sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Voo noturno para Lisboa

Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Dilma desejava conhecer Davos, não o hotel e as intermináveis discussões sobre economia mundial. A presidente queria viver o cotidiano da cidade da Suíça. Convocou dois seguranças – Raimundo e Gregório – e alugou três motos no maior sigilo, claro. Se não foi vista em passeio de moto pelas avenidas de Brasília não seria vista em Davos.
O destino da presidente Dilma estava traçado ao cruzar com uma jovem suicida.  Ao passar, lentamente, com sua alugada Harley-Davidson apreciando a paisagem nevada, uma jovem estava à beira de um precipício de gelo. – Não! – Gritou a presidente.
A jovem olhou para a Dilma deu um tchauzinho e saiu correndo pela rua afora, e não quis conversa com a presidente. Mas a garota deixou cair um livro e uma passagem de trem para Lisboa.
São essas ocasiões que a realidade imita a arte. No voo para a Suíça, a presidente havia assistido ao filme “Trem noturno para Lisboa” em que uma jovem é salva pelo professor Raimundus Gregorius, da cidade de Berna, que também perde um livro com uma passagem de trem para Lisboa. O livro é de Amadeu de Almeida Prado, médico português que lutou contra a ditadura de Salazar em Portugal. Ao final do filme viu a si própria como protagonista, também havia lutado contra uma ditadura da mesma maneira que o médico Almeida Prado.  
Agora Dilma estava ali em Davos com livro “Um ourives das palavras” e uma passagem para Lisboa. Coincidentemente o livro era do autor Amadeu de Almeida Prado. E o trem partiria em 15 minutos... tudo como no filme.
– Mas que barbaridade! Igual ao filme, mas eu não vou me tocar daqui de Davos de trem. Nem que a vaca tussa.
Não teve dúvidas, Dilma iria para Lisboa. Não naquele trem que partiria em 15 minutos, faria uma escala. Já que o Aero-Lula teria que fazer uma escala, seria em Lisboa.
No hotel em Lisboa tentou ligar para a casa dos Almeida Prado, queria conversar com alguém da família. Ninguém atendeu. Fez mais duas ou três ligações e torrou a paciência. Isso é paranoia minha.
– Vamos jantar, eu pago a conta – falou para um membro da comitiva.
 Mas antes de ir apara o restaurante passou em uma livraria de Lisboa e adquiriu um exemplar. Queria presentear o amigo Fidel.
No voo noturno para Cuba deu-se conta que os seguranças tinham o nome do professor de Berna, mas aí era muita coincidência. Quando percebeu essa incrível casualidade falou para o ministro ao lado na poltrona. – Deveria ter ficado em Lisboa.
Quando chegou a Cuba a presidente estava ansiosa para se encontrar com o comandante. Mesmo antes de inaugurar o porto foi ao encontro de Fidel.
– Companheiro Fidel, trouxe um presente, sei que és um leitor contumaz – e entregou ao comandante o livro “O velho e o mar” de Ernest Hemingway.
Fidel olhou desconfiado para a presidente, mas nada falou. Ajeitou o abrigo Adidas e sentou-se.
– Tem visto o Brizola?

domingo, 26 de janeiro de 2014

Tiara branca [*]



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Uma criança com uma tiara branca tem a capacidade de nos comover, nos tornar compreensivos e pacificados porque nos remete ao delicado e ao puro.
A tiara branca simboliza a candura de uma vida que inicia e que nós, adultos e carcomidos, já não possuímos mais. Já não somos mais as crianças de outrora que corriam atrás de uma bola, brincava com bilboquê ou acariciava bonecas de pano. Quantas vezes estamos diante dessas situações idílicas e não temos tempo para uma reflexão solitária diante de um lírio. Estamos insensatos diante do simples e do espontâneo. Estamos acostumados com o nosso estilo que pouco compreende e pouco satisfaz os desejos de uma criança que fomos e que hoje está adormecida pelos anos. Uma tiara branca em uma menina nos remete para a inocência, para a cooperação e a solidariedade. A tiara branca ainda nos reponta a nossa infância que ficou num distante passado, num balanço em uma praça ao sabor de um vento de primavera. Nos remete ao colo do pai ou aos abraços da mãe. A menina com uma tiara branca é o que de mais singelo pode existir numa ensolarada tarde de verão na praça Saldanha Marinho. A tiara branca é um chafariz que purifica nossos caminhos. Um colibri numa flor branca na porta de uma casa na Vila Belga.
Nesses “tempos bicudos” já não temos mais a nossa tiara branca para sustentar a simplicidade das coisas. A singeleza de alguns momentos de nosso dia a dia e que no futuro serão as nossas maiores e melhores lembranças. Uma criança de tiara é linda e memorável, simples e agradável, inigualável como o encontro com os amigos para um café numa quarta-feira branca.
Não somos mais os mesmos e temos centenas de motivos para sermos diferentes, jamais indiferentes. Não há mais espaço para o ocaso. Mas temos tempo – muito tempo – para liberarmos nossa indignação. Parodiando CHE. “Hay que endurecer pero sin perder la tiara blanca, jamás”.
Mas por que estou escrevendo sobre uma tiara branca?
Hoje eu vi a foto de uma criança com uma tiara branca e imaginei que ela estaria na praça. Desfrutando uma tarde com seus pais. Mas, infelizmente, eu sei que aquele passeio estava incompleto. E aquela imagem me cativou e permaneci todo o dia com a foto da menina em minha mente. E no início dessa noite saíram essas frases aos borbotões. Uma crônica inspirada na tiara branca da menina que passeava na praça. Uma tiara branca... simplesmente.

