai fazia as fogueiras de São João. Não era a mesma rua que Roberto jogava bolinhas de gude e futebol com a meninada.
A sua casa era de uma família humilde: na sala um jogo de sofá e poltronas e uma mesinha de centro. Uma folhagem ornamentava o canto mais iluminado do lugar onde o sol dava sua graça nas manhãs de outras primaveras. Um dos quartos era ocupado pela máquina de costura da velha mãe que eternizava o balanço dos pés para atender sua vasta freguesia. Da cozinha Roberto conseguia lembrar apenas do paneleiro de metal feito pelo próprio pai que trabalhava no depósito de uma fundição.
Viera em busca de uma relíquia da família. Um castiçal que ficara na velha casa quando seus pais tiveram que mudar de cidade. Um castiçal de prata que sua mãe adorava porque era uma relíquia herdada de sua avó e era repassada do de geração em geração. Nenhum dos irmãos tinha ficado com o castiçal e Roberto estava ali diante da porta que outrora se abria para um guri arteiro e que, hoje, era uma muralha ou uma ponte para o passado. Beto estava prestes a vislumbrar os compartimentos da residência que o viu nascer e recuperar um pouco da memória de seus pais.
Seus passos são indecisos, mas segue em direção à porta da velha morada. Com a mão inquieta aperta o botão da campaninha e ouve uma voz rouca vinda do interior.
– Já estou indo... só um momento...
Diante de Roberto, uma senhora, uma anciã que tinha o rosto e um sorriso ingênuo muito familiar. E essa visão deixou Roberto desconcentrado.


Relíquias de um tempo remoto
Parte II – Antonio Candido de Azambuja Ribeiro


– A senhora é...
– Beto, que agradável surpresa!
– Vó Carlota?!
– Sim, meu filho, entra. Está frio aí fora, guri!
– Mas, a senhora... a senhora...
Roberto não completou a frase, tomado por emoção que não conseguiu controlar. Como poderia Vó Carlota estar viva e tão bem disposta, depois de décadas? E o que estaria fazendo ali, na casa que fora deles? Ou tudo não passaria de um delírio? Está certo que a viagem o deixara em estado de anormal excitação, mas daí a "ver coisas"! E só poderia estar "vendo coisas", pois ninguém, nem a boa Vó Carlota, poderia passar incólume pelo tempo. Depois que se mudaram, há 35, 40 anos, Roberto não se recorda do recebimento de notícias da velha senhora. E se, já na época, dona Carlota era velha – o que, então, para um guri, significaria ter 40, 50 anos –, atualmente, se viva, ela teria entre noventa e cem anos. Claro que, hoje, com os avanços da Medicina, as pessoas vivem mais. Mas o aspecto dela não é de quem tenha 90 anos. A senhora, que o recebeu, tem, se tanto, 70 anos. Mas, só pode ser ela, pois, se não fosse, como saberia seu nome?
– Beto, não fique aí parado, vem cá guri, me dá um abraço! Depois, vamos tomar um café novinho, que acabei de coar. E tem pipoca, amendoim torradinho e uma novidade. Lembras daquele pinheiro que teu pai plantou no fundo do pátio? Dá pinhões, que é uma beleza, cozinhei uma panelada deles...
– Dona Carlota, a senhora...
– Pára com isso, menino, que história é essa agora de "dona Carlota"? Me chama de avó, como sempre fizeste. Aliás, Beto, como tu demoraste para vir! Há muito tempo te espero. Sei que queres o castiçal de prata da tua finada mãe. Estes anos todos, o guardei como a mais preciosa das relíquias. Sei o quanto tua mãe gostava dele. Mas te confesso que cheguei a temer que não viesses ou que chegasses tarde demais. Sinto-me cansada e a casa parece também já não suportar o peso dos anos, a cada dia surge um novo problema: são goteiras, infiltrações, canos entupidos, fios que não suportam a carga de energia, janelas empenadas, portas que se soltam dos marcos, cupins nos móveis. Um horror, meu filho, mas o castiçal está como novo, todo dia o retiro da cristaleira, acendo a vela e, depois de limpo e lustrado, o guardo novamente.
Beto, olhos já acostumados à penumbra do ambiente, ao fitar a anciã, percebeu-a mais envelhecida, como se de repente tivesse envelhecido dez anos. Enquanto Carlota se afastava, arrastando os pés em direção à cozinha, Roberto sentiu uma lufada de ar frio. O vento forte e gelado de agosto escancarou a janela da sala, fazendo balançar um postigo apodrecido e preso à janela por uma única e enferrujada dobradiça. Beto sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Quando, chamado por Carlota, entrou na cozinha, viu, sobre a mesa, o castiçal com a vela acesa, uma xícara de café fumegante e pratos, ordenadamente dispostos, com pipocas, amendoins e pinhões. Sob a luz mortiça do castiçal, Carlota, pálida e encarquilhada, parecia ter envelhecido mais dez anos.


Relíquias de um tempo remoto
Parte III – Tania Lopes


Como num filme onde o ator rola sobre si mesmo, Beto sentiu uma vertigem e foi parar no antigo quarto. O velho guarda-roupa com o espelho trincado (– Tem que trocar esse espelho que dá azar! – quase ouvia a avó dizendo.) as três camas enfileiradas, quase juntas, pois a peça não era grande, era o mobiliário que acomodavam os seus sonhos de infância. E lá estava ele guri imberbe, ossudo e desengonçado, metido embaixo da cama, enfiando os dedos numa fenda do assoalho, fazendo com eles alavanca, levanta a parte do assoalho onde fizera a muito custo um buraco para esconder suas relíquias. Vistoria para ver se ninguém andou mexendo: o canivete que cortava tudo, a coleção de selos, as revistinhas dos heróis... Tudo ali! Retira debaixo dos gibis e folheia com sofreguidão a revista que tomara "emprestado" do irmão mais velho... Precisava olhar ligeiro e repor no lugar!
A excitação era grande! Então era isso que o mano olhava e não deixava ninguém ver? Se o mano descobrisse que era ele que surrupiara lhe dava uma coça de criar bicho! Sabia que não devia mexer nas coisas dos outros, mas a curiosidade muitas vezes é maior do que a noção do perigo... Olhou com gosto, detendo-se em cada detalhe antes desconhecido e agora ali, tão explícito. Sentiu uma coisa gelada no pescoço e, ao virar-se deu com o cachorro encostando o focinho, ganindo e lhe dando lambidelas! Precisava sair logo dali antes que alguém desconfiasse pelos ganidos do cusco:
– Sai, sai, Banzé... sai... – tentou convencer o cachorro enquanto recolocava a nesga do assoalho no lugar.
Vendo que corria perigo, a contragosto, meteu a revista entre o calção e a camiseta e se esgueirou devagar. Tudo tranqüilo, se não fosse o barulho das panelas vindo da cozinha, diria que estava sozinho. Pelo ronco de seu estômago e o cheiro que exalava pela casa toda, imaginou que a comida estava por sair, mas antes disso havia o ritual do banho. – lembrou:
– O banho chato de todo o dia... – nem terminou o pensamento e ouviu o grito:
– Chamem a gurizada pro banho! Daqui a pouco a comida tá pronta!
– Então eu vou primeiro! – gritou ele que nem tinha sido notado.
Abriu a porta do banheiro, viu a torneira pingando, o buraco do ralo, o chuveiro de água fria, a cesta de roupa suja, as toalhas diligentemente enfileiradas, o sabonete ordinário meio se desmanchando no nicho de louça... Fechou o trinco da porta e pela primeira vez sentiu que precisava de um banho gelado.


