domingo, 15 de fevereiro de 2009

O acordo

Um acordo selado pressupõe que ambas as partes cederam em algum momento e irão cumprir o acordado. Mesmo que um dos negociadores tenha dormido na assinatura. Acordo assinado. Acordo cumprido.
Nos próximos anos não tenho planos de viajar para outro país de língua portuguesa, assim, pretendo cumprir o acordo ortográfico aqui por essas bandas.
Um dos grandes acertos desse acordo foi o retorno das letras k, w e y. Essas letras já faziam parte do nosso cotidiano nos Maykel, Suelyen, Katya, Tayson, Willyan e tantos outros nomes próprios. Legítimo retorno.
Mas o que me deixou intranquilo foi terem tirado o trema do tranquilo. Eu defendo a volta do trema. Um tranquilo tremado é mais chique e requintado. Mais seguro, digamos... mais tranquilo.
Um cheque de cinquenta reais preenchido com trema é mais seguro. A linguiça com trema parece-me mais caprichada e saborosa. Uma linguiça que dá água na boca. Linguiça com trema tem mais sustância. Uma linguiça que passou pela inspeção sanitária. Com selo de qualidade.
Como eu não era muito conhecedor dos hífens, para mim, pouco alterou, continuo não sendo conhecedor e capenga nas regras. Agora, se tinha alguém que se considerava o vice-rei do hífen, essa pessoa corre o sério risco de se transformar em um arquivo semimorto. Tenho um amigo, que pelas atuais regras do hífen, passará assinar-se Antoniorribeiro. Tudo junto e com dois erres.
O acordo também tirou o acento de ideia. Ideia sem acento até é cabível. Uma boa ideia não necessita, necessariamente, de acento. Mas uma pessoa com poucas ideias poderá sentir falta do acento. Inclusive, para assentar suas ideias.
Por exemplo, o acento faz falta em assembleia. Uma assembleia sem acento é uma assembleia morna. Não basta tirar o acento de assembleia. Nós deveríamos mexer nos assentos das assembleias, mas isso não foi discutido no acordo. Assembleia sem acento não acarretou em reforma política. Sendo assim, assembleia com ou sem acento não afetou o nosso cotidiano político. Embora tenha caído o acento de tramoia, os corruptos continuarão metidos nela. Preocupados mais com as tramas do que com os tremas. Pouco adianta nós fazermos um escarceu pelas ruas portando cartazes com hífens, acentos, prefixos e ditongos abertos.
Da mesma forma, imaginem uma plateia sem acento. Nem os devotos da Igreja Universal conseguem ficar sem assento na plateia. Plateia com acento é mais atenta. Menos dispersa.
Durante um voo você poderá ter um enjoo, sem acentos, mas com assento e um providencial saquinho de plástico. Um acento que afeta nosso estômago.
O que eu achei inconcebível foi terem tirado o acento de diarreia. Diarreia sem acento é inadmissível. Uma diarreia sem acento, nossos cuidados ficam redobrados. Pois, numa eventualidade, você ter uma diarreia sem acento, correrá o sério risco de borrar-se todo nas calças. Haja “Gotas preciosas” para acalmar essa revolta.
Enfim, não trema e cumpra o acordo.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Marolinha ou pepinaço

Nos últimos meses o mundo foi acometido por uma crise financeira. Uma crise originária nos financiamentos habitacionais nos Estados Unidos pré-Obama, previsível, mas desdenhada pelos doutores em economia dos monetaristas internacionais.
Pelo mundo afora estão ocorrendo fechamento de postos de trabalho e flexibilização dos direitos trabalhistas. Devemos convir que a crise não foi protagonizada pelos trabalhadores em seu oficio e, sim, pela ganância desenfreada dos poderosos na ciranda financeira das verbas voláteis. Enquanto o mundo surfava na onda do desenvolvimento econômico, os grandes empresários bateram recordes em suas lucratividades. As bolsas de valores tornaram-se cassinos do enriquecimento fácil. E os governos arrecadaram impostos, como nunca, na esteira dessa orgia econômica global.
No entanto, durante a onda desenvolvimentista os trabalhadores foram poucos beneficiados. Aqui ou acolá, um abono, um pequeno ganho real a custo de muita luta. Nada mais do que um melzinho na chupeta.
Quem deve pagar essa conta? Certamente, não são os trabalhadores. Por conta dessa crise o empresariado ameaça com demissões e redução da jornada com redução de salário. Ora, os empresários decuplicaram suas fortunas. Agora, com essa terra arrasada vem propor esse acinte aos trabalhadores.
Segundo o presidente Lula, para o Brasil, a crise seria uma marolinha. Mas o que vemos é o desemprego campeando solto como um fantasma assombrando o sono das famílias brasileiras. Só no Rio Grande do Sul 7 mil trabalhadores aceitaram reduzir a carga horária e o salário. Quem bata à porta, a marolinha ou um tsunami?
A crise não é dos trabalhadores. O liberalismo a construiu e deverá desconstruir essa crise financeira global. Aliás, os sábios economistas, que decretaram o fim da história com a queda do muro de Berlim, estão buscando em Karl Marx uma solução ou uma compreensão dessa atual crise. Não é à toa que O capital é uma das obras de economia mais vendidas nos últimos meses. Seria um mea culpa dos arautos do liberalismo? Ou um reconhecimento à genialidade do velho Marx?
Enfim, se essa assombração chamada crise for essa “marolinha”, o presidente está certo, imagina o pepinaço do Obama.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Um copo de água

