quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O colecionador de cuias - sobre o conto que dá título ao livro


 Letícia Raimundi Ferreira

A leitura de O colecionador de Cuias envolve-nos com uma aparente singeleza, para, aos poucos, adensar em nossos corações diversas inquietudes. Manter-se-á a placidez rotineira do mundo de Torquato, após as estranhas visitas, com seus presentes tão diversos, todos cuias?
Cuias eram tralhas tão importantes na vida de Torquato, que ele as mantinha todas, gastas e novas, em armário próprio.
Não era para menos: o alcance de uma cuia de mate, pela mão amiga do pai, fora o marco de sua maioridade. Com aquela cuia iniciara sua coleção. E foi, também, estendendo-lhe uma cuia de mate que uma certa moça pialou-o para sempre... A tia-mãe-de-criação escolheu, para testemunhar-lhe o seu afeto... uma cuia.
 Coincidência, a sequência de cuias que lhe foram sendo ofertadas nos últimos dias?
 A primeira destas (presente de um correntino atormentado, cuia de capa repulsiva e bojo pesadíssimo de más lembranças) conteria espíritos ou poderes maléficos?
E a chegada poeirenta do finado pai, em plena tarde, teria sido real, ou confusão causada pela tontura que lhe tomava a cabeça, nuns momentos dos últimos dias? E o recado do velho sobre a cuia do correntino?
O choque deu-se ao abrir um novo presente, da velha tia: a cuia que o pai lhe trouxera, na tarde poeirenta! O recado que a acompanhava martelava-lhe a cabeça...
Além disso, seria o tão querido pai quem o assombrara, de madrugada, para indicar-lhe a fonte – de que? Uma inesperada ventura? Ou algum espírito do mal teria se apropriado da figura do Velho Torquato para levar o filho às paragens em que uma salamanca o seduziria, agora que já o havia fragilizado?
Lado a lado, ainda no armário, a cuia do Bem e a cuia do Mal...
E nada mais lhes adianto, que, além da história, há o prazer das minúcias, o encantamento da linguagem.

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Nós reverenciamos o outro mateador, que fazia parte dessa história, e merece ser lembrado com carinho. Era um colecionador de cuias para presenteá-las em ocasiões especiais. Tocaio Ferreira, (parceiro de vida da Letícia) nas tertúlias vespertinas esperava os amigos com uma caixa de cuias. Cada conviva que chegava para prosear ao sabor de uma erva buena era convidado a escolher a cuia para levar como recordação. Naquela caixa a inspiração desse conto. A primeira cuia.
Cabe a você leitor escolher a sua cuia dessa coleção e saborear mais um mate. Boa leitura.

Os autores 

domingo, 12 de agosto de 2012

Bomba de alpaca


Athos Ronaldo Miralha da Cunha
 
A chaleira preta chia no fogão à lenha, anunciando que está pronta para o chimarrão. Cevo o mate na cuia morena e sorvemos o amargo regato com os olhos atentos na imensidão da pampa.
A sombra do cinamomo, no calor do outono gaúcho, é o cenário preferido de nossas longas mateadas. O “Velho” com seu inseparável lenço maragato e sua bombacha parda é o parceiro nessas tardes de causos, reminiscências e silêncio campeiro. Enquanto as chilenas descansam solitárias num canto do galpão e um vira-lata late faceiro junto a porteira, chimarreamos e contemplamos o alaranjado da pampa que consome o sol indo ao encontro da noite. Ao longe um estrépito de patas de cavalo levantam poeiras na estrada. A antiga bomba de alpaca, herança de um avô que pelejou com ferro branco nas revoluções, nos acompanha com seu renovado brilho prateado. Amassada, não tem mais a ponteira de ouro, mas é a companheira predileta nos vespertinos mates. Entre um pito e um mate, contou-me, o maragato com os olhos voltados lá para o passado, que nesta bomba o Leão do Caverá chimarreou com os caudilhos, num capão de mato, em uma pausa na revolução de 23.
E o guri cresceu neste chão colorado, batendo espora em potrilhos, o lenço encarnado solto ao vento e mateando na velha bomba. Sorvendo o verde amargo, tradição de gaudério, na calmaria da terra pampeana. 
Tantos foram os mates na parceria do saudoso maragato que o último causo ficou inconcluso. Num mês de maio fatal o “Velho” anoiteceu. Deixou de lado o buçal, as chilenas e a guaiaca. Deixou a bomba de alpaca cravada na erva adormecida. Deixou a chaleira preta esquecida sobre a chapa do fogão. Em silêncio foi embora, deu de rédeas na aurora e galopou na direção do céu. Ficou o último adeus no vítreo dos olhos. As profundezas dos nossos sonhos serão renovados em longas mateadas e um jovem parceiro será o herdeiro da bomba de alpaca. 
Herdei a velha bomba e hoje dedilho uma milonga nos mates que sorvo “despacito”. Continuo com o olhar no infinito nas tardes que ficaram um pouco mais tristes. O mate ficou mais amargo, mais comprido. Nunca mais sorvi um chimarrão como aquele sorvido no derradeiro domingo. E sigo ansioso por um mate antigo naquela bomba de alpaca, que ainda hoje carrego comigo.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A calcinha da tcheca


