quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Um elevador no Rio


Apertei o botão do elevador e aguardei. Nem percebi que não havia luzinhas acesas indicando sobe ou desce. Não estava apressado e admirava a decoração retrô do hall do prédio. Imaginei a década de 40. Legal isso aqui. O edifício é antigo e infelizmente malcuidado, mas a entrada é bem interessante.
Devido à demora, surgiu um funcionário do além – estava uniformizado com o blazer e um quepe da firma terceirizada – e apertou o botão freneticamente. Mais um tempinho de espera e novamente o funcionário aperta, desta vez mais irritado, o botão do elevador. Xingou alguém pelo vão da porta.
Eu é que não vou interferir nas neuroses das pessoas, pensei. E fiquei bem na minha.
Antes que eu falasse que não adiantaria reclamar com o elevador que ele não viria na base do berro. E nem ficar apertando o botão insistentemente que o dito não viria mais rápido.
– Esse novo colega é muito lerdo. Uma lesma. Um dorminhoco.
Continuei sem saber o que estava havendo. Mas minha dúvida durou pouco tempo. Ruído de alavanca e em seguida barulho de porta pantográfica.... E o acesso ao elevador está liberado.
Entrei.
O ascensorista fecha, manualmente, a porta do andar e a porta pantográfica do elevador. Me senti nos anos 40 ou 50 do século passado. Se bobear o Getúlio aparece, como por encanto, em algum corredor. 
Qual o seu andar? – pergunta. E ficou assobiando uma música de uma nota só.
– Oitavo.
Ruído de alavanca, porta pantográfica e subimos. Entre os pisos, nas lajes, o número de cada andar.
Percebi, então, que quando se aperta o botão aciona-se uma campainha e o ascensorista sai à procura do andar em que está a pessoa. Precisão auditiva de última geração.
Estava indo visitar um amigo que tinha o escritório nesse prédio na Cinelândia no Rio de Janeiro. Cumprimentei já elogiando a alta tecnologia do elevador. O Brasil numa ponte para o futuro. Brinquei.
– Então quando descer pergunta para o seu Ariosto como ele sabe quando tem alguém a espera quando está no sobe e desce do elevador. Aí tu vais ver o que é tecnologia.
Conversamos e botamos alguns assuntos em dia. E tomamos um cafezinho.
Na descida, é claro, perguntei ao seu Ariosto como ele sabia quando alguém estava a espera no andar. Já que a campainha não identificava.
– Eu vou cuidando entre o vão da porta e o piso de cada andar. Se vejo uns pés eu paro – e continuou o seu assobio de uma nota só.
Precisão visual de última geração.
Chegamos no térreo. Puxa a alavanca para trancar o elevador. Abre, manualmente, a porta pantográfica e a porta do andar.
Saio profundamente nostálgico e entro no primeiro café e peço um chá com torradas. Não, acho que vou beber parati.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

A última tarde de agosto [*]


