A leitura de O colecionador de Cuias envolve-nos com
uma aparente singeleza, para, aos poucos, adensar em nossos corações diversas
inquietudes. Manter-se-á a placidez rotineira do mundo de Torquato, após as
estranhas visitas, com seus presentes tão diversos, todos cuias?
Cuias eram
tralhas tão importantes na vida de Torquato, que ele as mantinha todas, gastas
e novas, em armário próprio.
Não era para
menos: o alcance de uma cuia de mate, pela mão amiga do pai, fora o marco de
sua maioridade. Com aquela cuia iniciara sua coleção. E foi, também,
estendendo-lhe uma cuia de mate que uma certa moça pialou-o para sempre... A
tia-mãe-de-criação escolheu, para testemunhar-lhe o seu afeto... uma cuia.
Coincidência, a sequência de cuias que lhe
foram sendo ofertadas nos últimos dias?
A primeira destas (presente de um correntino
atormentado, cuia de capa repulsiva e bojo pesadíssimo de más lembranças)
conteria espíritos ou poderes maléficos?
E a chegada
poeirenta do finado pai, em plena tarde, teria sido real, ou confusão causada
pela tontura que lhe tomava a cabeça, nuns momentos dos últimos dias? E o
recado do velho sobre a cuia do correntino?
O choque
deu-se ao abrir um novo presente, da velha tia: a cuia que o pai lhe trouxera,
na tarde poeirenta! O recado que a acompanhava martelava-lhe a cabeça...
Além disso,
seria o tão querido pai quem o assombrara, de
madrugada, para indicar-lhe a fonte – de que? Uma inesperada ventura? Ou algum
espírito do mal teria se apropriado da figura do Velho Torquato para levar o
filho às paragens em que uma salamanca o seduziria, agora que já o havia
fragilizado?
Lado a lado,
ainda no armário, a cuia do Bem e a cuia do Mal...
E nada mais
lhes adianto, que, além da história, há o prazer das minúcias, o encantamento
da linguagem.
Nós
reverenciamos o outro mateador, que fazia parte dessa história, e
merece ser lembrado com carinho. Era um colecionador de cuias para
presenteá-las em ocasiões especiais. Tocaio Ferreira, (parceiro de vida da
Letícia) nas tertúlias vespertinas esperava os amigos com uma caixa de cuias.
Cada conviva que chegava para prosear ao sabor de uma erva buena era convidado
a escolher a cuia para levar como recordação. Naquela caixa a inspiração desse
conto. A primeira cuia.
Cabe a
você leitor escolher a sua cuia dessa coleção e saborear mais um mate. Boa
leitura.
Os autores