Relíquias de um tempo remoto
Parte final – Orlando Fonseca


Vento frio e úmido nas orelhas e no pescoço. Ainda estava à sua frente a anciã, com os olhos arregalados, o sorriso havia desaparecido, e a sua voz rouca repetia: moço, moço, você está passando bem? Tá sentindo alguma coisa?
Sentia-se estranho, olhou para os lados, como tentando reconhecer algo, parece que havia apagado por instantes, as pernas frouxas, e um mal-estar subindo-lhe do estômago. Aceitou entrar na casa e nada do que percebia dela, agora, guardava o que acalentara em expectativa por muito tempo. A senhora havia se encaminhado à cozinha, e voltava com um copo na mão, que lhe ofereceu gentilmente.
Enquanto sorvia a água fresca, tentava pôr em ordem as idéias, especialmente, lembrar o que viera fazer ali. Sim, aquela fora a sua casa, que por fora ainda guardava todos os traços que carregara vida afora, desde a infância e adolescência. No interior da casa, nada lembrava o aconchego, a proteção que sentia no convívio com os pais e os irmãos. Embora extremamente humilde, aquele antigo cotidiano era pleno de uma alegria simples e de uma fraternidade que se perdera, como perdera o contato com o que restara da sua família. Bem sucedido, cheio de diplomas e títulos, empregado de uma grande empresa no centro do país, ainda solteiro, estava ali, como se tivesse perdido algo. Entretanto, os quadros pelas paredes de tinta envelhecida não traziam fisionomias conhecidas, sobre os móveis repousava uma inexplicável poeira – tudo estava limpo – era como se os anos forçassem a sua impressão, e não inspiravam familiaridade e apego.
O mal-estar ia se transformando em melancolia e, antes que sentisse vontade de sair correndo dali, avistou a cristaleira. Era ao menos igualzinha à que guardara um objeto – não conseguia lembrar o que era na verdade – mas uma súbita centelha de esperança fazia com que sentisse ter vindo em busca dele, e não era em vão que estava ali. Pôs-se em pé e, com meio sorriso, perguntou à velha senhora se podia se aproximar do móvel. Ela sorriu, sem se opor e afirmou: claro, pode olhar à vontade.
– Dona Carlota... – saiu-lhe espontaneamente o nome, mas voltou-se para ela, a fim de conferir - a senhora é a dona Carlota, não?
Ela sorriu, mais uma vez, e corrigiu-lhe:
– Não...
– Não??? – surpreso - Seria capaz de jurar que...
Ela então interveio, mais uma vez:
– Engraçado, você não é o primeiro a me confundir assim. Mas no fundo tem razão, porque eu sou filha dela. Minha mãe morreu já faz muitos anos.
– Ah, mas a senhora não morava com ela, aí na casa do lado?
– Não. Quando mamãe morreu, eu vim para cá. Meus irmãos já morreram, e eu aluguei a antiga casa, que estava em melhor estado, e vim morar aqui, nesta casa que pertencia à minha família, e que já estava abandonada há uns bons anos. Seus irmãos... quer dizer, vocês moravam aqui, não é mesmo?
– Sim... a senhora falou em meus irmãos? A senhora os conhece? Faz muitos anos que não vejo meus dois irmãos, e minha irmã.
Então a senhora conduziu Roberto de novo para a poltrona, pois precisava falar alguma coisa. Nos últimos dois anos, fora visitada por três pessoas, em intervalos de alguns meses, e parece que se completava aquele ciclo de visitas justamente com ele. Todos se dirigiam à cristaleira, como se dali pudessem pegar algo valioso. Não perguntara a nenhum deles o que se tratava, mas parecia ser algo muito importante.
– Eu também tive esta impressão ao entrar aqui e ver a velha cristaleira. Parecida com a que tínhamos em nossa antiga casa.
– É muito provável que seja a mesma, pois já estava aí quando resolvi vir para cá. As outras coisas tive de jogar fora, pois já estavam muito estragadas e imprestáveis. Você por acaso sabe do que se trata?
– É estranho, muito estranho... mas não consigo atinar com nada, a não ser esta impressão muito forte de que ali haveria algo que eu precisava vir aqui resgatar.
– Então eu lhe digo o seguinte... – a senhora encaminhou-se até um balcão, abriu uma gaveta de onde tirou uns papéis – Isso aqui deve servir para alguma coisa.
Na verdade, eram uma folha rasgada de uma agenda, um cartão de visitas e o pedaço de um envelope de cartas. Nos três, Roberto pôde ler os nomes de seus irmãos, e os endereços deles. A velha senhora ainda acrescentou:
– Acho que valeria a pena vocês se encontrarem para lembrarem o que procuram. A propósito, você tem um cartão? Ou deixa escrito num papel, pra que se um deles voltar...
– Claro, claro – disse, tirando do bolso a carteira, sacando um cartão.
Depois de despedir-se, dirigiu-se ao velho portão, fazendo-o girar nos antigos gonzos. Ao guardar os papéis com os endereços dos irmãos, deu-se por conta do que realmente estava procurando.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Poema eleitoral



Quando um candidato do PT
Pede o meu voto
Eu pergunto:
Você tem esse boton?

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Alpargatas coloradas

O Internacional foi um dos clubes brasileiros que mais investiu e qualificou o plantel para as competições em 2008. Preparou-se com a intenção de disputar a Taça Libertadores da América no ano do Centenário.
O Inter sagrou-se campeão gaúcho com uma histórica goleada sobre o Juventude, mas ficou fora da Copa do Brasil e o desempenho no Brasileirão está aquém do esperado.
No entanto, a opinião da crônica esportiva ainda mantém-se favorável ao Internacional. Bom time e com reais possibilidades de figurar no topo da tabela. É aqui que entra a história das alpargatas, a possibilidade do Inter ingressar no G4.
No domingo, catorze de setembro, pouco antes do jogo contra o Botafogo, eu coloquei umas alpargatas coloradas, uma folgada bombacha e preparei o amargo para curtir a doce vitória sobre o alvinegro carioca. Tudo bem, sem muita convicção. Um empate estaria de bom tamanho.
Dois a zero no placar e a cuia roncava tranqüila. De repente, gol do Botafogo. Estava no meio de um mate e pressenti a tragédia no final do jogo. Fiquei desconfortável na poltrona imaginando as mesmas cenas dos filmes de outros jogos. Nesse instante, dei-me conta que quando estava dois a zero eu calçava as alpargatas e no gol do Botafogo eu estava com os pés sobre uma banqueta e as alpargatas vermelhas jogadas sobre o tapete. Não tive dúvidas, calcei novamente as alpargatas e garanti a vitória do Inter.
Então, comecei a perceber algumas coincidências nos jogos desse campeonato brasileiro. Sempre que o Internacional perdia ou tomava um gol eu estava sem as alpargatas. Naquela falha do Renan no Gre-Nal eu estava com uma sandália havaiana azul. Pode? As partir dessa constatação passei a acreditar que as alpargatas influenciavam no resultado quando estão nos meus pés. Atualmente não tiro as alpargatas nem para assistir a propaganda eleitoral gratuita.
Essas alpargatas coloradas eu ganhei num amigo-secreto de fim de ano. Estão meio surradas, desgastadas pelo uso. Sinto que preciso adquirir umas novas para assegurar a regularidade dos jogos e garantir, definitivamente, a entrada do colorado no G4. Mas, segundo uma amiga espírita e vidente, eu não posso comprar, pois perde o encanto e a magia. Assim, eu tenho que ganhar umas novas alpargatas. Então, solicito, encarecidamente, aos amigos colorados que me enviem, com um acerta urgência, umas alpargatas novas. Novas e coloradas. A sorte do Internacional no Brasileirão depende muito delas. Aguardo o retorno dessa solicitação antes do dia 28, pois não devemos correr o risco de uma derrota no Gre-Nal do Beira-Rio. A Taça Libertadores nos espera em 2009.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Obama lá

A possibilidade de um negro assumir a presidência dos Estados Unidos torna as eleições dos gringos por demais interessante.
Barack Obama tem origem humilde, sua avó mora em um casebre humilde num recanto longínquo da África. Mas Obama estudou e se formou em Harward Law School. Obteve a distinção honorifica Magna Cum Laude e é um eminente senador.
Obama é um pop star. O estilo de sua campanha arrasta multidões. Tem o carisma e a empatia característica dos líderes. Até na Alemanha esteve em campanha. Não sei se foi um erro de estratégia, mas o fato que o candidato colocou milhares de alemães para ouvi-lo. O candidato Democrata é simpático e sorridente. Faz o estilo boa gente e boa pinta.
Seu adversário é um ex-militar do Vietnã, quase 80 anos, é um ilustre vovô conservador do Partido Republicano.
Como cá, lá também funciona o pragmatismo. Para equilibrar a chapa Democrata Obama escolheu como vice o senador Delaware Joseph Biden, um ancião branco com larga experiência em política externa. A chapa Obama-Biden... me lembra um barbudão com turbante. Mas eles devem saber o que estão fazendo.
John McCain surpreendeu com uma jovem senhora para ser sua vice. Sarah Palin uma morenaça bonita que governa o Alaska, mas com alguns percalços políticos e pessoais, que, lá, pode arranhar sua candidatura.
Obama e McCain são dois candidatos tão diferentes que se transportarmos para o meio artístico brasileiro, eu diria que John McCain tocaria viola no programa do Rolando Boldrin e Obama seria um DJ que animaria a galera como MC Barack.
Se aqui no Brasil a esperança venceu o medo lá ela é audaz. Em seu livro A audácia da Esperança Obama escreveu. "Quando se examina seu conteúdo, a verdade é que as mensagens da esquerda e as da direita são as mesmas, apenas com o sinal trocado". Esse negócio de colocar a esperança nas campanhas como mote de uma frase de efeito deve ser estudada pelos cientistas sociais. E nós sempre acreditamos nela... afinal é a última que morre.
Para nós que vivemos abaixo do Equador e bem mais abaixo em poder aquisitivo, pouco importa. Continuaremos cucarachas. Olhando-se para ambos os candidatos com olhos de Brasil exportador de laranja enxergamos McCain e Obama com o mesmo sinal.
Dizem os entendidos que o Partido Democrata é mais protecionista. Mas nutro uma simpatia pelo candidato Obama, por dois motivos triviais: Só para ver como se comporta a conservadora classe média americana com um negro na presidência e porque o Diogo Mainardi abriu o voto para John McCain.
Obama lá, de preferência com o sinal trocado.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Pré-picanha