[*] Publicada no jornal A Razão no dia 27.01.2014.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Os larápios de Santa Maria



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

A segurança dos bancos está preparada para ataques violentos e armados ou para uma ação na calada da noite com câmeras e alarmes sofisticados tecnologicamente. Os possíveis assaltos são tumultuados, traumáticos e estressantes. Isso é o que rezam as cartilhas.
O que ocorreu no Banco do Brasil da avenida Rio Branco em Santa Maria escapa do lugar-comum de como imaginamos um assalto. Envolve planejamento estratégico, organização, audácia, um roteiro bem elaborado e uma tremenda cara de pau. Claro, atores em cena.
Quando imaginamos um assalto a banco vemos bombas, armas de fogo, maçarico, marginais mascarados e, no caso do assalto ao Banco Central em Fortaleza, a escavação de um túnel. O tradicional “mãos ao alto” só nos românticos filmes de bangue-bangue. No caso de Santa Maria os larápios entraram durante o expediente, sem armas, sem alarde e sem violência.  Simpáticos, até. Uma espécie de Black Blocs às avessas. Não cometeram homicídios, não fizeram reféns, não causaram pânico e nem danificaram o patrimônio. Eles, simplesmente, distraíram os vigilantes, os caixas e um supervisor. E um dos componentes da quadrilha entra, calmamente, numa área restrita aos funcionários e “saca” 300 mil reais. Nem precisou de senha numérica ou silábica. E não deu a mínima para o saldo em conta. Simples, não! Como é que ninguém pensou nisso antes?
Devo confessar. Admiro a performance desses atores. Um roteiro hollywoodiano, uma interpretação digna de Oscar e uma calma felina. Pela capacidade de planejamento, organização e atuação os larápios deveriam ganhar uma menção da Cacism ou da Febraban. Quem sabe, Palma de Ouro ou, no mínimo, o troféu Lanterninha Aurélio de melhor curta, com o tema cooperação, no Santa Maria Vídeo e Cinema.
Os bancos são as empresa que mais gastam – investem – em segurança no Brasil. No entanto, os gatunos fizeram um assalto custo zero. Aliás, o custo do assalto foi o valor do estacionamento em que deixaram os carros para a fuga. Um assalto histórico nessa Boca do Monte.
Nessa tarde chuvosa de janeiro faço uma contagem de meu saldo no caixa e percebo que está tudo em ordem. Ninguém pescou minhas onças pintadas e garoupas. E vou fechar a porta do cofre, pois aquela freirinha que está conversando com o vigilante no sopé da escada... não sei não. Altamente suspeita.
 


