segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Beijo



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Santa Maria – cidade universitária – vive momentos de profunda tristeza. Naquela madrugada de domingo, 27 de janeiro, quem tentou roubar um beijo de uma paquera foi punido com a vida. Quem brindava a aprovação numa disciplina da Agronomia deixou de viver. Quem sorria de felicidade teve o sorriso e a felicidade interrompidos.
Era para ser, apenas, mais uma festa como tantas outras, mas o vento não soprou na madrugada e não tínhamos uma Ana Terra para dizer “Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando”. E sinto em casa o que Bibiana resmungava lembrando sua avó. “Noite de vento, noite dos mortos”. Mas não havia vento nessa noite, eram sirenes na noite dos mortos... “Nada. Ninguém. Só o silêncio do casarão, o vento nas vidraças e o tempo passando...”. Era o tempo nas vidraças e as sirenes passando...
E nesse meio tempo os celulares das Anas, Rodrigos e Bibianas tocavam dez, vinte, cinquenta... 104 vezes.
Lamentamos a perda de jovens nessa tragédia. A dor é tamanha que a dimensão foge ao nosso alcance. Não temos e nunca teremos uma escala Richter para o sofrimento. É um abalo incomensurável. O sofrimento é uma projeção geométrica da dor que acumulamos a cada notícia... a cada triste notícia de um jovem que, desesperadamente, tentava escapar da clausura de fumaça. Do brete da diversão. Da armadilha iluminada. Do casulo da Kiss.
Essa geometria extrapola nossa capacidade de mensuração e, assim, somos acometidos por um excesso sobre o limite da possibilidade de contermos nossa emoção. Estamos em frangalhos. Hoje somos errantes carregando ataúdes e buscando confortos virtuais. Só um chimarrão solitário nos acalma e um chá de boldo nos anima.
Estamos transbordando de tristeza e isso nos deixa com os pés sobre um piso falso e as mãos sem um cajado para apoiar. Nessa hora somos todos um imenso vazio. Um universo de melancolia. Um caldeirão de silêncios.
Não há explicação para o desumano, para a negligência e para a omissão. Todos morremos um pouco nessa tragédia da boate Kiss. Alguns pais morreram por completo diante do esquife dos filhos. Naquela segunda-feira desolada, Santa Maria amanheceu quieta, pessoas tristonhas pelas ruas. Olhares vítreos nas avenidas e passos incertos no calçadão.
Deixo um beijo a todos aqueles que choram. Pois eu imagino que na festa da Kiss muitos jovens foram sonhando com um beijo. Um singelo e simples beijo que ficou na contramão da história. Na inversão da lógica da vida.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Cu francês



Uma moça trabalhadeira. Ralava exaustivamente em um salão de beleza de segunda à sábado. Brasileira... brasileiríssima. Morena, cabelos pretos e pernas roliças. E o gingado das mais belas morenas do Rio de Janeiro. Uma nova Garota de Ipanema.
Mas tinha o cu francês.
Pois todo o fim de semana dizia a mesma frase.
– Vou dormir até o cu fazer bico!