Num sobressalto, levantei com uma sede absurda e um mal-estar insuportável. Levei, desesperadamente, a mão à garganta porque o ar me sufocava. Fui direto à cozinha e sorvi, afoitamente, num gole só, um copo de água. Um copo de água era tudo o que eu queria naquela manhã.
Nesse instante, percebi que minhas mãos estavam mais enrugadas e trêmulas e meu rosto estava mais velho. Eu virara um ancião com uma vasta cabeleira branca. A água que eu sorvia tinha o gosto de ácido e era salobra. Tudo em meu redor parecia mais gasto, mais usado, mais velho, mais antigo. Então, naquele tempo velho e desbotado em que me encontrava, lembrei de uma premissa de Heráclito: não nos banhamos duas vezes no mesmo rio – e complementei – não bebemos duas vezes o mesmo copo de água.
Dei-me conta que estava no futuro e de minha janela eu não via mais a corticeira florida de outros tempos e no riacho em frente, que outrora garças e marrecos faziam festa, urubus disputavam carniças com os corvos e lixos esparramados.
No futuro eu estava envolto em fuligens, minha cidade era uma nuvem preta provocada por chaminés ensandecidos e ruídos agressivos. Na moldura da janela o quadro era em preto e branco. Muito cinza pelas bordas.
Na tela dos meus olhos os pássaros voavam em círculos, sem saber para onde ir. As praças e ruas eram áridas e os bosques não existiam mais. As ruas, malcheirosas, sob uma neblina densamente preta. Eram corredores do desespero.
No fundo do copo com água eu vi um planeta carente, com fome e com sede. Um planeta que não reconhecia a natureza e desconhecia o futuro. Se consumia aos poucos e lentamente. Pessoas perambulavam a esmo por plantações de milho ressequidas pela estiagem. Vagueavam como ermitões com olhos esbugalhados, pés descalços e agasalhos rotos. As cidades eram cemitérios de concreto, aço e mortos-vivos.
Diante dos meus olhos, um mar de detritos por sobre os rios. Fileiras de animais esquálidos e doentes, errantes pelas margens. Homens e mulheres rogando aos céus por um copo de água, um pedaço de pão e algumas gotas de chuva. Mas o presente que vinha do infinito era, apenas, mais uma tempestade de chuva ácida.
Nas ruas dos grandes centros, carros parados por falta de combustível. Nas ruas das cidades pequenas, carros parados por falta de combustível. Nas ruas de todo o planeta, humanos famintos por falta de comida. Por detrás das portas e janelas, olhares estranhos e corpos vazios. Por detrás dos escombros noturnos, corpos ardidos e olhares frios.
Com esse copo na mão diante de minha janela é impossível ser lúdico. Há algo de sólido nesse ar que respiramos. Um sabor de sal nessa água que bebemos. Um cheiro de enxofre nessas páginas matinais. Assim, nesse instante, percebi que há alguns anos foi previsto que a água seria uma bebida de luxo. Poucos teriam acesso a um banho diário. E que, sob nossos pés, havia uma imensa quantidade de água chamada Aqüífero Guarani. E, hoje, esse lençol de água, vasto e límpido, em outras eras era tomado pela escassez que reinava em todas as atitudes humanas. O Aqüífero Guarani estava acabando e com ele o que havia sobrado dos homens, mulheres e crianças. Ou qualquer espécie de vida sobre a Terra.
Acordei num sobressalto e banhado de suor. Levantei com uma sede absurda e um mal-estar insuportável. Levei, desesperadamente, a mão à garganta porque o ar me sufocava. Fui direto à cozinha e sorvi, afoitamente, num gole só, um copo de água. A água estava cristalina, fresca e saciou a minha sede e me revigorou. Ainda pude observar, pela janela, a corticeira florida e no riacho logo adiante, garças e marrecos faziam algazarra.
Refeito do mal-estar voltei à cama para dormir mais alguns minutos. O meu mundo ainda não estava desfeito, o planeta ainda tinha salvação. Satisfeito, adormeci.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

