sábado, 29 de agosto de 2015

Missioneiro fake



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Ao chegar ao hotel, em frente ao mar de Copacabana, fui muito bem recebido pelos atendentes. Diga-se, bem demais.
Como todo bom carioca, pessoas educadíssimas no trato com os turistas. Apressavam-se em abrir as portas do elevador, ofereciam cafezinho, cumprimentavam com esmero, muita delicadeza e presteza. Mas todo esse tratamento exacerbado tinha uma explicação.
Lá pelo terceiro ou quarto dia um dos atendentes chegou pedindo desculpas e perguntou se eu era pastor. Por alguns instantes fiquei meio apreensivo, pois uma estampa de pastor não é o perfil que imaginaria para mim. Mas em poucos segundos deduzi o motivo da pergunta. O rapaz olhava constantemente para um botton na lapela do blazer.
Uso regularmente a Cruz de Caravaca, Cruz de Lorena ou, como conhecemos aqui por essas bandas, Cruz Missioneira. Aquela com dois braços. Comprei esse botton quando visitei as ruínas de São Miguel nas Missões. Um lugar mítico, muita energia vinda do passado. Um lugar que nos coloca em reflexão. Passeio fundamental para quem é oriundo das Missões ou para qualquer brasileiro que se interessa pela história.
Na lapela do meu casaco eu faço um rodizio de bottons: Cruz de Caravaca, taça do mundial, mascote do Inter e o pin de prata da Caixa para eventos corporativos. Devo confessar que minha lapela já foi bem mais política, mas hoje não vejo motivos, acho que o desencanto é maior. E na lapela do blazer tem prioridade a Cruz Missioneira.
Naquelas férias no Rio de Janeiro foi a primeira vez que a minha pouca fé não passou incólume pela cruz que, eu imaginava, identificava tão somente a minha origem. A Cruz de Lorena me promovia a pastor. A segunda vez que fui promovido a pastor foi em Ouro Preto ao visitar umas das igrejas históricas da cidade. Lá o guia perguntou se eu era padre. Um padre com esposa e dois filhos... Respondi, apenas, que a cruz era o meu certificado de origem. Tipo vinho, sabe? Eu não era missionário, e, sim, missioneiro. Região das Missões do Rio Grande do Sul. Me identifico com a região das Missões, tenho uma atração pela cruz de dois braços, acho de uma beleza singular. Emana poder e luta. Algo “essa terra tem dono”.
Então, a Cruz de Caravaca está sempre na lapela e, mais recentemente, uso um chaveiro que comprei num lojão do centro. O uso da cruz pode ter sido influência de um ex-governador metido a galo. Quem sabe! Só tem um pequeno detalhe: eu sou um falso missioneiro. Nasci em Santiago do Boqueirão, ali do ladinho das Missões, mas o Baita Chão não faz parte das Missões. Mas é como se fizesse. É como eu me sinto: um missioneiro. No entanto, o meu certificado de origem é falso, aliás, como alguns vinhos.
Eu sou um Missioneiro Fake. Com muito orgulho. A Cruz de Caravaca continua no blazer. Nem que em alguma circunstância eu tenha que fazer uma benção. Aleluia irmão!

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Discurso proferido por ocasião da solenidade de entrega dos prêmios do XXXVIII Concurso Literário Felippe D’Oliveira e XXXVII Concurso Fotográfico de Santa Maria. 26.08.2015





Excelentíssima senhora Sandra Rebelato
Presidente em Exercício da Câmara Municipal de Vereadores

Excelentíssima senhora Marilia Chartune
Secretária de município da cultura neste ato representando o prefeito Cezar Schirmer

Senhor Marcio Flores
Diretor do museu de arte

Senhora Rosangela Rechia
Diretora da biblioteca pública Henrique Bastide

Demais autoridades

Senhoras e senhores

No distante ano de 1977, quando o então vereador Orcy de Oliveira encaminhou um projeto de Lei criando um concurso literário, provavelmente, não tenha imaginado a grandiosidade de sua proposta e a importância para literatura santa-mariense.
No então entroncamento ferroviário estava sendo viabilizado um evento para projeção e divulgação dos talentos literários.

