segunda-feira, 9 de junho de 2014

Vai ter Sala



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Uma ilustração circula pela web e, na minha opinião, sintetiza o meu sentimento com relação a Copa do Mundo: um garoto humilde vestindo uma camisa 10 da seleção olhando para um estádio todo iluminado pipocando em fogos de artifício. (A crônica poderia encerrar aqui).
Gosto de futebol e assisto aos jogos – os bons jogos – e estarei atento na torcida pelos escrete canarinho. Aliás, uma única vez eu torci contra a seleção brasileira. Nós, gaúchos, sabemos muito bem quando.
A questão não está centrada em ser contra a Copa ou contra o Brasil. Ou ser contra ou a favor das manifestações. As rixas entre “coxinhas” e “petralhas” estão muito aquém de uma reflexão crítica e consciente da Copa do Mundo Fifa em terras brasileiras. A Copa do Mundo é, acima de tudo, um negócio com galácticas cifras e imensos interesses políticos e financeiros.
Nós, os ingênuos, acreditamos que o acesso aos jogos da Copa seria mais democrático. Uma ingenuidade diante da euforia quando anunciada, há sete anos, que o país sede seria o Brasil. Festejamos junto com o Lula & Cia. A chance única de assistir a um jogo do mundial. Me imaginei nas cadeiras do Beira-Rio assistindo Argentina x Uruguai. Mas a ficha caiu quando fomos às compras via internet. Quem conseguiu acessar o saite da Fifa pagou uma exorbitância. Na segunda leva de compras teria a chance de adquirir o jogo Bósnia-Herzegovina x Irã na Nova Fonte Nova. Diga-se, com um preço fora do alcance de um pagador de impostos e promessas.
Então, nos demos conta que a Copa é feita por uma elite para uma elite e com o aplauso de todos os ufanistas e apaixonados por futebol e por dinheiro. Mas não podemos esquecer que temos o tão falado legado da Copa. Infraestrutura, mobilidade urbana e novos aeroportos para citar alguns itens exigidos pela Toda Poderosa Fifa. E podemos perceber que a coisa não foi tal e qual o planejado ou anunciado. O que tivemos foi muita grana para construir futuros elefantes brancos no Pantanal, nas Dunas e na Amazônia. Oito sedes era pouco, tinha que ser doze para contemplar interesses políticos. Mas falar disso agora? Desculpem-me, eu ainda não perdi a razão. Mas, certamente, estarei emocionado com os dribles e gols de Neymar e estarei na presidente Vargas comemorando o Hexa.
Diante da impossibilidade financeira eu me resignei. A Copa do Mundo Fifa 2014 vai ser na sala diante da televisão. Vai ter Copa. Vai ter Sala, o lugar mais confortável e de boa visibilidade dos jogos e, praticamente, de graça. O único infortúnio é o Galvão Bueno, mas nada que o controle remoto não resolva.
Pra frente, Brasil!

domingo, 8 de junho de 2014

F9 - Adeus Fernandão [*]




Athos Ronaldo Miralha da Cunha

“No mesmo dia em que a torcida do Internacional faz uma calorosa recepção para o melhor jogador da copa 2010 – o craque Diego Forlán – leio a notícia no jornal que outro craque – Gabriel García Márquez – não vai mais escrever.”
Esse é o primeiro parágrafo da crônica que escrevi no dia 07.07.2012, dia em que Forlán desembarcava em Porto Alegre e Gabo não escreveria mais. “Si se calla el escritor” é o título da crônica. Para quem gosta de futebol é colorado e amante dos livros foi um sábado marcado, dialeticamente, como triste e alegre.
Mas não imaginávamos que outro sábado poderia ser mais triste, mais lúgubre e mais silencioso em nossos corações. Os colorados estão arrasados em busca de muitos porquês. Se o dia 17.12.2006 foi o ápice de nossa alegria com o capitão levantando a taça de campeão do mundo, o dia 07.06.2014 foi o fundo de nossa tristeza.
Os jovens torcedores colorados de hoje veem em Fernandão com os mesmos olhos e com a mesma idolatria que nós olhávamos Figueroa, Falcão e Valdomiro e toda aquela máquina dos anos 70. Fernandão deixa um vazio nos gramados e um latifúndio de admiradores. Aquelas mãos que levantaram tantas taças deixam um troféu sólido que não se desmancha no ar. Faltará um grito de guerra no Beira-Rio. Sobrará a saudade de um craque que foi o mais importante nome da história do clube quando o Inter mais precisou de um líder.
Quando uma pessoa, no auge dos seus 36 anos, nos deixa, a nossa consternação é mais aguda. Pois essa conta não fecha na contabilidade da vida. Pessoas jovens não deveriam morrer assim sem um anúncio prévio. Sem uma carta de conforto... o abrupto nos deixa desatinados e sem rumo.
A partida de Fernandão é um pênalti com paradinha que nos desnorteia. E faz com que pulamos para o lado errado. É uma cobrança de escanteio que nos coloca para escanteio. É um gol mal anulado. Um impedimento que o juiz não marcou. Um jogo que perdemos nos minutos iniciais. É algo que nos recusamos a acreditar. Não achamos graça nesse destino que nos brinda com tristezas e melancolias.
O dia 07 de junho de 2014 foi muito triste. Um sábado triste como um domingo à tarde, quando o vento sopra nas folhas de um cinamomo, na solidão da pampa gaúcha. Com licença que agora vou tomar um mate solito. Só chimarrão pode confortar a inquietação dos colorados. Sem mais... agora só silêncios. 