As jazidas de petróleo descobertas pela Petrobras são motivos de otimismo para a nossa tão sonhada auto-suficiência. São 800 quilômetros de extensão por 200 de largura. Geograficamente está situada entre o Espírito Santo e o norte de Santa Catarina. Assim, logo teremos por aquelas bandas um mar de plataformas. A antiga campanha O petróleo é nosso torna-se requentada após mais de meio século e constatamos que era visionária.
O pré-sal é alguma coisa que a gente não sabe como funciona e não temos a menor idéia onde fica. Não temos a real dimensão do tamanho e nem a noção da profundidade, mas torcemos para que dê certo e que proclame nossa independência petrolífera. E seja infinitamente volumoso. Tanto quanto o vizinho Aqüífero Guarani. E que as receitas oriundas dessas profundezas sejam aplicadas em beneficio dos brasileiros. Amém.
Comenta-se que as estimativas são de 90 bilhões de barris. Para definir a grandiosidade do achado, o presidente Lula achou a metáfora do bilhete premiado. Um uso indevido da figura de linguagem. Sem sombra de dúvidas essas jazidas são uma supermega-sena super-acumulada. E espero, sinceramente, que o único vencedor seja o Brasil.
Num primeiro momento achei simpática a idéia de uma nova estatal, genuinamente do povo, capital 100% público, para prospecção de tão valioso tesouro. Na euforia e entusiasmado com a descoberta intui que a simpática Pré-salbras seria a menina dos olhos dos brasileiros. Mas criar uma nova estatal para esse fim não seria justo com a nossa querida Petrobras (sic). Então, penso que o petróleo do pré-sal deva ser extraído pela velha, boa e longeva Petrobras.
Além do que a Pré-salbras pode ser confundida como uma empresa gaúcha para financiar sal para o churrasco de domingo e não ficaria bem com os demais estados da nação. No entanto, quando alguém fala nas jazidas do pré-sal, eu não consigo deixar de pensar em churrasco. Afinal, sal tem tudo a ver com churrasco. Pré-sal soa como algo mais light, um sal para diabéticos. Uma espécie de tempero que não chega ser salgado por completo e usado por quem sofre de pressão alta.
Se o assunto é pré-sal, eu me vejo salgando uma suculenta pré-picanha. Só não me perguntem o que seria uma pré-picanha. Eu também não faço a menor idéia do que seja. E, há muito tempo, não sei onde está. Nos dias de hoje a prospecção de uma pré-picanha envolve volumosas quantias nas profundezas dos açougues.
Enfim, como essa prospecção não se fará da noite para o dia, ainda veremos muitos presidentes com as mãos sujas de petróleo – bem entendido – exibindo mais uma descoberta em alguma plataforma na costa do Espírito Santo.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O dia do Fico

Em Santa Maria propomos o contraditório. Fizemos vários debates ouvindo os lados que defendiam tanto o saldamento como a permanência no Reg-Replan. No Rio Grande do Sul, salvo engano, nenhum outro sindicato teve esta postura. O que vimos foi uma aceitação incontida e subserviente das decisões da Matriz. Tanto da matriz governo como da matriz sindical. E, assim, estamos fazendo sindicalismo moroso. Sem enfrentamento. Sem postura. Sem rebeldia que é a alma mais pura do sindicalismo.
No meu entendimento a questão deixa de ser técnica – pois já avançamos nos conhecimentos para decidir sobre nosso futuro – para ser política – pois não entendemos a tamanha pressão e ameaça por parte de quem detém a direção das nossas representações. Se o Novo Plano é tão bom assim por que tanta coação, como está ocorrendo, para o saldamento? Deixem-me decidir no aconchego do meu guichê.
É política porque envolve poder e subserviência. Trabalhadores e patrão. Presente e futuro. Sindicalismo e “sindicalismo”.
Foi alardeado aos quatro cantos do mundo, e da Funcef, que tínhamos uma escolha. Mas essa escolha me lembrou uma frase de Ford quando fabricou os seus primeiros carros. Você pode escolher a cor desde que seja preto. Assim é a nossa escolha, podemos decidir qual o Plano desde que seja o Novo. Portanto é falsa essa democracia de que estamos livres para escolher nosso futuro. Vide declaração da direção da Caixa. E isso só nos deixa mais indignados e lamentamos. Lamentável porque me sinto traído, pois elegemos um governo popular que prometeu valorizar o funcionalismo público. Que prometeu mudar o país. Com Lula, a esperança venceu o medo, ou não? Ou será que a política da coação venceu a esperança?
Os funcionários da Caixa têm uma vocação de lutas. Somos contestadores e admiramos e gostamos dessa empresa que tem seus princípios básicos no social. Nós queremos a Caixa grande e fomentadora da inclusão social e do abrigo dos excluídos e pobres da sociedade... mas infelizmente a Caixa está virada em metas.
O que ocorrerá após a última reabertura do saldamento? Uma chuva de ações que acarretará em um passivo trabalhista logo ali adiante. Até o mais pacato colega está em busca de seus direitos. Particularmente, elenquei cinco ações possíveis. Diante de todo esse imbróglio, busquemos nossos direitos. Até o direto de ficar.
Como Dom Pedro no dia 09.01.1822 disse que ficava. Eu elegi o dia 05.09.2008 como o meu dia do fico. Eu fico no Reg-Replan.

domingo, 17 de agosto de 2008

Duzentos anos de glória

Esse ano o Brasil comemora o bicentenário de vinda da Família Real Portuguesa. Muitos programas de televisão e vários livros foram lançados com essa temática. E é bom que assim seja, pois voltamos nossos olhos para a nossa história. A televisão torna-se educativa e os brasileiros têm a possibilidade de revisitar seu passado.
A vinda da Família Real foi uma epopéia. Deslocar uma corte inteira para o outro lado do oceano não foi uma tarefa fácil.
No entanto, ao analisarmos esse episódio histórico temos algumas dúvidas se há motivos para idolatria dos nossos nobres ou para comemorar esses 200 anos.
Nutrimos uma certa simpatia pelo príncipe regente Dom João VI, transpassava um estilo bonachão, glutão e, extremamente, inseguro. Algumas passagens de sua trajetória nos leva crer que Dom João era um covarde.
Consta que se a Família Real tivesse ficado em Portugal e enfrentado as forças francesas eles teriam vencido, pois o exército de Napoleão chegou aos frangalhos em Lisboa, os soldados mal tinham forças para carregar suas próprias armas.
Tão logo chegou ao Rio de Janeiro, Dom João requisitou casas para abrigar a nobreza. Colocavam as letras PR na porta para indicar que era do Príncipe Regente e que ali passaria a ser habitação de um nobre recém-chegado de Portugal. Mas a irreverência carioca não é de hoje e logo se disseminou o PR como Ponha-se na Rua.
Dom João também abriu os portos às nações amigas, ou muy amigas. Na realidade era uma abertura dos portos à Inglaterra que fez a escolta da Família até o Brasil.
Também, para financiar a nobreza e manter o status, títulos e condecorações, Dom João criou o Banco do Brasil. E o BB foi um incentivador das benesses Reais. Quando Dom João foi obrigado a voltar para Portugal, o Banco do Brasil sofreu o primeiro assalto de sua história, pois a Família Real e seu Príncipe covarde, mas astuto, raspou os cofres do Banco. O saque foi tão grande que a instituição ficou fechada por vários anos. Logo, concluímos que o BB não faz duzentos anos esse ano, pelo menos duzentos anos de atendimento ao público.
Naqueles tempos de monarquia brasileira, havia um jornal que circulava em Londres. O Correio Brasiliense que pertencia ao jornalista Hipólito da Costa. Pois esse jornal recebia uma “ajuda financeira” para maneirar nas críticas à monarquia e ao Príncipe Dom João. O nosso príncipe era preocupado com a imagem da nobreza.
Enfim, nos últimos tempos muito se tem falado de corrupção e vemos poucos punidos. Vemos manchetes de desvios de verbas públicas e temos uma imprensa submissa porque é conivente ou raivosa porque não conseguiu conveniências. Assim, percebemos que esses desmandos também completam duzentos anos.
Vem de longe essa mania de misturar o público com o privado. Vem de longe essa mania de impunidade aos colarinhos brancos. Vem de longe essa hipocrisia.
Tintim! Duzentos anos de história. Estamos todos de parabéns.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Platão e um Ornitorrinco entram num bar...

