quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Um tal Ovídio Ministerial [*]

Ovídio da Silva Santos era funcionário de carreira do ministério. O primeiro que chegava e o último que saía. Com tanta dedicação, ficou conhecido como Ovídio Ministerial.

Ele não se incomodava com essa alcunha. Era mesmo um funcionário exemplar. Trabalhava igual um burro de carga. Carregava o ministério nas costas e nada mais justo que fosse chamado de Ovídio Ministerial.

Ovídio era um cara superdiscreto. Pouco ou quase nada de vida social. Tipo nome que condiciona destino: Ovídio era um homem de gênio pacífico. Uma ovelha. Seguia os superiores de olhos vendados.

Ovídio Ministerial não circulava nas rodinhas do ministério. Mas era presença assídua nos conchavos. Ovídio gostava de reuniões secretas. Adorava uma teoria da conspiração. Mas sempre muito na dele. Ministério acima de tudo, chefinho acima de todos. Este o lema de Ovídio. 

Seus colegas de departamento desconfiavam que Ovídio Ministerial escondia um passado sombrio. Por óbvio, um presente também. Mas Ovídio sempre na maior discrição. Quietão.

Os amigos pediam para que ele contasse algo de sua vida: namoradas, espoa, amantes, filhos, onde havia nascido. Ovídio respondia com monossílabos e trocava de assunto.

Certo dia foi anunciado que um novo colega assumiria a sessão que Ovídio trabalhava e o novo chefe se chamava Celso Marmello.

Um alvoroço na repartição. Marmello era conhecido como rei do cacete. 

Ovídio Ministerial mudou totalmente seu comportamento. Andava de um lado para outro sem saber onde se meter. Estava muito nervoso com a chegada do doutor Celso. E o cara era muito truculento. Era brilhante na arte de amedrontar.

E logo se espalhou a notícia de que Celso Marmello não ia com a cara de Ovídio Ministerial. E o que se imaginou foi confirmado.

Doutor Celso chegou no departamento do ministério e enquadrou o Ovídio. Em alto e bom som e, na medida que falava, os colegas exclamavam estupefatos.

Esse Ovídio é um baita sem-vergonha, larápio e vigarista – falou o doutor Celso.

– Esse Ovídio é um merda! – comentaram os demais. 

Ele é corrupto e desviou dinheiro do ministério.

– Ovídio, tu é um bosta!

Ele cometeu um crime ambiental e cortou uma goiabeira.

– Ovídio, filha da puta!

Ovídio roubou um banco e queria vender. Imagina meus amigos: roubar um banco de uma pracinha de brinquedos.

– Puta que pariu, Ovídio!

Ele queria trocar o gerente do restaurante porque não gostou do PF servido lá. Tudo por conta de um bife malpassado num prato feito.

– Pô! Ovídio, tá querendo nossas hemorroidas! 

E, para finalizar, Ovídio falou mal de todos vocês e dos parentes até segundo grau. 

– Porra, Ovídio! Quer foder a nossa família?

Ele é louco de atar.

– Mas que putaria hein, Ovídio.

E foi assim, por conta do doutor Celso, que Ovídio Ministerial caiu na boca do povo.

Coitado do Ovídio!

 

 

[*] Crônica classificada para a coletânea "Rindo de nervoso". Edição 2020.

 

 

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