quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Um par de meias

twitter.com/athosronaldo


As festividades de fim de ano aproximam as pessoas. Nos tornamos mais solidários, ofertamos Cidras aos trabalhadores que recolhem o lixo, ranchos e agasalhos às instituições de caridade. Desejamos felicidades, saúde, paz e dinheiro no bolso, que, convenhamos, ajuda bastante. Um ano que inicia sempre nos enche de otimismo. Renovamos nossas esperanças de que um mundo mais humano e igualitário é possível. Esquecemos as nossas agruras e nos abraçamos saudando o ano que entra e, se possível, saldando o ano que finda. Mas, certamente, sondando o parente que se achega só com a vontade. Pipocamos fogos nos céus e estouramos champanhas. Tudo para celebrar a alegria.
Para realizar nossos sonhos não abrimos mão de superstições e simpatias.
No primeiro minuto do ano umas colheradas de lentilhas são fundamentais para termos sorte. Vestir branco também significa harmonia e paz. Dizem que se comermos 12 uvas, uma para cada mês do ano, ajuda na prosperidade e dinheiro. Não há necessidade de comer uma uva para cada dia do ano, a sua fortuna não aumentará e você ainda poderá ter uma desagradável dor de estômago e sua entrada de ano novo ser uma correria. Embora os porcos vivam nos chiqueiros eles fuçam para frente, então: porco assado na virada. Porco assado light para os preocupados com as calorias. E nada de porco para quem está na berlinda da balança. Logicamente que na mesa não poderá faltar o panetone marca Big.
Quando jovem e estudante, gostava de ir ao cinema acompanhado e sempre convidava uma colega. Diante da bilheteria do Glorinha eu solicitava “Um par de meias, por gentileza”. É claro, recebia um sorriso da atendente. Hoje, peço um par de inteiras, mas não tem a mesma graça.
Atualmente, a minha única superstição de fim de ano, e que me faz lembrar as meias do saudoso Cine Glorinha, é usar um par de meias no pé direito. Assim, eu garanto que não entrarei no ano novo com o pé frio.
Enfim, não sei o que implica dar três pulinhos num pé só. Mas três pulinhos com o pé direito com um par de meias de lã deve ter algum significado.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Livro do Falcão

twitter.com/athosronaldo
Quem, colorado e com mais de 40 anos, não comemorou a conquista histórica do Internacional de 1979? O Internacional foi tri-campeão invicto do brasileirão daquele ano.
O Inter foi o time da década de 70. Naquela oportunidade fomos para a praça Saldanha Marinho comemorar o título. A presidente Vargas ainda não tinha sido descoberta para as comemorações do futebol. Como não tinha uma bandeira, me enrolei em uma colcha vermelha. E fomos, em bando, para a praça. A vitória inédita valia qualquer esforço.
Passados 30 anos Falcão, capitão e ídolo de uma geração, rememora o feito em um livro com depoimentos dos atletas daquela jornada.
“O time que nunca perdeu” li num fôlego só. É emotivo, sentimental e trata de uma época em que a camiseta ainda era valorizada, pesava mais que os euros de hoje em dia.
Talvez não veremos algo semelhante – um clube ganhar o campeonato de forma invicta – mas de qualquer forma reler essas memórias do Falcão, nos remete às conquistas de uma era marcada na mente dos que eram adolescentes e que sonhavam, também, como qualquer adolescente gaucho dos anos 70, em ser um campeão pelo Inter. Internacional era sinônimo de vitórias. Era sinônimo de bravura e esplendor.
Falcão trata com muita sensibilidade esse momento histórico e foi muito feliz ao narrar de forma mais ampla e democrática cada um dos depoimentos dos companheiros de equipe.
Um bom livro para se receber de presente nesse fim de ano cheio de retrospectivas desanimadoras e politicamente incorretas.

Pra não dizer que não falei das merdas

twitter.com/athosronaldo

O presidente falou merda
Num palanque no nordeste
Eita! Um cabra da peste
Língua que a gente herda
Com a minha ideia lerda
Eu vejo essa porcaria
Pois no meu dia a dia
Afeta a mente insana
Na corredeira aragana
É um fato que não sabia

Na merda todos estamos
Um faz de conta que não
Mas é na merda que o povão
Salta de galho em ramos
E assim sempre voltamos
No berço da pátria querida
Saudando essa triste vida
Sonhando que seja nobre
No bolso papéis e cobre
E uma evacuada sofrida

A merda transborda penico
É potente e volumosa
Por certo será prazerosa
No fim de baile do Chico
Naquele baita mexerico
De peidos e bostas sem fim
E eu até vejo por mim
Quem do aroma não escapa?
Sinto, assim, de inhapa
O cheiro do graxaim