O livro Platão e um Ornitorrinco entram num bar... de Thomas Cathcart & Daniel Klein editado pela Objetiva, traz como subtítulo A filosofia explicada com senso de humor, e é dedicado à memória de Marx, que resumia a ideologia básica quando disse: estes são os meus princípios. Se você não gostar deles, tenho outros.
Estamos vivendo uma Era de grandes modificações e descobertas científicas. Há uma competição desenfreada e o individualismo é a supremacia do ser. A informação é disseminada em tempo real sem a devida absorção e maturação da mensagem por quem recebe. Aceitamos esse bombardeio e pouco nos indignamos com as contradições, falsidades e desencantos.
Na política foi-se o tempo do debate ideológico. Acaloradas discussões e embates teóricos estão fora de moda. O pragmatismo político e eleitoral e as disputas por cargos e interesses individuais sobre o coletivo são a síntese da nossa compreensão política.
Não necessitamos ir aos primórdios do pensamento e nem debulharmos prateleiras das bibliotecas para retomarmos um mínimo de interesse no pensamento filosófico acerca do mundo em que vivemos. Mas Platão e o Ornitorrinco podem despertar alguns resquícios de crítica, contestação e indignação. Por que não começarmos com filosofia e humor? Afinal, ninguém é de ferro e a revolução não será fita por nós e nem seremos obrigados a escrever ensaios tri-legais.
O livro surpreende pela criatividade, tanto na abordagem filosófica com graça, que para nós, leigos, é uma mão na roda, como também no título. Lendo o título torna-se impossível não folhear o livro.
Se imaginarmos Platão e um Ornitorrinco em uma mesa do Ponto de Cinema, numa fria noite de segunda-feira, seria algo estupendo. Balançaria as estruturas políticas e ideológicas de Santa Maria e seríamos noticiados pelo Willian Bonner. Agora, se juntamos a essa mesa, o mestre Guina e o professor Ronai, não tenho dúvidas, cai a República.
Embora o conteúdo esteja aquém da profundidade que os acadêmicos gostariam, o livro é uma boa leitura para iniciantes e apreciadores do humor refinado.
A propósito, o livro é dedicado à memória de Marx, do Groucho Marx. Entendido?

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Um dia de Vento Norte

Um dia de Vento Norte causa transtornos em nossa rotina. Na madrugada percebemos sua chegada pelos assobios nas portas e frinchas das janelas.
Nos programas de rádios as manchetes se sucedem: Rajadas de vento do quadrante norte. Vento forte e temperatura elevada. O Vento Norte, uma das características de Santa Maria, agita a vida dos santa-marienses.
O Vento Norte é conhecido desde os tempos das primeiras ocupações no Rio Grande do Sul. No século XIX, Saint-Hilaire foi um dos pesquisadores que o identificou. Quando os militares acamparam por essas bandas, o Vento Norte já movimentava as lonas das barracas e agitava as bandeiras.
Santa Maria possui vários elementos naturais – morros, vales e planuras – mas o Vento Norte tem um significado especial e o carinho dos habitantes da terra de Imembuy. Odiamos, xingamos, amaldiçoamos, mas convivemos com esse desconforto. É uma relação de amor e ódio. Quem não praguejou na esquina da Rua Acampamento com a antiga Rua 24 horas ou na Floriano com a Bozano em manhã ventania?
O Vento Norte acontece em qualquer época do ano; não está restrito ao inverno, como é o caso do Vento Minuano. Esse vento está sempre na espreita e desmancha os penteados, esvoaça as cabeleiras e levanta as saias das gurias. É um vento malandro. Ponto para o Vento Norte. Mas também, danifica telhados, derruba muros e árvores. Vem de longe esse Vento Norte!
Certa feita perguntaram a um antigo morador de Osório qual seria a receita para ficar rico. Sendo um velho conhecedor da região, respondeu: se eu pudesse engarrafar o vento eu seria um homem rico. O Vento Norte de Santa Maria também é um antigo parceiro da cidade e não temos a intenção de engarrafá-lo, mas se o Vento Norte contasse as histórias de suas andanças, certamente, contaria muitos causos dessa Santa Maria cheia de graça, nos mais ínfimos detalhes.
Penso que o Vento Norte nos contou muitas histórias nesses últimos 150 maios, nós é que não tivemos a capacidade de ouvi-lo porque estamos sempre na dúvida entre o guarda-chuva e o casaquinho de moletom.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Garotas da Gogo

O vereador de Carazinho Gilnei Jarré deverá gastar o gogó para explicar os motivos da homenagem aprovada em plenário pela Câmara de Vereadores às Garotas da Gogo.
Maria Gorete, a proprietária do estabelecimento, recebeu as honrarias por ocasião do nono aniversário da danceteria.
O motivo alegado pelo ilustre vereador foi um dos mais nobres: a empresa e toda sua equipe de funcionárias proporcionam momentos de descontração para os clientes. Ficou a dúvida se foi uma menção honrosa, honra ao mérito ou relevantes serviços prestados ao município, no caso em particular, aos munícipes.
A questão é polêmica. E só é notícia porque é inusitada. Se a homenagem fosse para um atleta, um educador ou um ínclito ex-prefeito, não teria o mesmo impacto na mídia e o mesmo alcance geográfico. Mas homenagear as Garotas da Gogo é um fato relevante. Se observarmos pela ótica de que uma categoria de trabalhadoras está sendo homenageada, nada mais justo. Agora, se escracharmos nossa hipocrisia de classe média que freqüenta bordéis é uma homenagem indecorosa. Um acinte. Um atentado aos bons costumes.
Nos últimos anos sofremos uma enxurrada de escândalos envolvendo políticos, banqueiros e “laranjas” dos mais variados pomares. São tantas as operações que a Polícia Federal está perdendo a criatividade nos nomes. No flagra, um dos envolvidos escancarou um sorriso debochado diante das câmaras de TV. Nesses casos, as algemas são os únicos momentos de descontração que temos.
Quando a Associação dos Magistrados do Brasil divulgou a lista com os nomes de candidatos a prefeito e vice nas capitais do país, de pessoas que respondem a ações penais ou por improbidade administrativa, qual foi nosso grau de indignação? Existe indecência maior que improbidade administrativa? Esse tipo de “sacanagem” não nos causa mais espanto.
Carazinho deve ser uma cidade desprovida de problemas urbanos, seu povo vive feliz e em estado de graça. Então, homenagear as Garotas da Gogo não tem nada demais, além do que, se verificarmos os projetos das câmaras por esse Rio Grande afora, veremos que a maioria dos encaminhamentos são de homenagens e nomes de rua. Aliás, Alameda Garotas da Gogo seria um belo nome para uma avenida repleta com ipês roxos e amarelos.
Em uma discussão, um amigo comentou jocosamente dando o assunto como encerrado: não vejo motivo para tanta celeuma, pois nada mais justo e louvável que os filhos prestem homenagens às mães (sic).
Não quero ser pessimista, mas acho que a situação do vereador está meio complicada. Haja trololó do Jarré.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Batalha dos Aflitos

Cheguei em casa faltando cinco minutos para o início do jogo. Vinha de uma festa de aniversário de uma gremista e com a certeza de que era uma excelente oportunidade de o Internacional conquistar três pontos em Pernambuco.
O jogo contra o Náutico pelo campeonato brasileiro tinha algo de especial, pois estava envolto em brumas recentes de um confronto que poderia ser trágico e uma grande incerteza por ser no estádio dos Aflitos. Estava meio ansioso, para não dizer aflito, já que em tempos não tão remotos houve uma batalha naquele estádio que causou taquicardia em alguns torcedores do co-irmão. E esse desespero disfarçado de façanha foi eternizado em DVD.
O Internacional, mais uma vez, jogou bem, mas não transformou esse bom futebol em gols. No primeiro tempo, por três ou quatro oportunidades, o Nilmar desperdiçou as jogadas claras de gol. E, novamente, agora no segundo tempo, o árbitro deu um pênalti inexistente que nos deixa com a pulga atrás da orelha, pois esses pontos perdidos faltarão logo adiante, na disputa pelo título ou por uma vaga na Taça Libertadores da América.
Como tenho mania de perseguição e sou adepto da teoria da conspiração, acho que tem gente querendo melar nossa festa do Centenário em abril de 2009. Mas esses temas são de foro íntimo.
No segundo tempo o Internacional não foi o mesmo da primeira etapa – será que está faltando perna? –, mas no final o Nilmar, em posição duvidosa, pra não dizer em flagrante impedimento, empatou o jogo. Empatando, também, nas injustiças. Assim, os dois gols foram oriundos de jogadas mal-interpretadas pelo árbitro Rodrigo Cintra.
No entanto, quando o Inter empatou, faltando menos de cinco minutos para o término da partida, eu imaginei uma virada fenomenal e me lembrei de um Inter e Cruzeiro na década de 70 do século passado em que o colorado venceu por 3 a 2 virando o jogo em sete minutos. Já estava mentalizando um e-mail para o Vitorio Piffero sugerindo um DVD: A batalha dos aflitos II. Afinal de contas, tem clube que faz uma festança por qualquer vitória. Mas um simples empate não é motivo suficiente para a produção dessa batalha. E continuo aflito por uma vitória fora de casa, mas otimista com a chegada do castelhano D`Alessandro e do Daniel Carvalho.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Sopa de Uglione