[*] 3º lugar no VII Concurso de Contos, Crônicas, Poesias e Histórias do Inter 2014 (FECI) – Categoria Histórias do Inter.

domingo, 4 de maio de 2014

Vítimas da violência



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Com o 30º assassinato nos primeiros quatro meses do ano, Santa Maria atinge o índice tolerado pela ONU que é de 10/100.000 habitantes.
Lamentamos profundamente porque são os jovens que estão engrossando essas estatísticas. Mantendo-se nessa escalada de crimes o Coração do Rio Grande encerrará 2014 com a amarga conta de uma das cidades mais violentas do Brasil. Lembrando que 20 assassinatos por 100 mil habitantes é um índice grave. Pisca o sinal de alerta máximo e isso carece de uma ação mais contundente dos gestores.
Os crimes de assassinatos estão relacionados em sua grande maioria ao crime organizado [drogas] e a violência política. Mas tanto no Brasil como na América Latina – que superou a África em assassinatos –, segundo os relatórios da ONU, esses crimes têm endereço, faixa etária e raça. Ou seja, estão nas camadas mais pobres e acontecem entre os jovens negros de 15 a 25 anos. É triste esse dado, mas no Brasil um jovem negro tem quatro vezes mais probabilidades de ser assassinado do que um jovem branco de mesma idade.
Entre as 30 cidades mais violentas do mundo o Brasil contribui com onze. Sendo Maceió, Fortaleza e João Pessoas entre as dez mais violentas atingindo índices exorbitantes de 75 assassinatos por 100 mil habitantes.
Numa metrópole esses dados podem mascarar ainda mais a macabra realidade. No Rio de Janeiro, por exemplo, o índice está em 25. Mas se formos computar só a zona sul o índice cai para 5 e se computarmos as zonas mais pobres o índice se eleva para 75 assassinatos por 100 mil. Lembrem-se: jovens, negros e pobres.
No mundo 850 pessoas são assassinadas por dia e no Brasil 85. Como a ampla maioria dos assassinatos está relacionado ao crime organizado, urge que o Congresso discuta, em regime de urgência, a descriminalização dos usuários das drogas. Talvez seja esse o caminho para quebrar essa estrutura paralela do estado de direito. O Uruguai está implantando essa política com relação a maconha no intuito de diminuir a violência e Montevideo é a capital mais segura da América Latina.
É polêmico! Mas não temos mais tempo a esperar. E uma vida vale muito mais do que um dado numa planilha da Organização das Nações Unidas.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

A dama e o valentão



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Santa Maria está violenta. Nas ruas, presenciamos a violência à luz do dia, a flor da pele e no sangue dos olhos. E o que impressiona são essas atitudes impensadas por motivos fúteis. Principalmente as relacionadas com o trânsito.
Dia 16 de abril, uma quarta-feira ensolarada que entardecia aparentemente calma, eu caminhava pela praça em frente ao Hospital de Caridade para atravessar a rua no sinal fechado. Ao cruzar pela faixa de segurança um motociclista para ao lado de um carro com uma mulher ao volante. Ouvi os mais variados xingamentos. Até que atinei que era o motociclista “conversando” com a mulher do carro. Vagabunda e vadia foram as mais suaves expressões. A mulher baixou o vidro e tentou argumentar com o motociclista, mas a verborragia aumentou em quantidade e diminuiu no nível. O rapaz – imagino que era um rapaz, pois ele estava, como manda a lei, de capacete – estava possesso. Então, a mulher fechou o vidro e arrancou com o carro e o homem, mesmo na moto, dá dois pontapés na lataria do carro aos gritos de vadia e vagabunda. E seguiu ao seu encalço. Mas cruza em alta velocidade pelo carro e some na presidente Vargas. Penso que o rapaz era uma pessoa muito valente. Um valentão. Deveria estar satisfeito com o show no sinal fechado.
Essas rusgas na via pública acontecem instantaneamente e são rápidas, em segundos tudo volta ao normal e não conseguimos sequer ter uma mínima reação. Não anotei nenhuma placa, não sei quem eram os protagonistas, apenas, posso dizer que o carro era branco. Quando coloquei a mão no celular o rebuliço estava terminado e a aparente calmaria da rua Pinheiro Machado voltara ao normal.
A moça do carro deve ter cometido alguma pequena infração de trânsito que motivou toda a ira do motoqueiro. Mas nada justifica tamanha agressão. É obvio que a gente tem vontade de xingar alguns malas e algumas malas que dirigem, mas temos que reprimir nossa raiva para o bem das pessoas, da vida e para o bem do nosso coração.
O mundo não vem abaixo por conta de uma pequena violação das leis de trânsito, mas poderá a vir se por um motivo fútil alguém perder a cabeça e resolver fazer justiça com as próprias mãos... ou pés.
Mas um dado é relevante, o Coração do Rio Grande não é mais o mesmo, e, hoje, somos saudosos daquela pacata Santa Maria dos ferrinhos.