Acabou o estoque de rima
E troco a merda por bosta
Tem até alguém que gosta
Seja grosso ou gente fina
Nesse olhar de relancina
Daquela cor amarela
Como gaiato na cancela
Na estância do Pau fincado
Na bosta de um colorado
Um chimango pisou nela

Essa antiga dualidade
Na vasta e larga pampa
Um índio que usa guampa
Mas luta por liberdade
Aquela velha hospitalidade
Na amizade mais profunda
Mas a payada imunda
De um gaúcho guapo e taura
Que se transforma em maula
Pois na bosta ele se afunda

Com merda volto ao tema
Para encerrar a payada
Nem chimanga, colorada
Mas vale esse dilema
Que essa vontade extrema
Na vida dos Silva Zé
Que deixou filhos e “muié”
E um antigo marca-touro
Então percebeu num estouro
Que merda todo mundo é.


Athos Ronaldo Miralha da Cunha

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Teatrinho


O provão foi instituído no vestibular de 1978. Eram 80 questões de caracter classificatório abrangendo todo o conteúdo. Esse provão aconteceu, apenas, naquele ano. Lembro bem porque foi o meu primeiro vestibular e um excelente desempenho em matemática. Meu pai disse que eu “lavei a égua” e meu avô, que eu estava na “ponta dos cascos”. Das 10 questões do provão e as 25 do vestibular, apenas uma ficou sem resposta, ou melhor, chutei na errada. Na disciplina de matemática eu estava afiado.
No entanto, em física e química a égua ficou suja e não era bem na ponta dos cascos que eu estava. E por esse motivo, no vestibular de 78, eu entrei em segunda opção no Curso de Ciências.
Na verdade, aqui começa a crônica. A primeira aula na UFSM lá no Centro de Educação.
O curso de Ciências oferecia 160 vagas. Como havia uma sobra, elas eram preenchidas com os vestibulandos que optavam pela segunda opção. Muitos que não logravam aprovação em Engenharia, Medicina, Odontologia, Fisioterapia e outros, também concorridos, cursavam um ano de Ciências para tentar novo vestibular.
No curso de Ciências havia uma disciplina, no primeiro semestre, que se chamava “Psicologia da Educação”. No momento não lembro quem era a mestre, apenas alguns detalhes da sua estampa e estilo, e também não lembro dos colegas.
Estávamos na sala de aula numa manhã de sol fraco e após fortes emoções pelos trotes que fomos submetidos. De repente, entrou no recinto uma baixinha espaventada, com nariz empinado e peito caído, disse que era a professora da disciplina e solicitou que cada um se apresentasse contando um pouco de sua vida. Após, sugeriu uma bibliografia e concluiu falando alguma coisa sobre a importância da psicologia na educação e elogiou o governo do presidente Geisel. Falou mal do prefeito e bem do reitor. O que eu não entendi bem o porquê.
Anotei atentamente os livros sugeridos, mas horas depois jogaria num lixo no corredor do Centro. Para esquecê-los em definitivo.
Então, a professora, do peito empinado e do nariz caído, dividiu a turma em três grupos.
Chegou diante do nosso grupo e apontou para mim.
– Tu vais ser o pai!
– Eu?
Apontou para os demais membros do grupo e afirmou.
– Tu vais ser a mãe, vocês dois os filhos e tu, que é gostosa, a empregada doméstica!
Achei aquilo tudo muito estranho. Termos deselegantes para com a caloura.
Passou para os demais grupos e fez a mesma distribuição de tarefas. Colocando nos outros grupos, por falta de gostosas, um mordomo e um jardineiro.
No final, falou para todos.
– Na próxima aula vocês deverão representar o cotidiano de uma família. Cada grupo terá 20 minutos para sua apresentação, depois nós faremos um debate acerca das situações familiares encenadas.
Teatrinho! Pensei cá com os meus botões paternos.
Para encurtar o relato.
Deixei minha família órfã de pai. Ora, um tímido missioneiro recém-chegado na Boca do Monte não viria para a Universidade Federal de Santa Maria para fazer teatrinho.
O que iriam pensar meus pais maragatos e meus vizinhos chimangos?
Não assisti a aula seguinte e não lembro mais do nome da professora e da fisionomia dos colegas, essas imagens se perderam nos anos e estão difusas. Também não sei como foi o desempenho da família sem a figura paterna. E, para falar a verdade, não fiquei sabendo para que serve a tal Psicologia da Educação. Hoje, acredito ser de muita importância, mas tenho que me dar um desconto, eu tinha apenas 17 anos em 1978. Eu era um “Alexandre Pato” sem talento para o futebol e menos, ainda, para a encenação.
No ano seguinte, sem teatro e com muitas integrais e derivadas eu ingressei na faculdade embasada nas ciências exatas. O curso tão sonhado e desejado para o qual havia me preparado. Afinal eu era fera em matemática.
Abandonei o curso de Ciências. Não encontrei mais a professora nem os colegas. Uma vez, ou outra, cruzei com algum remanescente da minha ex-família pela biblioteca ou pelo RU. A professora deve ter feito uma operação no nariz ou nos seios, sei lá. A Medicina tem avançado muito.
Alguns meses após a minha desistência eu encontrei um colega que disse que o teatrinho fazia parte do trote e que a professora, do nariz empinado e do peito caído, na verdade, era uma veterana do curso.
Mas aí era tarde demais. O mundo havia perdido um cientista.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

