domingo, 19 de dezembro de 2010

Tempos de peleias

Athos Ronaldo Miralha da Cunha
twitter.com/athosronaldo

Zeca Diablo ajoelhou-se diante do córrego para matar a sede.
Vinha de uma longa jornada de cavalgadas e peleias. No último combate contra as tropas de Amaro Missioneiro – um pica-pau das bandas de Santiago – havia sobrevivido por conta de muita sorte. Nem sabia explicar como estava ali diante de uma límpida água corrente. Seus companheiros de embate haviam sido mortos ou estavam dispersos na pampa. Alguns se bandearam para o Uruguai na tentativa desesperada de salvar a própria pele.
Sentia-se salvo por aquelas paragens que mal conseguia decifrar por conta de uma noite montado no tordilho. Vislumbrara um capão de mato, uma sombra para descanso e, quem sabe, uma água corrente para saciar a sede. Cavalo e cavaleiro estavam exaustos.
Mas uma dúvida corroia-lhe a mente. Quando fugira do embate, o irmão estava numa luta feroz de adaga com Amaro Missioneiro. Ouviam-se os berros e tilintar das adagas no entrevero – faíscas de ferro branco – e balas de espingarda quando perdera o irmão de vista. Será que o velho João das Chilenas havia sido abatido pelo Amaro? Ainda retumbava em seus ouvidos os balaços desferidos por Amaro Missioneiro e rogava aos céus por ainda estar vivo e ter encontrado uma sanga para se refrescar da cansativa noite de fuga. A emboscada dos chimangos havia exterminado as tropas de João das Chilenas.
Agora, Zeca Diablo estava ali com o rosto no riacho, todo estropiado, sorvendo a água límpida da sanga e sem saber por onde andava e o que sobrara da tropa dos maragatos do irmão João das Chilenas. Acocorado na beira do riacho se refrescava. Então sentiu um gelado cano de revólver na nuca. No reflexo da água pode ver a cor do lenço branco do homem que apontava a arma.
– Tu és irmão do corno João das Chilenas? Vire-se para ver o verdadeiro Diablo.
Zeca levantou lentamente e encarou a figura de Amaro Missioneiro. Não teve muito tempo para pensar. Nas peleias de 24 conversava-se pouco, se atirava bastante e se degolava demais.
Um estrondo de arma de fogo, novamente, zuniu em seu ouvido. Um silêncio no capão depois de uma revoada de cardeais. Mais um gaúcho morto pela luta fratricida. Amaro Missioneiro tomba sobre as águas do riacho com um tiro certeiro no peito. Cai de costas alvorotando os lambaris.
– Nesses tempos de peleias, tem que ter mais cuidado... Diablito – João das Chilenas falou sorrindo.

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