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Globo News... e a esquerda



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

“Imagine um mundo vazio.”
É com essa frase que começa a vinheta de Ano-Novo da Globo News. Um trabalho profissional e com o padrão Globo de qualidade. Invoca nossos sentimentos de solidariedade, de luta, consciência ecológica e externa um desejo de paz entres os humanos. Poesia na tela com imagens e frases lapidadas.
Mas o conteúdo me surpreendeu. Eu fiquei incomodado diante das referências, das imagens utilizadas. Não que as imagens tenham donos, mas algumas simbolizam uma visão de mundo, um modelo social e econômico não apregoado pela Globo. Algo que escapa aos ideais dessa empresa. Sons e representações não condizentes com o histórico da Rede Globo de Televisão. É nesse ponto que eu queria chegar, na apropriação de uma causa, na utilização de uma bandeira que não era a sua. Hoje, a conjuntura permite. A direita se apropria de um legado que a esquerda, de certa forma, relegou, ou deixou em stand by.  Pode ser o reflexo do que, certa feita, falou um ministro: devemos rebaixar nosso horizonte utópico. Conjecturas...
Diante dessas mudanças eu não me surpreenderia se numa próxima novela das 9 a Globo usar a estampa de Che Guevara na abertura. – Salve Che!
Talvez passe desapercebida, mas me causa desconforto a Globo News usando imagens de punhos cerrados, de flores nos canos de fuzil, a estampa de Guevara simbolizando sonhos e uma utopia solidária, daquele arame farpado que simbolizava a resistência. Há tempos – final da década de 70 – tivemos uma chapa para o DCE da UFSM que o símbolo era duas mãos abrindo uma cerca de arame farpado. Era tempos de confrontos, uma luta desigual que provocou centenas de desaparecidos e que rogamos uma discussão acerca desses arquivos ainda plenamente guardados. Mas isso é outro assunto.
A vinheta é muito bonita. Um trabalho de arte sem igual, mas com esse senão. Até que ponto uma empresa do porte da Globo pode se apoderar de um ideal? Como a Globo se apropria de um sonho? Che numa vinheta institucional da Globo... fere a memória do guerrilheiro e o passado de muita gente que hoje não está nem aí. E, talvez, seja essa a causa, muitos dos que levantaram as bandeiras não estão nem aí.
Se eu esqueci uma bandeira em alguma calçada ou avenida de um passado nem tão distante, alguém pode pegar e sair desfraldando como sendo sua. Aí teremos que correr atrás. Mas é mais aprazível o conforto do ar condicionado do que o vapor das ruas.
Outro dia numa propaganda de uma multinacional de bebidas falaram em “preço justo”. E nós sabemos que o preço justo é praticado no cooperativismo e não numa empresa que visa a maximização do lucro. É o capitalismo se remodelando nos mais variados segmentos. Mas a resposta não está na Globo. A resposta está na esquerda que não solidificou devidamente o que era sua propriedade e deixou escapar por entre os dedos de um punho cerrado. Por entre as palavras de ordem na multidão. Por entre as passadas de quem caminhava e cantava. Enfim, não somos mais os mesmos... acho que é isso.
A vinheta encerra com a frase “saber é poder”. E nesse janeiro começa um dos programas com maior audiência da Globo, o BBB13. Afinal, saber é poder.
Tudo muito bonito. Tudo muito legal.
Mas...
Em que lado estava a Rede Globo no período da ditadura?

sábado, 5 de janeiro de 2013

Pablo Horacio Guiñazu - El Cholo



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Guiñazu é o tipo de atleta que por onde jogar deixará saudades. Tem todos os atributos que enchem os olhos dos torcedores apaixonados: garra, dedicação, vontade, disciplina e perseverança. E essas qualidades ele tem em excesso.
Não existe bola perdida, não existe viagem de volta e nem derrota antecipada. Assim, com essa vontade sobrenatural, o argentino ganhou a simpatia da torcida. Com a chegada em 2007 até hoje, o Guiña acumulou admiradores colorados por todo o Brasil. Não é à toa que é o mais aplaudido dentre os atletas quando o locutor do Beira-Rio anuncia a escalação do Internacional.
Quando um ídolo se despede sentimos uma profunda melancolia e um vazio quando mentalizamos os nomes do clube para a próxima temporada. Guiñazu não estará mais vestindo a camiseta do Inter. E isso nos entristece porque sabemos que Guina é um craque imprescindível. Mas El Cholo merece ser compreendido e tem toda a nossa torcida no Libertad do Paraguai. Afinal, um cara como o Guina deve ser livre para voar, mesmo que o juiz marque falta e mostre o cartão.
Para jogadores que não honram a camisa que vestem, desprezam seu próprio passado na equipe, a torcida é implacável.  O ídolo é deposto e execrado pela paixão. Um clássico exemplo é um certo Ronaldinho...
Com Guina ocorreu o contrário. El Cholo sai aclamado como um dos maiores e mais queridos jogadores da história colorada. Quantas vezes nos reportamos a “garra farrapa” para explicar o carrinho na contramão do Guina?
A torcida compreendeu que o ciclo do Guina encerrou no Inter. E isso mostra o amadurecimento dos torcedores e respeito pelo atleta.
Infelizmente não teremos esse castelhano jogando em 2013, mas teremos o exemplo de jogador a ser seguido por outras gerações de craques. Foram 282 jogos com a camisa do Internacional – o time mais castelhano do Brasil – e foram 282 batalhas de El Cholo.
Grande Guina!