quarta-feira, 10 de março de 2010

A cova rasa de Getulio

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Chico Chimango recebeu a notícia do compadre Aparício. Ambos pitando, ao pé do braseiro, lá no fundo de um perdido rincão. Aparício falou, emocionado, enquanto acendia o palheiro numa brasa.
– Compadre Chico, os homens da prefeitura levaram o Doutor Getulio para o meio da praça.
– Não me diga...
– Botaram o velho numa cova rasa a tascaram um lenço colorado. Ta lá pra todo mundo ver, no meio da praça em São Borja. E agora chamam a cova de mausoléu.
Chico Chimango não acreditava no que estava ouvindo. Sempre rezava no túmulo de Getulio por ocasião das suas visitas a Tia Maroca nas proximidades do cemitério. O jazigo perpétuo dos Vargas fica bem na entrada do cemitério Jardim da Paz. E para não causar ciumeira nos falecidos também fazia umas preces para Jango e Brizola.
– E digo mais Chico, contrataram para fazer o túmulo um cola-fina lá do Rio de Janeiro, um tal de Neimar.
– Mas isso é uma sem-vergonhice. Aparício, São Borja não tem pedreiro?
Chico deu mais uma pitada, apagou o palheiro com o taco da bota e sentenciou.
– Hoje eu não vou porque tá se armando um temporal lá pros lados dos castelhanos – e temporal vindo dos castelhanos é coisa feia –, mas amanhã vou falar com o prefeito. Vou acabar com essa pouca vergonha.
Chico Chimango chegou na cidade a trote. Amarrou o cavalo num poste em frente ao Palácio João Goulart e foi em direção ao centro da praça. Olhou desconfiado. Realmente, havia algo como uma cova, bem rasinha, uma caixa branca com um lenço maragato, meio estranho aquele vermelho, e uma aba que dava a volta por cima da caixa branca. Perguntou para um passante se era verdade que o Getulio estava enterrado ali. A resposta foi afirmativa. Logo em seguida Chico puxou o facão para um taura que caminhava batendo esporas por cima da cova do Doutor Getulio. E se formou um alvoroço na praça. O ferro-branco reluziu, mas logo a turma do deixa disso acabou com a reboliço.
O prefeito, amigo de longa data de Chico, teve dificuldade para explicar que o maior arquiteto do mundo fez o monumento para homenagear o maior presidente do Brasil. E que aquele vermelho simbolizava o sangue do velho Pai dos Pobres.
– Mas prefeito, aquela cova é muito rasa. O povo passa por cima... – falou emocionado.
Assim, por causa do drama sofrido por Chico Chimango está prevista uma pequena reforma no monumento para deixar de ser uma “cova rasa”.

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