Athos Ronaldo Miralha da Cunha


As musas estão diuturnamente na mídia. Elas estão competindo em Londres para deleite dos marmanjos mundo afora.
Tudo bem, tem uma musa na CPI do Cachoeira, mas essa não tem o mesmo gabarito, ela é constitucionalissimamente[*] silenciosa e sem atrativo olímpico. As musas das olimpíadas são mais autênticas e mais fascinantes.
As atletas que competem em Londres desfilam nas mais variadas modalidades esportivas. E as gurias do Leste Europeu chamam a atenção pela beleza – com aqueles instigantes olhos azuis –, fustigam a imaginação de uma legião de admiradores. Essas beldades esportivas voam como garças pelas pistas, nos saltos e nas modalidades coletivas. Então, como ficariam os calientes corações dos latino-americanos, diante da televisão, se uma dessas divas resolvesse tirar a calcinha em pleno estádio olímpico? Uau!
E foi o que aconteceu. A heptatleta tcheca Eliska Klucinova roubou a cena – no momento em que a britânica Jessica Ennis ganhava o ouro no heptatlo –, justamente por esse motivo: tirar uma minúscula calcinha.
Recentemente apareceu no senado uma calcinha extraviada e foi um furor no Congresso, a calcinha não tinha dona – ou dono –, mas mesmo assim foi motivo de muita especulação. Já, a calcinha de Londres tinha dona, aliás, uma esfuziante dona. A esbelta guria de 24 anos precisou trocar de roupa e não perdeu tempo indo aos vestiários. Trocou a calcinha diante de todos e do mundo ali mesmo, em pleno estádio olímpico.
Para nossa frustação de longínquo espectador a moçoila cobriu-se com uma toalha. Mas podemos ver a calcinha azul – da cor dos olhos e do céu – da formosura diante das câmaras.  
O sorrisinho amarelo contrastou com o azul da calcinha ao saber que estava sendo filmada. Sorte ou azar a Eliska Klucinova teve seu momento olímpico de fama – não é todos os dias que vemos uma tcheca sem calcinha –, pois a colocação geral no heptatlo ela amargou um singelo 18ª lugar. Então, concluímos que ela mostrou a que veio, ou veio para mostrar e não mostrou? Mas a calcinha da tcheca também é cultura. Eu confesso que não sabia que existia esse tal heptatlo nos jogos olímpicos. Deduzo que deve ser algo relacionado ao número sete e que o Microsoft Word não reconhece e sublinha em vermelho.
Bueno, se uma tcheca tirou a calcinha e a gente vislumbrou o horizonte da Chechênia, resta saber se uma atleta da Chechênia tirar a calcinha, a gente vai ter a mesma visão do paraíso da tcheca?

[*] Jamais imaginei que usaria essa palavra em um texto.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O testículo do tirano

