sábado, 19 de abril de 2008

Os bichos e o terceiro mandato

Os bichos reuniram-se em assembléia para discutir acerca do terceiro mandato do presidente da floresta. O leão e a coruja foram eleitos para formar a mesa condutora dos trabalhos.
O primeiro inscrito foi o sapo da barba preta. Falou como nos tempos de sindicalista e primeiro presidente dos sindicatos dos bichos trabalhadores da floresta. Fez um longo discurso e disse que era um absurdo, um atentado contra a democracia essa emenda constitucional e finalizou afirmando que não estava de bom humor: – querem rasgar a constituição!
O sapo da barba branca entrou no recinto sorrindo, distribuiu beijos e abraços e, também, opinou como o seu irmão mais moço, o sapo barbudo da barba preta. Era contra a emenda para o terceiro mandato. Mas a turma não acreditou muito. Não convenceu e todos achavam que no fundo, lá no fundo, ele era favorável.
O macaco velho falou... pulou de um lado para outro e não se definiu. Acabou em cima do muro. Aplaudia qualquer um por qualquer motivo. Uma raposa anciã também fez o estilo macaco velho. Enrolou, disse que sim, disse que não e ficou por isso mesmo.
O pato fez um discurso eloqüente em favor dos oprimidos e que o polvo era o seu principal devedor. E encerrou dizendo que seria favorável ao terceiro mandato se todos os bichos pagassem o pato e não apenas o polvo. O polvo ficou radiante com a intervenção.
A coruja, com toda a sua sabedoria, fez algumas indagações. Por que só o pato recebe e, apenas, o polvo paga? Todos deveriam pagar. Todos deveriam receber. De acordo com sua necessidade e de acordo com sua... – o leão interrompe e cochichou em seu ouvido. – Eu não quero saber se vai ter terceiro mandato ou não e quem paga quem. Eu vou continuar mordendo!!
O gato chegou de mansinho ficou na espreita e saiu na moita quando o corrupião entrou na sala da assembléia com uma mala preta e colocou em cima da mesa próxima ao leão.
Nesse momento a vaca resolveu ir embora e foi para o brejo.
O cordeiro não estava nem aí. Ele se adaptaria facilmente a qualquer modelo, mandato ou presidente seja ele com barba, sem barba, com bigode, bigodinho ou bigodão, colarinho engomado, com aquilo roxo ou rosa, topete ou seja lá o que for.
O tucano mineiro apareceu com uma estrela no peito e sofreu uma estrondosa vaia, mas foi o mais radical. Não quis conversa com ninguém e que se fosse aprovada a emenda maldita da re-reeleição ele proporia uma CPI exclusiva no senado.
De repente fez-se silêncio no recinto. Os bichos entreolharam-se. O molusco marinho havia chegado...
Dirigiu-se diretamente para o púlpito e começou o discurso. – Nunca na história dessa floresta...

sábado, 12 de abril de 2008

A trégua

São tantos os reveses políticos e com a iminência de mais uma pizza a ser servida para o povo com os mesmos temperos de sempre, que deveríamos pedir uma trégua.
Uma trégua para a corrupção, para a impunidade, uma trégua para os cartões corporativos e para as falcatruas federais. Pararmos por alguns momentos para uma reflexão coletiva.
Talvez seja essa a solução imediata para a atual crise política: uma trégua. Um basta, mesmo que seja momentâneo. Mas também podemos fazer uma trégua literária. Um gênero romântico de trégua. Mais simples e prazerosa, cuja única semelhança com as pizzas de Brasília é a ficção.
A trégua romance do escritor uruguaio Mario Benedetti editado pela Alfaguara.
Primeiramente o romance foi publicado em 1960. Escrito em formato de diário é um livro envolvente e surpreendente que prende a atenção do leitor. Capta a vida em toda sua pureza. Nas relações familiares e com os colegas de trabalho. É sensível, irônico e com doses homeopáticas de humor. Um livro humano, no sentido mais simples e singelo da palavra.
O personagem Martin Santomé redescobre o amor após uma viuvez de mais de 20 anos. Laura Avellaneda é a jovem que trará uma nova vida para Martin.
Uma trégua para o amor. Quando a desesperança com uma iminente aposentadoria acontece a descoberta do amor. Martin percebe que poderá ser feliz. E no dia 23 de setembro Martin escreve sete vezes a em seu diário: Meu Deus.
Por quê? O leitor terá que abrir o livro.
A trégua romance uruguaio e uma das melhores narrativas latino-americanas. Boa leitura.