sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Velho Taura

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter/athosronaldo

O Velho Taura levantou cedo. Arrastou alpargatas pelas dependências da casa e foi para a cozinha preparar o café para os netos. Colocou a chaleira com água no fogão e cevou o mate. Gostava de matear solito.
Madrugava nas primaveras, despertava antes de o sol nascer. Eram nas manhãs os momentos de lembranças, sem as correrias dos pirralhos e os afazeres do genro e da filha antes de saírem para o trabalho. Os “recuerdos” vinham como faíscas de um tempo remoto e ficavam nítidas na mente os antigos anos de gaúcho do campo. Castração, rodeios, carreiras e tertúlias nos galpões. Introspectivo diante do chiar da chaleira, recordava as andanças pela pampa gaúcha.
– O tempo passou ligeiro para quem ainda briga com os anos! – falou baixinho e sorveu um gole do amargo.
Certa feita – há mais de três décadas – se atracou no ferro branco por causa de uma fogosa percanta. O adversário era um gurizote chimango e ele um Taura maduro sem lenço no pescoço. O piá era muito ligeiro, mas num instante de distração levou um corte fundo e fatal no abdômen. Os olhos arregalaram de pavor e a queda do jovem guasca foi lenta sobre o solo.
O sangue do rapazola jorrando como uma sanga em dia de chuvarada, ainda, o atormentava. Após aquela pendenga, o Velho Taura se aquerenciou num rancho e nunca mais saiu para outras peleias. Nas noites de insônia via nitidamente os olhos faiscantes do chimango antes do último tombo.
A mãe do guri rogou uma praga diante do seu esquife. Disse que o assassino de seu amado filho pagaria muito caro. E que perderia tudo que tinha. Não viveria no seu mundo. Não teria mais um horizonte.
E isso parecia muito cruel. O Velho Taura não entendeu direito o que seria perder o horizonte. Mas o fato é que depois daquela contenda tornou-se um senhor pacato e de poucos amigos. Ensimesmado na vastidão da pampa. Constituiu família e teve uma vida sem sobressaltos.
Hoje, estava ali na cozinha lembrando e rememorando seu passado de campeiro. Vez por outra assobiava um chamamé para lembrar os afagos de uma castelhana.
Colocou umas folhas de erva-cidreira no mate e foi para a sacada do edifício no 14º andar no centro de Porto Alegre. Como fazia todas as manhãs, tentou buscar a vastidão da pampa, mas foi em vão.
Em sua frente uma parede de concreto. Há anos que havia perdido a pampa... o seu horizonte de campeiro.

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