O encontro comemorava o primeiro aniversário da república dos estudantes no centro da cidade. Todos, com exceção do Joca, que tinha algo de português e espanhol, eram descendentes de italianos e oriundos da Quarta Colônia. E o assunto predominante não poderia ser outro: a culinária italiana.
O mais glutão dos presentes foi taxativo.
– Pizza quatro queijos é a minha predileta e com borda de catupiri. – salivou sem pestanejar o gordinho de volumosas bochechas. – Respiro profundamente e sou capaz de sentir o cheiro do orégano. Simplesmente deliciosa – completou.
Os comentários se seguiram. E quase todos envolviam o vinho tinto feito pelos colonizadores. Os melhores vinhos feitos pelas habilidades dos queridos antepassados.
– O bom vinho da colônia de Santos Anjos. Daqueles que a gente sente o gosto da uva, para mim, é o mais importante. Comida italiana tem que ter vinho e ao som da Mérica.
– E a cachaça de Val Feltrina. Nada igual!
– Cachaça não faz parte da culinária italiana.
– Vá me dizer que os gringos não bebem uma caninha de vez em quando?
– Vinho tinto que meu avô fazia. Supimpa!
– Supimpa é ótimo.
– O queijo da Nona, então, algo muito especial. E o salame? Divino.
– Nhoque de batata ao pesto. Nossa! Filé ao gorgonzola. Huuumm!!
Todos emitiam suas opiniões com a centenária convicção de imigrantes e conhecedores do assunto. Cada um o mais entendido e com as receitas mais mirabolantes.
Risoto ao vinho tinto. E tinha que ser Côtes-du-Rhône. Sopa de capelete. Rigatoni com Ragu ao Vinho, que ninguém entendeu o que era. Mas todos disseram que era ma-ra-vi-lho-so. – Dos deuses. – complementou um de Faxinal do Soturno.
O garotão com um jeitão meio espanhol, meio português, mas nascido na Bossoroca, estava quieto num canto da sala. Havia bebericado quatro doses de campari. Estava oitavado no marco da porta.
– E tu Joca? – perguntou alguém.
– Eu? Eu o quê?
– É! Que te parece a culinária italiana?
– Sei lá. – rodopiou o copo de campari, calmamente.
– Nunca saboreaste nada da culinária italiana? Uma pizza? Uma sopa? Um filé?
– Já... Eu gosto de Sopa de Uglione.
– Sopa de Uglione??? – entreolharam-se os mais convictos sobre a estranha iguaria.
– Na Quarta Colônia nunca se falou em Sopa de Uglione. E minha vó sabia tudo de sopa. Aliás, a velhota conhecia tudo sobre sopas, queijos e vinhos... e filhos. Teve nove.
– Vocês nunca tomaram Sopa de Uglione?
– Não! – foi a resposta incisiva e uníssona.
– Mas de quem vocês são descendentes? – e sorriu debochado.
Então, explicou. Sopa de Uglione: é uma sopa com umas massinhas com carne dentro e temperada. Simples... uma agüinha com massa e carne.
– Joca. Não seria Sopa de Anholine?
– A-nho-li-ne! Isso! – com a palma da mão bateu na própria testa.
– E, além do mais, não é agüinha. Ora! Agüinha!

segunda-feira, 2 de junho de 2008

50 anos de glória

50 anos de glória...
Cantando esse verso do hino do co-irmão, a mãe sentou-se à mesa para o almoço.
O marido e o casal de filhos adolescentes, todos colorados fanáticos, nada disseram. Apenas o guri resmungou um “me poupe”.
Passados mais alguns instantes a mãe volta à carga com o verso, repetindo, alegremente, duas vezes. 50 anos de glória... – cantava somente esse verso e silenciava.
– Todos os torcedores do co-irmão começam cantando o hino pelo “Até a pé...” ela, não! Começa com os “50 anos...” – falou virando-se para o pai.
– Mas eu quero cantar assim, ora. 50 anos de glória...
– Parece provocação.
– Ela não sabe o restante da letra.
– Domingo que vem eu faço 50 anos bem-vividos. E quero um presente do Grêmio. Entenderam? Nessa casa tem toalhas, chaveiros, cuias, agenda, canetas, bonés, chapéus, livros, camisetas – não sei quantas – bandeiras e até umas alpargatas do Internacional. Eu quero um presente do Grêmio.
– Pura bucha. – grunhiu o piá.
Mas o fato é que os três, marido e o casal de filhos adolescentes, estavam em frente a loja do Internacional e, disfarçadamente, com o rabo dos olhos, observavam a vitrine da loja do Grêmio.
– Quem sabe uma toalha.
– Não! Muito grande. Imagina aquela coisa azul pendurado no box do banheiro. Tem que ser algo menor.
– Um chaveirinho... um bóton. – disse o guri.
– Tem que ser maior, afinal, são 50 anos de glória...
– Argh!
Os três continuavam em frente a loja do Inter e contemplando, disfarçadamente, o presente a ser adquirido para a gremista.
– Uma camiseta!
– Tá louco! Ela vai passear com a camiseta. Nós estaremos almoçando no Monet e ela com a camiseta deles. Jamais!
– Então o quê?
– Umas alpargatas.
– Fechado, ela fica com o Grêmio nos pés. Não é até a pé...
– Eu tenho alpargatas do Inter.
– Então, vamos lá comprar.
– Três pessoas para comprar umas alpargatas. Vai, apenas, um.
– Quem vai?
– Eu não vou.
– Eu não vou. Imagina se um amigo me vê entrando na loja do Porto-Alegrense. Deus me livre.
– Vamos tirar no par ou impar.
– Não!
– Não!
Nesse ínterim apareceu a Danny Bananinha, amicíssima da filha.
– Danny, amigona, compra um presente para mim.
– Mas o teu aniversário não foi na semana passada?
– É para a minha mãe, ali na loja do Grêmio. E manda enrolar para presente.
A Danny volta com o pacote azul. O guri pega uma sacola na loja do Inter e se vão os três pelo calçadão. Um presente do Grêmio camuflado numa sacola do Internacional.
– Se ela cantar de novo 50 anos de glória... eu taco fogo nessas alpargatas. – falou o guri com cara de bem poucos amigos gremistas.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Beira-Rio - 04.05.2008

Dois embates decidiram o campeonato gaúcho de futebol e o histórico dos jogos do Internacional contra o co-irmão da Serra não era nada favorável.
Uma falha do atleta símbolo dos títulos internacionais do Internacional, Fernadão, faltando dez segundos para o término do jogo em Caxias, dera vantagem ao Juventude. E para a decisão do dia quatro de maio no Beira-Rio os pressentimentos dos colorados eram escabrosos.
Num primeiro momento, lamentamos, mas se formos racionalizar veremos que a expectativa da final havia sido alterada. Algo como cutucar a onça com vara curta.
Com a vitória, o alviverde de Caxias do Sul passou a ostentar o favoritismo e para muitos, cronistas e torcedores, o campeonato estava ganho. Novamente, a touca verde seria o principal agasalho dos colorados. Com o vexame no finalzinho do primeiro jogo, o Inter redobrou os esforços para não sofrer a quarta derrota seguida no gauchão. Podemos afirmar que o Juventude entrou em campo de salto alto e o Internacional nas pontas dos cascos.
Em função da qualidade das equipes poderíamos fazer uma análise das probabilidades ou um estudo estatístico. A conclusão mais acertada seria da improbabilidade de uma quarta vitória consecutiva do Juventude. Mas quem estava apostando nas probabilidades ou nas estatísticas se a taquicardia do torcedor não leva em consideração a lógica e tábuas matemáticas?
Então, para espanto geral da nação, o que vimos na final foi uma avalanche de gols. Um ciclone arrasador. Não recordo de ter visto algo semelhante e ao vivo em um domingo de sol. É inimaginável oito gols em uma decisão de campeonato gaúcho.
Como o futebol brasileiro é exportador de craques, nossos clubes são formados por atletas medianos e por aqueles que estão sendo repatriados, já em final de carreira. Então, um time com onze jogadores medianos e aguerridos pode ser uma equipe vitoriosa. Sem craques ou galácticos. Hoje, o Internacional é um dos poucos clubes do Brasil que possui um elenco de bons jogadores medianos.
Evidentemente, não devemos recusar um craque, mas sabemos o que acontecerá, logo ali adiante, quando um guri desponta em uma categoria de base: A Europa e uma montanha de euros o chamam.
A conquista do campeonato gaúcho de 2008 lavou a alma dos colorados urbanos e a égua dos colorados campeiros. Foi um final de domingo memorável.
Enfim, apenas um dado não estava conforme naquela tarde de domingo 04 de maio de 2008: A decisão não era Gre-Nal. Seria demais para um coração vermelho.