"Ah, ótimo!"

twitter.com/athosronaldo

Nós podemos usar a expressão “Ah, ótimo!” quando encerramos a leitura de um livro do Veríssimo. Diante de uma escultura de Rodin ou quando assistimos um golaço do Nilmar. “Ah, ótimo!” Afirmamos após um espetáculo teatral ou num show de rock.
“Ah, ótimo!” é a frase do ano.
Uma frase otimista que, nesse caso, exprime todo o nosso desencanto com a política e foi pronunciada pelo governador do Distrito Federal José Roberto Arruda do DEM, quando embolsava uma dinheirama. Imagens do descaso com o dinheiro público, com a liturgia dos cargos e uma afronta a religiosidade do povo. Reais distribuídos a rodo. Cenas explícitas de atitudes e diálogos nada republicanos.
Se Arruda fosse governador no Japão, teria um único destino: o haraquiri. Como é no Brasil, convoca uma coletiva, se diz injustiçado, fica no cargo e confia na justiça.
Se num passado recente os dólares estavam na cueca, no mensalão do DEM os limites da cueca foram insuficientes. Sem nenhum pudor o presidente da Câmara Legislativa, Leonardo Prudente, usou os bolsos do casaco, das calças e as meias. Transformou-se em um cardume de garoupas. Na coletiva foi prudente, era uma questão de segurança, pois não usa pasta. A deputada Eurides Brito saiu com sua bolsa abarrotada de notas. A bolsa foi transformada em um cativeiro de onças-pintadas. Vale lembrar que a garoupa está estampada na nota de cem reais e a onça-pintada na de cinquenta.
O presidente da República falou que as imagens não falam por si. A OAB emitiu uma nota afirmando que havia indícios. Mas a população assistiu, pasmada, as turbinas do propinoduto em pleno funcionamento. Para o cidadão comum o afastamento do governador deveria ser sumário e o processo de impeachment protocolado de imediato. Mas tem os trâmites legais... aguardemos.
O detalhe nisso tudo é que os “atores” desse melodrama de quinta categoria, confiam cegamente na justiça. É justamente essa a questão, os larápios – nas mais variadas esferas do poder – estatelados nas poltronas dos refrigerados gabinetes, confiam na justiça. Está mais do que na hora de a justiça tornar-se inconfiável para essa gente. Senão, daqui a alguns dias teremos mais um capítulo, em cadeia nacional, dessa infindável e repugnante novela.
A propósito. “Ah, ótimo!” Podemos dizer após saborearmos um panetone de chocolate.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Os espiões

A frase inicial do romance é emblemática. “Formei-me em Letras e na bebida busco esquecer”. Típica do Verissimo.
Em “Os espiões” a leitura flui como uma caipirinha de cachaça preparada no capricho. O livro é envolvente. Li em dois dias. Na minha opinião é a melhor narrativa do Verissimo. Os personagens têm a simplicidade e a excentricidade dos personagens de suas crônicas.
Uma narrativa leve e despretensiosa, mas com o fino humor do autor e que se resolve por completo. Todas as arestas são aparadas como fossem escritas para uma minissérie.
A trama começa com um editor recebendo os originais de um livro para análise. Na maioria das vezes os originais iam para a lata do lixo, mas o envelope vindo de uma pequena cidade do interior o deixa intrigado, principalmente pelo fato de o nome da autora, Ariadne, vir com um coraçãozinho no lugar do ponto no i. O editor fica fascinado pelo texto de Ariadne, só que o fecho trata de um possível suicídio da autora.
Os espiões, uma excelente pedida para essa semana de marmelada na decisão do campeonato... boa leitura.
Aliás, escrito por um colorado.

No twitter: @athosronaldo