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Certa feita um ex-presidente exaltando seus superpoderes falou que tinha aquilo roxo.
Esse mesmo ex-presidente – que odiava o Lula porque não tinha um aparelho de som igual –, ao meter os pés pelas mãos, foi pego com a boca na botija e acabou sofrendo o impeachment. Hoje o ex-presidente, ex-caçador de marajás, ex-piloto de jet ski no Lago Paranoá e ex-marido da Rosane virou senador. Ele gosta de catar palavras difíceis no dicionário para usar nos discursos – parlapatão – foi usada para dar um para te quieto no Pedro Simon. E para encurtar o relato, tornou-se amiguinho do Lula.
Se o senador ainda tem aquilo roxo, rosa ou cor de burro quando foge, pouco importa para nós, meros mortais, observadores incrédulos da nossa política via Jornal Nacional.
Brizola criou a expressão “filhote da ditadura” num debate com Maluf, mas essa alcunha serve para todos aqueles que apoiaram e se beneficiaram do golpe de 64. Os filhotes ainda sobrevivem a cada eleição. E por falar em ditadores e alguma coisa roxa, cabe salientar que dois tiranos do século XX tinham algo em comum. Não sabemos se era roxo, mas faltava uma parte daquilo...
Consta que Hitler e Franco tinham apenas um testículo. Em outubro de 1916 uma bala feriu o soldado Adolf Hitler, causando a perda de um dos testículos. E esse acidente causou transtornos no soldadinho, como sabemos. Nesse mesmo ano Francisco Franco também levou um tiro no abdômen e perdeu um dos testículos. Essa é a grande coincidência. Os tiranos eram “destesticulados”.
Essa parte sobre os testículos dos ditadores está em um anexo do livro “Hitler – Retrato de uma tirania” de Fernando Jorge. O autor finaliza o livro dando graças a Deus que no Brasil, após o golpe de 64, ninguém meteu uma bala nos testículos dos generais Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo, pois com um testículo a ditadura poderia ter sido menos envergonhada e mais escancarada. Eu nem imagino como seria. No entanto, se a Espanha e Alemanha sofreram governadas por “descolhonados”, o que poderia ter sido o Brasil com um presidente pseudocolhudo?
O que vale para a Europa pode não valer para a América. Afinal, se um presidente com aquilo roxo sofreu impeachment, se tivesse um testículo – mesmo sendo roxo –, acredito que nem tomaria posse.

Hitler - Retrato de uma tirania



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Todos sabemos a história de Adolf Hitler, o que fez e o terror que praticou. O livro de Fernando Jorge “Hitler – Retrato de uma tirania” nos revela o que já sabíamos sobre o nazista e o nazismo, mas com requintes de crueldade.
Alguns aspectos tratados no livro merecem uma análise mais aprofundada ou debatida. Para termos ciência do que seja a falta de democracia e liberdade. E o que a mente de um tirano é capaz de fazer.
O jovem Adolfinho era um rapaz extremamente tímido, incapaz de iniciar uma conversa com uma moça. Foi apaixonado por Estefânia e jamais tomou a iniciativa de abordá-la. Dizem os especialistas que essa maneira introvertida é uma das causas de suas crises de megalomania.
Hitler tinha hábitos ascéticos. Alimentava-se de pão, frutas e leite. Não ingeria bebidas de álcool. Quem não queria um rapaz assim para genro? Ah! Era metido a pintor. Um péssimo pintor, diga-se.
Segundos relatos, Hitler era impotente, mas sentia orgasmos quando falava para um grande auditório, como confessou em certa ocasião. Hitler achava que tinha poucos inimigos, apenas, os judeus e os bolchevistas.
Em 1933, na noite de 10 de maio, os nazistas fizeram uma fogueira com livros dos escritores considerados nocivos ao regime e dançaram um volta do fogaréu como selvagens. E essa parte do livro é impactante para as pessoas que têm o hábito da leitura. Para os educadores que dedicam uma vida a folhear os livros e ensinar. Essa queima merece ser lembrada o como assassinato em massa da cultura e do saber.
Cada página que se avança na leitura renova-se um elogio à barbárie, à insensatez. São várias e inacreditáveis as descrições de loucura e fanatismo.
“Quanto às crianças, estas eram arrancadas às mães. Os soldados nazistas gostavam de jogar estes seres inocentes do alto dos caminhões, para que suas cabecinhas fossem esfaceladas. Também lançavam as crianças no ar, pois assim poderiam espetá-las com as pontas das baionetas. Muitas foram colocadas vivas nos fornos crematórios.” página 222. É mole ou que mais...
Por fim, nas últimas três páginas do livro, o autor nos revela um dado pouco divulgado acerca do machão da Alemanha. Havia uma semelhança entre Hitler e Franco. Em outubro de 1916 uma bala feriu o soldado Adolf Hitler, causando a perda de um dos testículos. Aí está a grande coincidência, nesse mesmo ano Francisco Franco também levou um tiro no abdômen e perdeu um dos testículos.
Chico e Adolfinho, dois ditadores “descolhonados” [neologismo do autor] que extravasaram a sua “descolhonice” [neologismo meu] com a tirania.
Só em saber que o Führer não tinha uma bola, esbocei um leve sorriso ao final do livro.