sábado, 21 de dezembro de 2013

No avião da Dilma



Athos Ronaldo Miralha da Cunha

A histórica fotografia foi postada nas redes sociais pelo ex-presidente Fernando “Minha Gente” de Melo. Toda a turma de ex-ocupantes do Palácio do Planalto na aeronave presidencial rumo ao sepultamento de Nelson Mandela na África do Sul.
Todos sorridentes: Dilma, Collor, Sarney, FHC e Lula. Mas o que conversaram os nobres brasileiros? Será que conversavam sobre os tempos em que Sarney era da Arena e Lula um sindicalista estilo “hoje eu não estou bom”? AI 5? Será que a conversa foi sobre aparelhos de som, pois em 1989 Collor sonhava ter um aparelho 3 em 1 igual ao de Lula? Fiat Elba? O assunto foi impeachment? Privatização? Emenda da reeleição de FHC? Será que a senhora presidente contou alguns dos seus sonhos juvenis sobre a guerrilha? Sendo o Lula o único futebolista da lista, é bem provável que nem sobre futebol conversavam. Orçamento das obras da copa, nem pensar.
Os assuntos pululavam nas mentes dos viajantes, mas ninguém iniciava a conversa. O silêncio já estava constrangedor e Sarney foi quem quebrou o gelo. – Será que chove hoje?
A partir de então, Collor quebrou o gelo e se serviu de uma generosa dose de uísque. Os demais preferiram caubói e Sarney água mineral sem gás.
Percebendo que a coisa poderia tomar um rumo incontrolável, Dilma propôs uma rodada de canastra para passar o tempo.
– Vocês conhecem o canastrão?
Os ex-presidentes se entreolharam e sorriram amarelo. Mas toparam participar do jogo.
Dilma deu as cartas. Aliás, em todas as rodadas durante o voo era Dilma quem dava as cartas. Os demais obedeciam complacentemente.
– Por gentileza, companheiro Collor, agora gostaria com bastante gelo.
FHC balançou a cabeça em sinal de desaprovação, mas nada comentou e Sarney fez uma cara de “me poupe”. Duas ou três rodadas e, novamente, um absoluto silêncio. Todos concentrados nas cartas.
– Quem bate pega o morto! – falou, de pronto, a Dilma.
Em seguida pediu desculpas pelo ato falho. Afinal, eles estavam indo para um velório. Mas Dilma seguiu dando as cartas.
– Bati! – e já colocou a mão no morto. – Eu sou ligeiro nas cartas.
– Grande África – falou Sarney tirando um ditado do fundo do baú.
Nesse momento Collor propõe que eles jogassem rouba monte. Rouba monte era uma brincadeira de infância lá nas Alagoas.  
– Montanhas, hein Collor? – retrucou Sarney.
– Então vamos jogar buraco. Era o carteado preferido lá na USP.
– Buraco? Quem sabe rombo? – Sarney estava espirituoso.
Lula foi mais perspicaz antes que a coisa desandasse e sugeriu.
– Vamos jogar conversa fora. Nossa especialidade lá no ABC.
Assim, a viagem seguiu tranquila. Todos jogando conversa fora.
– Companheiro Collor, agora sem gelo.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Impressões sobre o Música Fenae 2013...


... sob a ótica de um letrista.

O festival é de música – isso é ponto pacífico – mas uma música é composta por uma melodia e por um poema (letra). Então cabe algumas reflexões.
O encontro foi memorável, uma confraternização e camaradagem sem precedentes. Toda vez que participo de algo semelhante sempre comento que existe vida fora das metas dos gestores. Foram incansáveis todos que dedicaram seu tempo para o bom andamento do evento. O maestro Tinoco é uma pessoa simpaticíssima no trato e envolvimento com a perfeição.Assim, tem a minha admiração a banda e o vocal.
Mas temos que fazer uma reflexão para o aprimoramento de cada Música Fenae. Como falei na reunião: não toco, não canto e subi no palco, apenas, para receber o certificado de participação. Sou um simples letrista incapaz de fazer um batuquezinho em uma caixa de fósforos.
Mas ainda assim passou a sensação de que o letrista merecia um pouco mais de atenção. Nesse Música Fenae o letrista é um “cidadão sem cidadania” como diz o último verso da belíssima canção “Cantiga da perua”. O letrista é um não-participante. Um não-visto. Um não-premiado. Um não-convidado. Sequer havia um prêmio para a melhor letra.
O júri era composto em sua larga maioria por músicos, diga-se, com uma profunda experiência musical. E isso tem a minha admiração. Mas faltaram jurados específicos para julgar as letras. Faltou um poeta de ofício, alguém dedicado essencialmente à literatura. Um dos membros – estava no currículo – ganhou um prêmio literário na categoria conto em 2006. Na minha opinião, um modesto currículo. Parece que era apenas para constar que havia alguém ligado à literatura.
Tenho acompanhado vários festivais aqui no Rio Grande do Sul e posso afirmar que o corpo de jurados contempla na mesma proporção músicos e letristas [poetas].
Penso que para melhor comprometer e envolver o trabalho do júri deveria haver a divulgação das notas das canções nos mais variados quesitos. O cerimonial deve ser melhor produzido, ou seja, apresentar a música e o porque da letra e do tema. O cerimonial deve anunciar as vencedoras, pois o presidente não é animador de auditório. Deve ter uma postura de estadista do evento. {Batam com moderação nessa crítica}.
Deixo como sugestão de inscrições para os próximos eventos – assim evita-se contratempos – a seguinte maneira:
Vou exemplificar com a nossa música.
Música: Passeata.
Intérprete: Angelino Rogério
Autor da letra: Athos Ronaldo Miralha da Cunha
Autor da música: Angelino Rogério

E, por fim, sugiro uma reunião – nos mesmos moldes da reunião inicial – no final do festival, para avaliação, críticas e elogios. Ouvindo os participantes a Fenae poderá aprimorar a organização a cada festival. E ganhamos todos em comprometimento e envolvimento com a arte na Caixa.