sábado, 12 de setembro de 2020

Minhas alpargatas

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

 

Eu tive o privilégio de participar dos primórdios da Tertúlia Nativista de Santa Maria. Estava na plateia quando foi anunciada a música vencedora da 2º Tertúlia: Tropeiro Cantor na voz de João de Almeida Neto.

Também frequentei as noitadas na Estância do Minuano. O palco livre e tertúlias noite adentro no acampamento. Muita cantoria e galanteios. Esclareço que nunca me atrevi a ser cantor. Mas tudo, claro, em nome da mais genuína e nativista das músicas gaúchas.

Lembro que numa noite de borracheira faltaram cobres para a volta. E encaramos “a pezito no más” o retorno lá do Minuano. Eu morava nas proximidades do que virou BIG muito tempo depois. Mas como era longe a “Distância do Minuano”. E calçando alpargatas... foi cruel. Naquela manhã eu descobri o verdadeiro significado da palavra esgualepado. Depois, como sabemos, o Olívio introduziu no nosso vocabulário e espraiou para todo o estado.

Na carona das Califórnias de Uruguaiana, a Tertúlia e uma tropilha de festivais tiveram seu auge nos anos 80. E como todo o movimento nativista, os festivais também sofreram mudanças e se moldaram com o passar dos anos. Alguns não sobreviveram. Outros entraram em recesso e retornaram numa nova formatação e assim está resistindo a Tertúlia de Santa Maria. Mas, certamente, com o mesmo encanto de antigamente.

Então, chegamos na 27ª Tertúlia Musical Nativista. Não estava no meu horizonte utópico ser um dos compositores de uma música no palco da Tertúlia. Mas os planetas estavam alinhados e Adão Latorre sorridente na tumba. Devo dizer que foi uma experiência significativa, mesmo com todas as restrições impostas em meio a pandemia. Houve congraçamento e troca de experiências. Qual seria a minha participação? Como autor da letra de “Retalhos” a minha participação era de ilustre assistente.

Eu iria colocar minha melhor bombacha – comprada em Bagé, bem entendido? –, um par de alpargatas. Ostentaria um baita lenço vermelho e me acomodaria no mezanino do Theatro Treze e de Maio. Essa a minha intenção. Um pilchado e ilustre torcedor. 

Mas durante os ensaios, um dos amigos comentou que tinha bombacha, mas faltava um par de alpargatas.

– Eu tenho e posso emprestar – falei.

– Eu também preciso de umas alpargatas – falou outro, justamente um dos intérpretes.

– Eu tenho dois pares. Posso emprestar.

Foi assim que abortei minhas pilchas para assistir à apresentação da música no palco da 27ª Tertúlia. Assistiria “despilchado” porque os meus dois pares de alpargatas estariam me representando no palco.

Mas não havia público e nem aglomeração e passei despercebido. Ilustre desconhecido.

Eu não posso afirmar com exatidão. Mas eu acho que na história da Tertúlia ninguém jamais colocou dois pares de alpargatas no palco.

É ou não é um registro histórico?

Eu merecia um prêmio!

2 comentários:

Unknown disse...

Maravilha de texto Athos!!!! Tive eu a honra de calçar um mas delas....

Athos Ronaldo Miralha da Cunha disse...

Não aparece o nome de quem comentou.
Mas é o Ilberto ou o Milton. [rsrs]