Sinto saudades do último agosto.
O agosto que deixou de ser vivido. A tarde foi derradeira e a foto fixou o último instantâneo. A última luminosidade do lugar. O derradeiro reflexo na tela escura do computador.
Hoje senti os pingos de uma chuva numa manhã que parecia primavera, e quis molhar meus pés na sarjeta de uma ruela ou nas correntezas de outras vertentes. Queria sentar numa pinguela e contemplar o amanhecer distante naquele agosto nem tão distante. Sinto 501 saudades de todos os agostos vividos de forma intensa. E jamais esquecidos.
Mas eu desejo um agosto inteiro com dias finitos para vê-los, tê-los, acariciá-los, todos os dias e noites quando outros agostos vierem. Aquele agosto ruiu e sorriu pra mim. E me desejou boa sorte.
Nunca mais desejei as águas de março e nem os sóis de maio. Também não vislumbro o “carná de feverê”. Sonho com as tardes de agosto. Ou a última tarde de agosto que foi para sempre. Mas com a ciência do não retorno.
Aquele agosto não voltará. E o dia 14 foi o último dia de agosto daquele ano.
Outro dia caminhei pela relva em trilhas que nunca havia cruzado. Encontrei terras que jamais pisei e vislumbrei cascatas que vieram de agosto. Num outro dia chovia torrencialmente numa manhã de outubro, virei para o lado e dormi todas as manhãs daquele mês numa única manhã, coisa que em agosto não conseguiria. Mas me faz falta essas manhãs de agosto para enfrentar a tempestade.
Não encaro meu último agosto com desgosto e nem de agourento. Sinto saudades de meu agosto derradeiro. O meu último agosto foi simples. Dedicado. Rotineiro. Sorridente. Coloquial. Cândido, tenro e bondoso. Afetuoso, muito afetuoso.
Deixei naquele agosto uma folhagem no balcão. E, às vezes, me vejo regando nas minhas noites mal dormidas.
Sinto saudades dos sóis de agosto. E do gosto do chá sem açúcar e da barrinha de cereal light.
Hoje acordei com vontade de dar bom dia.
Bom dia!
Bom dia!
Bom dia!
Agosto adentro. Mas esse agosto terminou sem mim. E eu fico no reflexo dos sorrisos eternos e na eternidade dos dias que estarão sempre disponíveis para cruzá-los livres, mas sempre com a lembrança daquele meu último agosto.
Ah! Naquele meu último agosto tive muitos abraços, uma garrafa de vinho tinto e uma caneta que rubrico as minhas saudades presentes e futuras.

[*] Prêmio incentivo local no XLI Concurso literário Felippe D´Oliveira 2018 na modalidade crônica.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Às panelas ou seja lá o que for



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Nos últimos meses tive que aprender alguma coisa a mais sobre o Barão de Itararé. Era uma figura bem descolada do convencional. E fico imaginando o que faria numa conjuntura de hoje a pena ácida de Apparício Torelly.
Também lembrei de uma passagem da sua biografia quando ele foi convidado para permanecer no internato e seguir carreira eclesiástica. Eis a resposta do Barão.
– Eu nunca pensava naquela possibilidade. Não sou apóstolo. Meu apostolado é do lado oposto.
Lembrei dessa frase ao ver alguns comentários acerca da decisão dos senadores quando, em votação aberta, livraram o Aécio Cunha do “repouso noturno” e deliberaram pela volta ao senado.
E as panelas? Cadê os paneleiros?
Sabe, isso é o que menos me preocupa. Entendo que eles foram os vencedores nessa etapa. O que me preocupa é a falta de reação. A inércia dos indignados é que me deixa extremamente apreensivo. Reduzindo o raciocínio: quem bateu panela está assistindo a “Força do querer”. E entendo que não podemos transferir essa responsabilidade para quem bateu panela. Essa incumbência é nossa. Como bem disse o Barão, “meu apostolado é do lado oposto”. E é aí que a porca torce o rabo. O lado oposto está totalmente a mercê dos acontecimentos. Incapaz de propor uma reação. Um contraponto. Claro, temos vozes heroicas nos parlamentos e na sociedade, mas “o lado oposto” está, parece-me, jogando milho aos pombos. O avanço da extrema direita antidemocrática é, justamente, pelo recuo do lado oposto. Esse espaço não fica vazio...
E só tem uma solução: colocar o povo na rua. Não existe outra possibilidade. Não foram só as panelas que derrubaram a Dilma. Tinha muita gente nas ruas. A tarefa de colocar o povo nas ruas é hercúlea, pois o marasmo é acachapante, mas é o que temos. Se alguém tiver outra solução...
Logo estaremos em 2018 e seremos chamados a votar para presidente. Vamos exercer nossa cidadania com o voto. Eu não temo a vitória de um candidato homofóbico, racista, misógino, reacionário, etc, etc, etc. acho que não vinga. O maior problema seria o voto na segunda opção: para nos livrarmos de uma figura excêntrica, termos que votar num tradicional neoliberal para garantir a democracia brasileira. 
Ah! Por que tive que aprender sobre o Barão? Na próxima sexta-feira assumo uma cadeira na Academia Santa-Mariense de Letras. Cujo patrono é o Barão de Itararé. Será às 19h. Todos os amigos estão convidados.