terça-feira, 13 de maio de 2008

A goleada

Uma goleada lava a alma do torcedor. E uma goleada sobre o time rival lava a alma com louvor. A euforia é extravasada na enésima potência. Após uma goleada a galera tem um único objetivo: ir para as praças e avenidas desfraldar as bandeiras dos vitoriosos.
Foi-se o tempo em que goleadas eram comuns entre times do mesmo porte. Hoje, o futebol está mais igual. É uma indústria que envolve bilhões de dólares e um esporte digno de pesquisas nas mais renomadas universidades e laboratórios. A preparação, os recursos táticos e técnicos e as tecnologias estão à disposição de qualquer clube e são disseminados com maior velocidade. Estudiosos e olheiros são, praticamente, onipresentes. Evidentemente, o poder financeiro do patrocinador de um clube faz uma razoável diferença.
Quanto pesava uma camiseta há quarenta anos. Quanto pesa hoje? Em 1970 os atletas percorriam 6 km num jogo, o futebol era mais cadenciado. Trinta e poucos anos depois correm mais de 10 km por partida. Os jogadores terminam os jogos no limite da exaustão, muitos com câimbras e fisicamente debilitados. O exemplo mais recente foi de Ferrnadão. Faltando dez segundos para o encerramento do jogo, na primeira partida da decisão do campeonato gaúcho, o capitão colorado cometeu um grave erro que originou o gol da vitória do Juventude. Fernandão estava estafado física e mentalmente. Em condições normais bastava por o pé em cima da bola e protegê-la com o corpo por dez segundos. Fim de jogo. Ou, simplesmente, colocá-la pela linha lateral. Fim de jogo.
O futebol é bem mais competitivo que há trinta anos. Time vencedor é aquele que combina arte, força, engajamento e motivação. É fundamental a união de atletas e comissão técnica no objetivo da vitória. Com todas essas variáveis no futebol atual, as goleadas tornaram-se mais esporádicas. Salvo quando há uma brutal disparidade entre os competidores. Uma goleada é a superação, supremacia e glória dos atletas. Por isso as goleadas são inesquecíveis. São gols que permanecem gravados na memória. Viram músicas e são cantadas nas gerais dos estádios. São bem-guardadas em DVD’s para serem mostradas aos amigos.
Então, seguidamente, uso o recurso da tecnologia para ver e rever muitas vezes as goleadas do Internacional. São vitórias que não cansam as vistas dos colorados. Particularmente, sei cada detalhe dos cinco gols do Internacional no memorável Gre-Nal dos 5 a 2.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Manifesto da chapa Ave Sonora

Buscamos no poema Ave sonora de Gilvan Retamoso Palma inspiração para propor o novo e rever conceitos. E não temos outro jeito de assumir esse compromisso. Ave sonora sintetiza a rebeldia e a contestação.
Gilvan escreveu esse poema em homenagem a Mario Quintana quando o poeta foi recusado na Academia Brasileira de Letras. Pois a academia é só mania de quem tem plata. Assim, queremos levar à categoria que se encanta com o sol-pôr e renasce nos sonhos com o sol-nascente a nossa veia inclemente de fazer sindicalismo sério, propositivo e com transparência. Pois estamos sempre à espreita dos balanços dos banqueiros e vemos que a cada ano mais plata continuam nos seus abarrotados cofres.
Estamos alerta como o quero-quero, pássaro símbolo do Rio Grande e sentinela dos pampas, porque queremos e almejamos o melhor para todos. Um Rio Grande que seja grande para o seu povo e não apenas grande para uma minoria. Ainda nos encanta essa desobediência de sonhar acordado, de ter a mão amiga e um abraço apertado. Essa alquimia que nos coloca no mesmo lado. De caminharmos sobre a relva em uma manhã de primavera ou nos aconchegarmos sobre um poncho numa tarde de inverno. Queremos um cálice de vinho tinto e um trago de pinga na campanha. É essa a nossa façanha de ver as coisas do avesso, do fim para o começo ou do jeito de cada um num arrojado desafio, mas o que importa nesse momento é que num segundo seremos mil.
Corremos de alma pura por campos e matas porque não há censura nem linha dura para essa passeata. Ave sonora, nós queremos paz, mas não a paz dos sepulcros. Queremos a paz nos estádios, nas ruas, nos centros das cidades e nas vilas populares. Queremos paz em nossos corações e em nossas atitudes. Queremos um meio para sermos inteiros em nosso assobio.
Queremos um pincel para pintarmos com aquarelas as flores do nome dela. Ou desenhar pinguelas sobre riachos cristalinos. Nós não queremos um bodoque que nos coloque com quatro velas. Nem fechar encantos com uma cancela.
Há uma razão para viver, várias para sonhar e milhares, ainda, para serem descobertas. Mas há apenas uma razão que nos diferencia: estamos sempre alerta.
Não há motivos para a demagogia, sorrisos falsos, tapinhas nas costas e hipocrisia. Nosso compromisso é com a luta, com a ética, com a coerência e exercê-la em sua enésima potência. Há um convite a ser feito aos bancários. Caminhemos juntos nessa jornada de pura alegria.
Ave sonora eu vou embora.Eu vou contigo no vôo amigo desta canção.

domingo, 4 de maio de 2008

Os dez Mandamentos


A idéia original parecia absurda, construir um romance escrito por vários autores santa-marienses, e situado, geograficamente, no coração do Rio Grande.
A partir dessa definição não foi difícil chegarmos à conclusão de que seriam dez escritores. Como cada um escreveria um capítulo, estabeleceu-se um “mote” geral que tinha um dos dez mandamentos bíblicos como título e amarra.
De imediato, o desafio se mostrou instigante ainda que parecesse audacioso, no entanto a experiência prometia ser prazerosa. Foram trinta meses para a conclusão dessa narrativa. Tempo em que a expectativa só aumentava entre os participantes, pois os autores tinham liberdade para dar continuidade ao argumento sem saber como seria o desfecho do capítulo seguinte. O mais gratificante disso tudo é que todos os escritores contatados para participar desse empreendimento literário não esmoreceram diante da tarefa desafiadora.
O romance coletivo Os dez mandamentos foi escrito, desse modo, a vinte mãos. A história, no entanto, tem a virtude de prender a atenção do leitor, que, além das peripécias das personagens, vai perpassar por vários estilos literários num mesmo texto, numa narrativa cativante.
Santa Maria, cidade com profunda fé e religiosidade, é o palco dessa trama que envolve uma tentativa de assassinato dentro da catedral Diocesana, como também, violência, traição, luxúria, mistério, gratidão e amor. O romance transita pelo centro da cidade, ruas, avenidas, praças, bairro Santa Marta, pelo viaduto Garganta do Diabo, Universidade Federal e pela Quarta Colônia. Lugares e personagens históricos e folclóricos de Santa Maria são recuperados, como um restaurante tradicional, o vendedor de loterias, um ex-vereador e um pároco.
Santa Maria possui uma tradição cooperativista e a Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea foi uma das maiores associações de trabalhadores da América Latina, símbolo de união e cooperação dos “ferrinhos.” Atualmente, a Feira Estadual do Cooperativismo e da Sócio-economia solidária e a experiência dos universitários com a Cooperativa dos Estudantes de Santa Maria são exemplos dessa vocação cooperativista de Santa Maria.
E a literatura pode ser cooperativada?
Concluímos que pode ser compartilhada e escrita por múltiplas mãos. Se isso se chama “socialismo literário”, “social literatura” ou tenha outro nome que identifique tal parceria é uma questão menor. O fundamental, porém, é que estamos diante de um projeto arrojado e que nos deu muito prazer em realizá-lo e caberá aos leitores a sua parcela de colaboração nessa empreitada de dar vida aos dramas relatados neste Os dez mandamentos. Pecado é não ler.


Editora Movimento 2008.

sábado, 19 de abril de 2008

Os bichos e o terceiro mandato

Os bichos reuniram-se em assembléia para discutir acerca do terceiro mandato do presidente da floresta. O leão e a coruja foram eleitos para formar a mesa condutora dos trabalhos.
O primeiro inscrito foi o sapo da barba preta. Falou como nos tempos de sindicalista e primeiro presidente dos sindicatos dos bichos trabalhadores da floresta. Fez um longo discurso e disse que era um absurdo, um atentado contra a democracia essa emenda constitucional e finalizou afirmando que não estava de bom humor: – querem rasgar a constituição!
O sapo da barba branca entrou no recinto sorrindo, distribuiu beijos e abraços e, também, opinou como o seu irmão mais moço, o sapo barbudo da barba preta. Era contra a emenda para o terceiro mandato. Mas a turma não acreditou muito. Não convenceu e todos achavam que no fundo, lá no fundo, ele era favorável.
O macaco velho falou... pulou de um lado para outro e não se definiu. Acabou em cima do muro. Aplaudia qualquer um por qualquer motivo. Uma raposa anciã também fez o estilo macaco velho. Enrolou, disse que sim, disse que não e ficou por isso mesmo.
O pato fez um discurso eloqüente em favor dos oprimidos e que o polvo era o seu principal devedor. E encerrou dizendo que seria favorável ao terceiro mandato se todos os bichos pagassem o pato e não apenas o polvo. O polvo ficou radiante com a intervenção.
A coruja, com toda a sua sabedoria, fez algumas indagações. Por que só o pato recebe e, apenas, o polvo paga? Todos deveriam pagar. Todos deveriam receber. De acordo com sua necessidade e de acordo com sua... – o leão interrompe e cochichou em seu ouvido. – Eu não quero saber se vai ter terceiro mandato ou não e quem paga quem. Eu vou continuar mordendo!!
O gato chegou de mansinho ficou na espreita e saiu na moita quando o corrupião entrou na sala da assembléia com uma mala preta e colocou em cima da mesa próxima ao leão.
Nesse momento a vaca resolveu ir embora e foi para o brejo.
O cordeiro não estava nem aí. Ele se adaptaria facilmente a qualquer modelo, mandato ou presidente seja ele com barba, sem barba, com bigode, bigodinho ou bigodão, colarinho engomado, com aquilo roxo ou rosa, topete ou seja lá o que for.
O tucano mineiro apareceu com uma estrela no peito e sofreu uma estrondosa vaia, mas foi o mais radical. Não quis conversa com ninguém e que se fosse aprovada a emenda maldita da re-reeleição ele proporia uma CPI exclusiva no senado.
De repente fez-se silêncio no recinto. Os bichos entreolharam-se. O molusco marinho havia chegado...
Dirigiu-se diretamente para o púlpito e começou o discurso. – Nunca na história dessa floresta...