O Concurso Literário Felippe D’Oliveira juntamente com a Feira do Livro coloca Santa Maria no cenário da literatura brasileira. A feira do livro e o Felippe D’Oliveira enquadram-se entre os mais importantes e reconhecidos eventos literários do Brasil.
Como a feira do livro, a cada ano, consolida-se como o maior evento cultural da cidade, com mais de 100 livros lançados por autor local e mais de 200 autores locais nas sessões de autógrafos, podemos dizer que vivemos um bom momento na literatura em Santa Maria.
Outro dia um articulista de uma mídia alternativa comentou que se o brasileiro discutisse menos futebol e mais política e economia, o Brasil seria bem diferente. Eu diria ainda mais. Se os brasileiros discutissem menos futebol e se importassem mais literatura o país seria bem diferente. Como afirmou Emile Zolá: “os governos suspeitam da literatura porque é uma força que lhes escapa.” Talvez isso explique o porquê de não sermos um país de leitores.
A afirmação de Simone de Beauvoir traduz um pouco desses porquês: “o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os oprimidos.” Então, chegamos a Paulo Freire quando afirma que “se a educação não for libertadora o sonho do oprimido é tornar-se um opressor”.
Assim sendo, temos uma importância muito grande – os escritores e fotógrafos –, e mais uma vez tomo emprestado uma frase de Simone de Beauvoir: “não se pode escrever nada com indiferença.”
Eu acrescentaria: “não se pode escrever e fotografar nada com indiferença.” Aliás, dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras.
Deixo essa reflexão...

Esse concurso homenageia um dos poetas mais ilustres, talentosos e inquietos, que a cidade de Santa Maria da Boca do Monte produziu.
Felippe Daudt Alves de Oliveira nasceu num 23 de agosto no inverno de 1890. Concluiu o curso de Farmácia em Porto Alegre no ano de 1908. O jovem Felippe não veio ao mundo, apenas, para ser farmacêutico e continuou seus estudos e sua obra literária no Rio de Janeiro, publicando poesias, crônicas e contos em jornais e revistas.
Neste agosto de 2015 em que debatemos a democracia – ainda temos pessoas em pleno século XXI que sentem saudade da ditadura –, debatemos a liberdade de imprensa como bens maiores, e debatemos o direito de termos uma opinião, porque nos dias atuais, chega a ser temerário ter uma opinião.
É oportuno salientar que o nosso poeta santa-mariense foi exilado em Paris, justamente por ser contrário a ditadura imposta pelo presidente Getúlio Vargas em 1932.
Além do legado literário temos um legado de lutas de Felippe D’Oliveira, cabe a nós continuarmos lutando contra a opressão e, principalmente, contra a intolerância. Muito em moda nos últimos tempos no Brasil.

Por fim.
Gostaria de fazer um agradecimento aos jurados na sua difícil tarefa de escolher as poesias, os contos, as crônicas e fotografias vencedoras. Quero externar um fraternal agradecimento a Rosangela Rechia e os demais envolvidos na organização desse importante evento, bem como, as equipes da Secretaria de Município da Cultura e da Câmara Municipal de Vereadores pela dedicação na organização desse concurso e dessa solenidade.
Aos demais amigos que compartilhamos esses prêmios, continuemos com essa arte de expressar sentimentos pelo ato de escrever e fotografar. É revolucionário contestarmos a realidade pela foto e pela escrita.

Muito obrigado pela atenção.

sábado, 1 de agosto de 2015

Por onde anda o França?



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

O senador Collor ficou indignado e foi para a tribuna do parlamento bradar que foi humilhado pela ação da polícia federal que arrematou alguns carrinhos de passeio que o ex-presidente tinha na garagem. Coisa de seis milhões de reais a avaliação dos três “calhambeques”: Ferrari, Porsche, e  Lamborghini. Posteriormente, descobriu-se outro carrão em sua residência em são Paulo. Coisa que a gente não imagina, que escapa da nossa realidade. Algo que os mortais veem somente nos filmes do agente 007. Ou seria 86? Mas o companheiro se sentiu humilhado. A Lava-jato extrapolou!
Essa história toda me fez lembrar como foi o impeachment do Collor. E onde estão as pessoas que foram protagonistas daquele episódio que marcou o Brasil. As ruas tomadas pelos Caras-pintadas e panos pretos nas janelas dos edifícios.
Collor caiu em 1992 por conta de uma Fiat Elba – pasmem – e pelo depoimento de um motorista – pasmem II –, o Eriberto França foi testemunha de que PC Farias movimentava fortunas para a conta do presidente.
Depois de todos esses anos, podemos afirmar que o Collor está bem, política e financeiramente, virou senador e amiguinho de Lula. E continua com seus rompantes.
Mas por onde anda o Eriberto, o França? O motorista que derrubou um presidente? Até pouco tempo atrás fazia bicos para sobreviver.
Isso mostra o país que vivemos. Cheio de contradições. São tantas as voltas da vida, mas a mesma classe se mantém no poder. O presidente afastado continua poderoso e endinheirado. O motorista herói perdeu o emprego e vive de biscates. Temos uma classe intocável e poderes mantidos. A elite – política ou financeira – passa incólume pelos descaminhos.
Uma Fiat Elba derruba um presidente e um senador sente-se humilhado por ter uma Ferrari, um Porsche, e uma Lamborghini na garagem. Vivemos tempos de contradições. Mas, certamente, os humilhados somos nós.