A paixão dos gaúchos

É indiscutível que o Gre-Nal mexe com os corações dos gaúchos. Há 100 anos esse clássico tem a capacidade de alterar nossa rotina e nossas emoções.
Tenho um amigo que em dia de Gre-Nal pega seu carro e vai passear por pacatas estradas interioranas. É a solução encontrada para fugir da tensão do clássico que, para ele, é um martírio.
E quando o Gre-Nal acontece em campos do interior, como o realizado no Colosso da Lagoa em Erechim, o interior é envolvido pelo clássico e ansiedade que o antecede. Como vimos, Erechim e as cidades vizinhas viveram intensamente essa paixão.
Então, todos nós, fervorosos torcedores nos preparamos para assistir esse confronto pampeano. Essa eterna e estimulante dualidade gaudéria. Essa epopeia esportiva farrapa. Nossos amuletos e superstições ficam ao alcance da mão e da memória para uma emergência.
Mas o que aconteceu quando a maioria dos gaúchos postou-se diante da TV e procurou pelos canais o tão esperado jogo? Não encontrou. O clássico Gre-Nal era apenas transmitido para quem tinha a assinatura do “pay-per-view”. Assim, os gaúchos amarguraram um final de domingo ouvindo o jogo pelo rádio.
Atualmente, nossos maiores craques jogam no exterior. A seleção Canarinho é composta, em quase sua totalidade, por esses craques que jogam fora do Brasil. Os chamados “estrangeiros”. A TV Bandeirantes transmite ao vivo os jogos do campeonato italiano. Em alguns momentos o SporTV coloca os jogos do campeonatos espanhol e francês. Nossos jovens torcedores vestem camisetas do Milan, Barcelona e Manchester. Nossos piás sonham algum dia jogar no exterior, mesmo que, sabemos todos, com remota possibilidade.
Acho que um simples jogo que não foi transmitido em canal aberto ou pela TV a cabo, não é motivo para arranhar nossa paixão de torcedor, mas é desolador, é desanimador. Foi irritante ver os comentaristas da TVCom “encherem lingüiça” durante alguns momentos do jogo. Espero que os cartolas estejam atentos. Se é que o interesse dos dirigentes seja, realmente, o torcedor.
Conheço um adolescente, filho de um amigo, que sabe a escalação do Barcelona e do Milan e uma das camisetas que usa tem o nome de Alexandre Pato nas costas. É um assíduo assistente dos jogos do campeonato italiano. É um fanático torcedor do Internacional, mas também torce pelo Milan da Itália.
No dia do Gre-Nal, colocou sua camiseta do Inter e ficou escutando pelo rádio, certamente, com a certeza que na semana seguinte a Band transmitirá, ao vivo, um jogo do Milan.
Enfim, irritado pelo “pay-per-view”, feliz pelo resultado.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Às prévias

Eu sou um defensor das prévias. Acho que em uma disputa dessas – de ideias – o partido cresce. Se concretiza. Se consolida. Se pluraliza. As propostas discutidas em uma prévia aflora a vocação partidária. Assim, constrói-se o partido que queremos. Numas prévias discutimos à exaustão e os filiados tornam-se partícipes do processo na elaboração de um projeto a ser oferecido à sociedade e as demais agremiações que poderão compor uma aliança.
Nas prévias o partido e os partidários amadurecem no fazer político. As prévias tem o poder de apaixonar. Nos apaixonamos pelas propostas, pelas candidaturas, pois temos ciência do que elas representam. Nos tornamos incorporados à candidatura.
Particularmente, acho uma chatice o consenso. Um candidato de consenso. O que é o consenso, se não um acordo de caciques ou cúpulas partidárias em uma reunião-almoço?
Para o próximo período, a maior e mais importante escolha que o PT fará, será a candidatura para Presidente da República.
Até então, o partido tinha a Dilma como candidata – diga-se, uma pessoa de caráter e incansável trabalhadora –, mas o que me incomoda é o processo, a maneira da escolha. O companheiro presidente indica – A mãe do PAC – o presidente do PT diz sim, o primeiro escalão do governo, amém. Todos os demais Cargos de Confiança (cecezinhos e cecezões) concordam. A candidata dá uma repaginada na fachada e temos o tão chamado consenso.
Nós que estamos no sub-solo do partido, na periferia das hostes partidárias, vamos dizer o quê?
Comentei várias vezes com alguns amigos que a Dilma é uma boa candidata, mas o partido precisa propor e rever propostas. Temos que fazer uma avaliação dos últimos oito anos e avançar. Não me parece que desenrugar a candidata seja suficiente.
Desejo que surja outra candidatura, um candidato autêntico e sou modesto no seu perfil, pode ser até um anti-candidato, mas tem que ter pelo menos um cacoete de esquerda e que traga no seu bojo propostas transformadoras.
Até agora não citei o nome do senador Paulo Paim, e não sei e tenho dúvidas se sua candidatura terá fôlego e sustentabilidade. O candidato de meus desejos não precisa ser, necessariamente, o Paim.
Mas percebendo esse momento e a possibilidade de prévias, sinto-me renovado. A minha adormecida veia petista desperta. E fico com um pé no asfalto. Caso o consenso se concretize, tomo uma água de melissa, recolho-me a minha insignificância e às minhas mal-traçadas linhas.
Às prévias, companheiros! Tanto lá, como cá.