sábado, 12 de abril de 2008

A trégua

São tantos os reveses políticos e com a iminência de mais uma pizza a ser servida para o povo com os mesmos temperos de sempre, que deveríamos pedir uma trégua.
Uma trégua para a corrupção, para a impunidade, uma trégua para os cartões corporativos e para as falcatruas federais. Pararmos por alguns momentos para uma reflexão coletiva.
Talvez seja essa a solução imediata para a atual crise política: uma trégua. Um basta, mesmo que seja momentâneo. Mas também podemos fazer uma trégua literária. Um gênero romântico de trégua. Mais simples e prazerosa, cuja única semelhança com as pizzas de Brasília é a ficção.
A trégua romance do escritor uruguaio Mario Benedetti editado pela Alfaguara.
Primeiramente o romance foi publicado em 1960. Escrito em formato de diário é um livro envolvente e surpreendente que prende a atenção do leitor. Capta a vida em toda sua pureza. Nas relações familiares e com os colegas de trabalho. É sensível, irônico e com doses homeopáticas de humor. Um livro humano, no sentido mais simples e singelo da palavra.
O personagem Martin Santomé redescobre o amor após uma viuvez de mais de 20 anos. Laura Avellaneda é a jovem que trará uma nova vida para Martin.
Uma trégua para o amor. Quando a desesperança com uma iminente aposentadoria acontece a descoberta do amor. Martin percebe que poderá ser feliz. E no dia 23 de setembro Martin escreve sete vezes a em seu diário: Meu Deus.
Por quê? O leitor terá que abrir o livro.
A trégua romance uruguaio e uma das melhores narrativas latino-americanas. Boa leitura.

domingo, 30 de março de 2008

Obrigado, Pelé!

A Lei Pelé provoca acaloradas discussões e proporciona muita controvérsia. Os cronistas desportivos enchem colunas dissecando os malefícios causados no futebol e nos clubes brasileiros.
Hoje, a lei está transformada e foram amenizados os transtornos e retrocessos do projeto inicial. Mas tem muito para ser modificada, principalmente, se levarmos em conta o futebol como espetáculo e analisarmos a mediocridade dos últimos campeonatos nacionais.
A evidente constatação é a de que nossos craques estão, cada vez mais jovens, indo jogar nos gramados exteriores. Quando um menino desponta em alguma categoria de base, os olhos dos dirigentes e empresários faíscam com cifrões e piscam como máquinas registradoras. Há alguns casos que os garotos nem chegam jogar nos clubes do Brasil, são profissionalizados no Velho Mundo. E isso é alarmante para um incauto e apaixonado torcedor.
Os gaúchos contam os inúmeros craques que poderiam, ainda, estar jogando no Olímpico ou no Beira-Rio. Se os craques que deixaram a dupla nos últimos seis ou sete anos retornassem aos campos do sul, Grêmio e Internacional teriam excelentes e competitivos times. E isso se traduziria em galera feliz, estádios lotados e ingressos mais acessíveis. Mas quem se importa com a paixão do torcedor?
Dentre os vários casos de atletas que despontaram na dupla Gre-Nal, dois exemplos são revoltantes. O primeiro foi o Ronaldinho Gaúcho que deixou o Grêmio sem a devida contrapartida financeira, para não dizer que foi uma doação involuntária protagonizada pelo time da Azenha. Ironicamente, no instante em que o presidente havia colocado a frase não vendemos craques no alto do estádio. O segundo, que revolta os corações vermelhos, foi a prematura saída do garoto Alexandre Pato. O Pato jogou meia dúzia de partidas pelo Internacional e foi “exportado” para o Milan. Ganhou o Inter, ganhou o jogador, ganhou muitíssimo o atravessador e perdeu o futebol gaúcho.
Em 1982, na Copa da Espanha, aquele memorável e inesquecível eclipse de astros montado pelo Telê Santana, apenas o Falcão jogava no exterior. Atualmente, essa proporção inverteu-se assustadoramente e tenho dúvidas se em 2010 haverá algum jogador titular atuando nos campos do Brasil.
Então, como um fanático torcedor do Internacional – e um pacato torcedor do Gandense – toda vez que o Alexandre Pato faz um golaço no Milan eu faço um especial agradecimento: Obrigado, Pelé!

domingo, 9 de março de 2008

As flores

Há um agradável perfume no ar. Um estranho cheiro de terra, de relva e de mar. São flores que desabrocham nos mais diversos lugares. São girassóis, margaridas e camomilas ao sol. São rosas nos pomares. São pétalas esparramadas aos cuidados dos nevoeiros das primeiras horas.
Há uma essência de flores na cidade. Múltiplos aromas que exalam cheiros de todas as idades. É um cheiro de crianças que imploram trocados nos cruzamentos. É um cheiro de mulheres que rogam por seus rebentos.
Nesses dias que antecedem o inverno, temos aromas de antigos amores nos catres vazios. Esses dias preenchem os sonhos com perfumes ausentes. E proliferam cheiros de jovens amantes. É alguma coisa delirante. Imprudente. É um cheiro de atrevimento e contestação.
A cidade está impregnada pela essência de trabalhadores que assentam ilusões. Que contam segredos e fogem dos medos quando o sol se põe. É um perfume de mulheres feridas em seus corações. De mulheres que enfrentam a vida batendo tábuas, varrendo o chão e catando gravetos. Há um aroma de sanga, de poeira e de crepitar de lenhas no fogão. É um cheiro dos errantes, dos que chegaram antes e dos que chegaram depois, esse cheiro é de nós dois.
É um cheiro novo, mas é conhecido, é a essência do povo.
E essas flores são imensas, densas e acabadas. São pétalas molhadas pelas chuvas do outono. São pétalas sem dono. Nesse jardim só há nomes de mulheres. São todas fêmeas, belas e apaixonadas. São descaradas. Anita, Isabel, Olga e Rosa. E tantas mais, mas todas mulheres, e, “das Flores”. E as flores desse quintal são imprescindíveis.
Mas há uma fragrância de democracia. Uma mescla de paixão e rebeldia. De liberdade e utopia. É um cheiro de ira contra as injustiças, que fala, grita e que faz. E que gira.
Essas flores têm perfume de gente.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O tempo... passou ligeiro

O inverno lá fora está inclemente. A noite é fria e uma bruma toma conta da cidade. Na sala o crepitar da lenha na lareira. O nó de pinho se consome lentamente. Fecho o “Pequenas Criaturas” de Rubem Fonseca e fico contemplando a dança das labaredas que aquecem o ambiente.
Nesses momentos de introspecção os pensamentos voam para o passado. A mente busca lá no fundo da memória momentos especialmente gravados. A primeira recordação vem dos tempos que um grupo de amigos reuniam-se para tocar e cantar. Eram encontros com a música regional nativista, regados a chimarrão e cachaça com mel. Não sei se tínhamos algum talento, mas o melhor de tudo era o prazer das nossas tertúlias musicais. Percebo que o tempo passou e passou ligeiro. Passados vinte anos muitas coisas mudaram. Estamos dispersos e deixamos no passado um pouco de nossos anseios. E alguns sonhos irrealizáveis.
Naqueles anos 80, em que não nos perdemos por aí, éramos jovens e queríamos muita aventura. De quebra, se tudo desse certo, transformar o mundo. Se a classe dominante bobeasse, nós faríamos a revolução. Não posso deixar de lembrar que tínhamos uma indignação ante as injustiças e a miséria, isto é muito importante quando resgatamos do nosso passado tais rememorações. No início da década de 80 a atividade política estava em turbulência, pois o país atravessava uma transição. A ditadura cerrava suas portas e a democracia surgia para os brasileiros tal qual a conhecemos.
Hoje, não somos mais revolucionários, mas continuamos indignados. Não usamos mais a boina preta, mas a injustiça e a miséria ainda maltrata nossos eternos corações de estudante. Nós amadurecemos. Inclusive nossa indignação também amadureceu, e nesse amadurecimento têm certas coisas que a gente não pode perder, e uma delas, sem sombra de dúvidas, é sensibilidade diante das coisas belas, da arte, da ternura, da cultura, das coisas simples da nossa vida. Brincadeiras com os filhos. Passeio pelos parques e praças da cidade. Chimarrão com os amigos ou jogar conversa fora na mesa de algum boteco. Certamente, buscar na simplicidade a sua essência.
A velocidade do mundo atual não nos permite tempo para as coisas simples da vida. Estamos gradativamente perdendo a humanidade. O trabalho nos enclausura. E somos dependente da máquina. Daqui a alguns anos meu piazito estará fazendo 20 anos e eu não o terei visto jogar bolitas, sujar as roupas no varal jogando bola, tomar banho de chuva ou riscar as paredes da casa com as canetinhas da mana.
Infindáveis e numerosas reuniões, nas quais a gente acaba se metendo, fomentam nossa insensibilidade, a alienação para a vida e para as pessoas que estão ao nosso redor.
Na lareira o nó de pinho virou um amontoado de cinzas, as inexistentes labaredas, são como as lembranças, aquecem apenas a saudade. O tempo continua passando, num piscar de olhos, o presente estará há vinte anos, e as recordações ficarão mais distantes. E nós cada vez mais maduros e indignados.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O mito aposentado

Fidel Castro foi uma das figuras mais controversas do século XX. Ao anunciar sua aposentadoria deixa um quê de fim de uma Era para os sonhadores da revolução socialista e um “já foi tarde” para os anticomunistas de carteirinha.
O comandante Fidel foi protagonista de uma das mais belas páginas da história contemporânea na vitoriosa revolução cubana em 1959. Para analisarmos aquele episódio, devemos fazer uma contextualização histórica: estávamos sob a égide da Guerra-fria, havia uma polarização ideológica entre socialismo e capitalismo, uma polarização bélica entre OTAN e Pacto de Varsóvia. Então, a vitória dos marxistas em uma ilha do Caribe a 140 km da maior potência capitalista do mundo é uma bravura memorável. A primeira revolução na América foi celebrada pela esquerda no mundo todo. Tomamos cuba libre para festejar os guerrilheiros de Sierra Maestra.
Numa visão desapaixonada, quem, hoje, com mais 50 anos não deu vivas a Fidel Castro e Che Guevara?
Mas o mundo mudou. A União Soviética degringolou e o socialismo real não era lá bem o que imaginávamos. E a Cuba de Fidel sobreviveu, a duras penas, ao embargo Norte Americano e a queda do muro de Berlim em 89 e continuou firme nos seus propósitos socialistas. Hoje, Cuba é um exemplo nos avanços sociais no que tange a educação e saúde pública referente à medicina preventiva. Mas falta em Cuba a liberdade de imprensa, o direto de ir e vir e o pluripartidarismo. Cuba carece de democracia.
Embora todas as idiossincrasias que envolvem o comandante, penso que Fidel passará à história como um revolucionário que sonhava com um mundo melhor. Fidel foi fiel aos seus princípios ideológicos. O que não quer dizer que concordemos com essa postura.
Ao lermos a notícia da renúncia de Fidel ao Conselho de Estado e à chefia das Forças Armadas, percebemos que sai de cena o último revolucionário. E temos a impressão que não há mais motivos para uma revolução, não há mais espaço para o sonho e não há mais utopia para ser sonhada. É uma despedida melancólica. Estávamos acostumados com um Fidel rígido e eloqüente no seu uniforme verde-oliva discursando para milhares de pessoas. E, temos nessa despedida um comandante magérrimo, doente e ensimesmado em seu abrigo Adidas.
O presidente Lula afirmou que Fidel Castro é o último mito vivo. Mas os mitos e as revoluções também envelhecem. Cuba sobreviverá. E esperamos que os novos dirigentes aprimorem os projetos sociais e democratizem a Cuba para podermos sonhar novamente. Hasta siempre.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Cartão vermelho

Os cartões corporativos são o assunto do momento.
Mais uma malversação das verbas públicas a serem explicadas pelos detentores dessas benesses federais. Mais uma CPI a ser criada e, provavelmente, uma nova modalidade de pizza a ser servida à população.
A contabilidade é exorbitante. Vários extrapolaram nos gastos, mas a ex-ministra da Igualdade Racial Matilde Ribeiro foi muito além do tolerável e utilizou, no ano passado, cerca de R$ 171 mil em gastos nada compreensíveis. Free shop e bares não são lugares para o uso devido de um cartão corporativo.
Os cartões de crédito são uma das maravilhas que a tecnologia nos oferece. Mas quem não fizer um uso parcimonioso do cartão sentirá, no vencimento da fatura, o desfalque em sua conta bancária. Quantas pessoas estão esgualepadas – como diria um ex-governador – financeiramente pelo uso indiscriminado e compulsivo dessa comodidade?
Um cartão de crédito requer muito juízo e educação financeira. O servidor que possui um cartão corporativo tem que ter ciência de todos os quesitos éticos de sua utilização e sempre ter em mente a seguinte pergunta: quem está pagando essa conta? Com a devida resposta: o erário.
O uso indisciplinado e escandaloso de um cartão corporativo põe em descrédito as pessoas que deveriam zelar pelo patrimônio público. A bem da verdade, a frase zelar pelo patrimônio público soa tão utópico nesses tempos de mensalão, dólar na cueca, caixa dois, tráfico de influência e troca de favores, que nada mais nos comove, importa ou indigna.
Hoje, são 11.510 servidores federais, gastando uma grana federal, com o cartão corporativo a sua disposição. E o total de gastos desses cartões corporativos foram, em 2007, na ordem de R$ 78 milhões. Em outros tempos transformaríamos esse valor em casas populares ou em salas de aula.
Os cartões corporativos não devem ser extintos e, sim, regrados. Onze mil servidores com cartão, nem que não tenham usado um centavo sequer, já é um número vergonhoso. Algo que extrapola o razoável.
O que é o Bolsa-Família, senão um cartão corporativo social? Existem regras para sua aquisição e uso. Cada família gastará R$ 95,00 por mês. O cartão corporativo deve ter o mesmo princípio. E uma norma: prestação de contas e limite. Em síntese, transparência.
Ou, então, cartão vermelho para o cartão corporativo triturando-se onze mil cartões. E acaba-se, em definitivo, com essa apoteótica farra.

Telhado novo


Hoje em dia a imagem é tudo. A primeira impressão é que vale.
Na política a aparência é fundamental, principalmente em ano de eleições. E nesses casos a calvície, os fios de cabelos brancos ou um nariz avantajado, tornam-se incômodos no vídeo.
Em dado momento da vida nos defrontamos com o espelho e constatamos o inevitável: quem não está calvo, está com uma nevasca de causar inveja aos Campos de Cima da Serra. Quem não consegue encarar a realidade, encara a mudança. E os tabus da cirurgia plástica e do implante são heroicamente superados.
Recentemente foi noticiado que o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu fez cirurgia para implantar cabelos, num hospital de Recife. Foram 6.710 raízes implantadas no topo da cabeça. Segundo Zé Dirceu, para esconder uma cicatriz de 2,5 cm.
No auge das denúncias do mensalão o ex-ministro era o principal acusado. No final de todo aquele episódio o Zé Dirceu foi cassado e o PT, símbolo da ética e da transparência, deixou de ser estilingue para se tornar vidraça. A partir de então, o partido do presidente Lula também passou a ter telhado de vidro e o Zé Dirceu o pivô do imbróglio.
O que leva uma personalidade da estatura do ex-ministro em mudar sua estampa? Vaidade? O Zé Dirceu quer ficar bonito? Ou, simplesmente, ostentar umas melenas, um topete, no melhor estilo Itamar Franco. Quem sabe, em situações embaraçosas, afirmar com convicção: vou deitar o cabelo.
Mais de seis mil pés de cabelos é uma lavoura respeitável. Diria mais, um assentamento bem-sucedido. Um amigo comentou que preferiria ter um pomar com seis mil pés de laranjas, mas eu tenho dúvidas se negócio com laranjas dá bom resultado. As últimas experiências são desagradáveis.
Qual o intuito desse novo semblante? Os amigos sabem que por debaixo daquele teto existe o velho Zé Dirceu, articulador implacável e hábil negociador. Os inimigos também, só que por outra ótica.
Segundo o cirurgião, daqui a uns três ou quatro meses a lavoura começará a dar resultados. Estaremos diante de um novo Zé Dirceu? O ex-ministro estaria, numa derradeira tentativa, escondendo seu telhado de vidro? Prefiro acreditar no amor-próprio.
O que precisamos no Brasil é de mudança de mentalidade no trato da máquina pública, coisa que, infelizmente, uma cirurgia de implante, plástica ou uma tinturinha não resolvem.
Particularmente, enquanto não inventarem uma tesoura que corte, apenas, os fios de cabelos brancos, estou aderindo ao uso do chapéu, que, nesses dias escaldantes é uma questão de saúde.